Viúva Negra (2021) - Crítica


Terminados os cerca de 133 minutos de Viúva Negra, eu estava sem reação. Mas não é uma perplexidade inacreditada por um choque catatônico do que eu vira em tela. E sim o retrato da indiferença. Pois mais uma vez, a Marvel entregou um filme ascético. Um filme de algoritmo sem alma que busca na estética realista uma verossimilhança que não pertence às histórias que planeja contar. Uma dicotomia débil entre almejar se aproximar de um Dark Knight ou se assumir um Homem-Aranha de Sam Raimi. Pois sim, adotar a fantasia não é se perder na cafonice de Thor Ragnarok. 

Considerando a personagem de Natasha Romanoff, é natural que se busque uma roupagem mais sóbria, até similar ao núcleo que ela mais frequentou dentro da franquia, com o Capitão América e o Gavião. Ela não é do time de Hulk e Thor, e considerando o êxito, principalmente, de Soldado Invernal, é uma escolha que poderia prosperar. Trazer a australiana Cate Shortland, experiente em longas introspectivos menores, foi uma sugestão previsível que parecia evidenciar a inevitável busca pelo passada de Natasha, tantas vezes arranhado durante as nababescas narrativas em que ela se inseria quando junto dos Vingadores. 


A introdução faz justamente isso, ao mostrar o passado de uma Natasha e sua família postiça. Uma escolha que corrobora o pathos da Marvel neste 2021 de tantas mudanças. O adiamento do longa devido à pandemia o centraliza nesta temporada de traumas e redenção que vimos, por exemplo, em WandaVision. Porém, sempre há de se questionar até quando a Marvel vai permitir uma trama mais pés no chão e íntima. Não existe uma fórmula correta de se retratar nenhum tema no cinema, mas há certamente métodos mais prováveis de funcionarem. E conhecendo a tendência do estúdio em infantilizar e aliviar a tensão dramática de toda obra sua em busca de sensações mais imediatas do que duradouras, é constante a percepção de que a trágica vida de Natasha não se enquadra direito no universo dos vingadores. Não somente por sua persona mais física e simples, mas justamente por sua história. 

É uma existência oriunda de genocídios, muita matança e manipulação mental, além de agressões corporais à própria essência da personagem, não somente dela, mas pelas quais todas Viúvas passam. A escolha da Marvel, entretanto, é tratar uma histerectomia forçada com humor e histeria, gerando constrangimento masculino na caricata atuação de David Harbour como Alexei, que bem simboliza esse esgotamento emocional. E é nesse interstício entre duas narrativas distintas, a boba e a séria, que a Marvel novamente desliza e cai direto no poço do esquecimento. É na insistência inexplicável de tentar uma imagética mais cinza e associativa com nossa realidade, enquanto afugenta debates devidamente densos. 


Sim, há inserções feministas e politicamente contemporâneas no texto da obra, num momento em que o cinema americano ainda discute as repercussões, causas e consequências do governo Trump, as fake news e o controle exercido pela mídia e figuras de elite na população média, vista como vítimas indefesas, assim como as Viúvas. Mas assim como é expositiva e barulhenta a revelação do assassinato de uma criança como "efeito colateral necessário", o que também evidencia a natureza de sua vida pré-Avengers, não há nunca espaço ou sequer silêncio para interpretar ou absorver o choque. Não nos é permitido reconhecer de fato os traumas da personagem nem entender sua dor porque a ela não é dada essa chance, mesmo nos mais de 10 anos e 9 filmes que esteve ligada ao MCU. 

Desconexo entre ideias, a química de Scarlett com a excepcional Florence Pugh abrilhanta diálogos maçantes e óbvios, enquanto novamente traz um vilão zombeteiro e imemorial, por mais modernas, relevantes e diabólicas que sejam suas intenções. É uma incompetência visual e narrativa considerável quando tantos temas assim são ilustrados mais como uma obrigação contratual do que com inspiração ou peso dramático.

A vida de Natasha Romanoff, agora uma figura póstuma, segue como um conto sensorialmente misterioso, e a amostra de sua história não é mais do que uma matéria rápida de jornal sobre algum crime escandaloso em país estrangeiro, resumida em parágrafos rápidos, desanimados e antipáticos para com a pessoa descrita. 


A Marvel inicia sua fase 4 como passou grande parte das outras 3: sem saber sentir, esperar ou respeitar. 

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