Liga da Justiça (2017) - Crítica


Independente da pretensão ou mídia de uma obra, é tradicional que, durante tempos conturbados, se cobre de mentes artísticas alguma movimentação ladeada por seu contexto histórico. Por mais que soe bobo exigir isso quando falamos de um cara que se comunica com peixes, um ultraveloz, uma mulher imortal e um ricaço que combate o crime vestido de morcego, é válido dizer que várias destas figuras icônicas foram extraídas de criatividades à beira do caos, em épocas como pós-guerras e recessões econômicas. Isso aproxima o público desses seres excepcionais; cria identificação e empatia com o que, se usado em situações sem grande sentido, tendem a atrair antipatia e até inveja.

Zack Snyder já havia suscitado esta contextualização sociopolítica em seus outros longas no DCverse, mas neste que deve ser também sua despedida da cadeira de diretor, é onde as visões do que vemos em tela mais traçam paralelos com as condições reais do globo. Uma era que poderia muito bem ser nomeada "Período do Ódio" para a posteridade, onde o presidente da maior nação do planeta exibe manchetes por acusações e polêmicas, onde todo um povo recebe a xenofobia como resposta aos atos de seus extremistas, um combate discriminatório, provocando mais e mais preconceito no sectarismo intolerante que paira a cada esquina. Tudo isto culmina no medo generalizado e corrosivo, que ratifica o desdém ao próximo.

O microuniverso onde os heróis componentes da Liga habitam, Metrópolis, Gotham e Central City, representam a desordem que reverbera em centros sem o privilégio de possuírem um guardião pessoal. A morte de Superman encobriu a moral com a sombra da desconfiança. É neste pretexto que o mal obtém liberdade para agir, e SteppenWolf ressurge após a ruptura de uma das "caixas maternas", iniciando assim sua genérica busca pela dominação mundial.


Numa realidade onde Clark Kent está morto, é na classe menos imponente que reside a esperança de salvação. Sem tempo a perder, visto que só fomos apresentados a dois dos 5 integrantes da Liga, o filme não possui exatamente uma introdução, como parte direto a seu desenvolvimento, que engloba diretamente a célere apresentação de Aquaman, Ciborgue e Flash, sem tempo para um aprofundamento que deve vir em suas posteriores aventuras solos, apenas um resvalar por trás de como estes lidam com o mundo e o uso do carisma dos atores para desviar o espectador do quão vago tudo é.

Entre os insanos e abruptos cortes e trocas de narrativa, fica difícil refletir devidamente sobre o que vemos em tela. São jogos de luzes, efeitos sonoros e frases de efeito que substituem o pensamento por interjeições ligeiras, dando somente tempo suficiente para reagir à próxima gag. Durante a projeção, funciona muitíssimo bem. Batman e Mulher-Maravilha são os condutores que nos levam aos novos figurantes. Não à toa. Não apenas são os rostos mais famosos, como mais aclamados, principalmente Gal Gadot, erigida ao estado de graça após o êxito de Mulher-Maravilha, que alavancou o universo DC do subsolo previamente colocado pelas falhas de Snyder.

Felizmente, a dinâmica em grupo desta Liga é imediata. O elenco exala confiança entre si, e mesmo que alguns exibam melhor relação em pequenos grupos, ou duplas, como Bruce e Diana, o comportamento conjunto sempre reserva boas piadas e diálogos entre membros que, apesar de juntos no mesmo aposento, parecem completamente distintos. É nítida a tentativa de enovelá-los de acordo com idade, personalidade (os jovens Barry e Victor), o que deve visar o futuro da franquia, com mais personagens em tela e menos espaço temporal e físico para juntá-los nos mesmos planos. Mas enquanto unidade, é realmente um time, como diz o Alfred de Jeremy Irons em certo ponto.


A urgência em nos mostrar os encapuzados da vez e já colocá-los em ação ao menos é objetivo e estratégico. Nisto, o ritmo colérico, já supracitado, tem seu efeito eficaz. Tudo que sabemos sobre Aquaman é que não goza de seu status hierárquico e, por mais que se mostre defensor da justiça, não demonstra grande feitio por fama e glória. Já ciborgue, que adquiriu sua condição em situação inesperada, enfrenta os dilemas e incertezas de seu corpo maquinário. É quem mais aproxima o longa de desnudar camadas mais profundas e sombrias, rapidamente sobrepujadas por tiradas cômicas, quase sempre de Ezra Miller e seu simpático Barry Allen. Flash é notoriamente a referência jocosa da Liga, e mesmo quem não consome quadrinhos deve lembrar-se deste seu papel no antigo desenho, famoso pelas frequentes exibições no sbt, década passada. Se o ator vai bem no papel de jovem maravilhado com o que encontra, como se fosse alguém da plateia que recebe o convite para ingressar numa missão de salvação ao mundo, é rápida sua transição do natural ao caricato, em diversos momentos do filme. Há passagens hilárias, de utilização do slow motion, assim como o Mercúrio de X-Men, em que vemos suas reações à lentidão ao redor, principalmente duas cenas: uma que envolve Superman e outra Mulher-Maravilha. Entretanto, diversas vezes cruza-se a linha do divertido para o insuportável, um erro comum na Marvel e que, torçamos, não se repetirá à exaustão em breve.

A boa química e interação entre eles cativa. Nos desvia das falhas da película; as coreografias pobres, a direção preguiçosa que apela a cortes infindáveis em cenas de batalha; a história basicamente inexistente, tudo apoiado na união de seus protagonistas, ocasião propiciada na urgência de conseguir competir com o terreno já estabelecido por sua rival multimídia. 

Há um receio em criticar Snyder pela recente tragédia pessoal que envolveu o cineasta. Porém, aqui dissocia-se a pessoa do profissional, e ainda que esteja em seu melhor esforço desde 300, provavelmente, os maneirismos de Zack ainda assombram quem cansou de torcer e esperar para uma mudança comportamental de quem nos trouxe Sucker Punch. O uso irresponsável de câmera lenta, em busca da estética perfeita, sabota o próprio artifício, que se torna banal em certo ponto, sem utilidade narrativa e nem mesmo visual. Qual a graça de vermos caixas de laranja voarem, afinal? Além da sempre presente fotografia apocalíptica, desta vez de Fabian Wagner, mas que sob o braço de Snyder, pouco ou nada individualiza-se de todos os outros que trabalharam consigo. Consequentemente, o que procura brilhar aos olhos e ressaltar violência e brutalidade do nêmesis, substituindo qualquer sinal de esperança e naturalidade, como o verde dos campos e o azul do céu, por pó, chamas e fumaça, parece imensamente artificial e exagerado. Znyder ainda se prende no que maravilhou cinéfilos lá em 2006, quando  liderados por Leônidas. O globo gira, o cinema se reformula, todos apontam para seu erros, mas Zack não consegue sair de sua bolha.


Mesmo sendo o mentor de todo o projeto, não é surpresa que o maior acerto da saga seja, por enquanto, o único não comandado pelo americano. Falo, é claro de Mulher-Maravilha, que aqui também rouba todas as cenas e nos perpetua em paixonite por Gal Gadot. São universos em divergência, e Snyder perdeu o punho de ferro (rs) pelo que fora construído por Jenkins, muito mais abrangente do que a assinatura autoral de Snyder que mais prejudica do que destaca o ambiente. 

Ainda assim, a balança pende ao positivo. A sensação após sair do cinema é de satisfação, de entretenimento. Mesmo que irregular após analisar-se sem a empolgação pós-sessão, é um bom norte para o futuro da parceria Warner/DC, mais calcado no equilíbrio entre denso e levidade de Mulher-Maravilha do que no frágil peso dramático de Batman x Superman e Homem de Aço. Falta algum chão, mas em tempos onde a Marvel já se encontra estagnada e em estado de saturação com seu medo de ousar, todos desejam o sucesso da DC. E neste 2017, finalmente ela passou a se ajudar.

Nota: 6. 

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