Crítica - Mogli: O Menino Lobo (2016).

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Mogli: O Menino Lobo/ The Jungle Book, dirigido por Jon Favreau.
Essa onda da Disney de refilmar alguns de seu clássicos em Live-Action, ainda que não tenha funcionado todas as vezes, é deveras interessante por poder apresentar à novas gerações histórias laureados e divertidas em novas abordagens, mas principalmente, pelo tom de fábula e ensinamentos que constituem a essência do estúdio. Logo, além de se manter atualizada, a casa do Mickey também não abandona seu estilo, e ao mesmo tempo em que ensina os mais jovens, diverte e emociona àqueles que cresceram com suas obras. Mogli: O Menino Lobo, faz justamente isso, honrando o original, justamente a última participação do lendário Walt Disney em uma animação antes de falecer.

Assim como no recente Zootopia, aqui, a vida dos animais pode muito bem ser assemelhada com nossa sociedade: há claramente um sistema presente na selva, como a separação de propriedades e até regras que proíbem a predação em certas circunstâncias em que todos os cidadãos do ambiente necessitam de um mesmo bem. Um sistema que visa a harmonia entre os habitantes, e é claro que há aquele propenso a abalar tudo. Esse alguém é Shere Khan, o tigre que utiliza de seu físico superior para intimidar e oprimir os mais fracos, um tirado que objetiva apenas o regozijo próprio. Não é tão difícil de relacionar onde vivemos, quanto mais nesta época conturbada.

Não obstante essa interessante projeção de pessoas em animais, o estúdio também discute temas mais "família" e tão comuns em seu catálogo: autoaceitação, bondade, perdão, e é claro, o poder da família e amigos. É esse o diferencial de Mogli para com Shere Khan: mesmo sendo considerado uma ameaça e pertencente a uma raça devastadora, o garoto é quem ele é, não o que dizem, e é por sua personalidade que conquista tantos relacionamentos essências em sua jornada, ao contrário do vingativo e amargurado felino, muito temido e odiado, mas jamais respeitado.
O Tigre Opressor.
Mas de nada adianta um roteiro bem intencionado se sua execução for entediante e óbvia, e felizmente, Mogli é, narrativa e tecnicamente, uma grande, bela e leve aventura.

E como é bela. Deve ter sido chato gravar o longa, já que ele é praticamente todo em CG - personagens e paisagens. O jovem Neel Sethi merece reconhecimento pela naturalidade com que interage com o ambiente, o que não é fácil. O importante é que o resultado ficou magnífico, e não há hipérbole nesta alegação. Se Aventuras de Pi encantou pela grandiosidade dos efeitos e a incrível verossimilhança do tigre Richard Parker, em Mogli, temos esse esmero elevado à enésima potência.

A construção da selva é impecável, e seria plausível dizer que trata-se de uma localidade real, muito pela contida direção de Favreau, que não realiza movimentos megalomaníacos e deixa as cenas o mais orgânicas possíveis, assim como a inteligente e madura escolha de cores, que não buscam criar uma atmosfera infantil e excessivamente brilhante, mas sim expor a realidade da floresta, inclusive com filtros mais escuros em vários momentos. 
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Mais um tigre criado digitalmente com maestria.
E novamente utilizando o exemplo de Richard Parker, já que o mundo impressionou-se com o tigre digital, aqui temos infindáveis espécies com a mesma qualidade. A recriação de manadas e animais coadjuvantes é tão precisa, que parece-se tratar-se de uma vista existente. E tigre por tigre, Shere Khan não perde em nada para seu companheiro. Os detalhes de sua pelagem deixam bem claro a natureza agressiva e o rancor que o bichano guarda, além da imponência que transmite, mesclando-se muito bem com o vozeirão grave de Idris Elba

O sensacional elenco de vozes é competente como um todo, mas além de Idris, outros dois merecem menção: Bill Murray de Baloo é como um nadador que reencontra a piscina após meses em um deserto. O caráter zen, tranquilo e de bon vivant que o ator transmite se transpõe perfeitamente no urso, um verdadeiro irmão mais velho para o protagonista. É como se fosse o próprio Bill versão selvagem. E o outro nome, é Lupita Nyong'o

A atriz, que mesmo após vencer o Oscar continua sem receber grandes oportunidades - fora como dubladora -, interpreta Raksha, a mãe lobo que adota Mogli, e se sai maravilhosamente bem, gerando muita empatia com uma personagem que em mãos menos talentosas, poderia tornar-se eclipsada por outras figuras conspícuas ali presentes. Lupita modula bem a voz para passar a ternura que sente pelo filho, e a tristeza que sente pelo inevitável caminho que o mesmo deve seguir, mas não deixa de se mostrar forte para enfrentar o tigre e assumir o comando da alcateia quando necessário. Uma grande atuação, mesmo que sem mostrar o rosto.
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A selva parece real, e não um sonho pueril.
Os detalhes que mencionei acima não se restringem apenas na figura de Shere Khan, mas sim em cada frame. As gotas de chuva que deslizam na densa pelagem dos mamíferos, a indelével marca que uma labareda abre na pelagem, e até a maquiagem de Mogli, que torna o universo da película ainda mais crível por mostrar o menino sujo e ralado, o que é óbvio devido seu estilo de vida, mas muitas vezes negligenciado, como ocorreu no terceiro Nárnia, que caracterizou todos os marujos do Peregrino da Alvorada limpos como reis, ainda que estivessem há semanas isolados em um barco com recursos limitados. São pequenas observações que fazem toda diferença na hora de imergir o espectador. 

Com personagens carismáticos, doses pontuais de nostalgia que não soam forçadas na trama (somente o necessário...) e uma história simples, mas bem executada em dois terços de sua duração, é uma pena que justo no clímax, o roteiro tropece em um erro banal, mas cada vez mais frequente - o famoso "vou em dois dias, mas volto em duas horas". A dimensão geográfica que o garoto toma quando ruma para a vila dos homens (não me venham com spoilers, isso tá na animação, no trailer e em qualquer material já lançado sobre os contos de Rudyard Kipling) é demorada e ele inclusive dorme no percurso, e como sua volta compreende um ponto central para a trama, é impossível deixar passar. Se elogiei a atenção aos detalhes antes, a represália se faz necessária para um equívoco que contrasta tanto com os cuidados apresentados até tal ponto.

Um furo que sim, prejudica o resultado final, mas não muda o fato de que esta readaptação é deveras eficiente e dá segmento à excelente fase vivida pelo estúdio. Zootopia e Livro da Selva deixam uma grande responsabilidade para Procurando Dory e Guerra Civil. Nos surpreenda novamente, Mickey!

Nota: 8.

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