Viúva Negra (2021) - Crítica
Considerando a personagem de Natasha Romanoff, é natural que se busque uma roupagem mais sóbria, até similar ao núcleo que ela mais frequentou dentro da franquia, com o Capitão América e o Gavião. Ela não é do time de Hulk e Thor, e considerando o êxito, principalmente, de Soldado Invernal, é uma escolha que poderia prosperar. Trazer a australiana Cate Shortland, experiente em longas introspectivos menores, foi uma sugestão previsível que parecia evidenciar a inevitável busca pelo passada de Natasha, tantas vezes arranhado durante as nababescas narrativas em que ela se inseria quando junto dos Vingadores.
A introdução faz justamente isso, ao mostrar o passado de uma Natasha e sua família postiça. Uma escolha que corrobora o pathos da Marvel neste 2021 de tantas mudanças. O adiamento do longa devido à pandemia o centraliza nesta temporada de traumas e redenção que vimos, por exemplo, em WandaVision. Porém, sempre há de se questionar até quando a Marvel vai permitir uma trama mais pés no chão e íntima. Não existe uma fórmula correta de se retratar nenhum tema no cinema, mas há certamente métodos mais prováveis de funcionarem. E conhecendo a tendência do estúdio em infantilizar e aliviar a tensão dramática de toda obra sua em busca de sensações mais imediatas do que duradouras, é constante a percepção de que a trágica vida de Natasha não se enquadra direito no universo dos vingadores. Não somente por sua persona mais física e simples, mas justamente por sua história.
É uma existência oriunda de genocídios, muita matança e manipulação mental, além de agressões corporais à própria essência da personagem, não somente dela, mas pelas quais todas Viúvas passam. A escolha da Marvel, entretanto, é tratar uma histerectomia forçada com humor e histeria, gerando constrangimento masculino na caricata atuação de David Harbour como Alexei, que bem simboliza esse esgotamento emocional. E é nesse interstício entre duas narrativas distintas, a boba e a séria, que a Marvel novamente desliza e cai direto no poço do esquecimento. É na insistência inexplicável de tentar uma imagética mais cinza e associativa com nossa realidade, enquanto afugenta debates devidamente densos.
Sim, há inserções feministas e politicamente contemporâneas no texto da obra, num momento em que o cinema americano ainda discute as repercussões, causas e consequências do governo Trump, as fake news e o controle exercido pela mídia e figuras de elite na população média, vista como vítimas indefesas, assim como as Viúvas. Mas assim como é expositiva e barulhenta a revelação do assassinato de uma criança como "efeito colateral necessário", o que também evidencia a natureza de sua vida pré-Avengers, não há nunca espaço ou sequer silêncio para interpretar ou absorver o choque. Não nos é permitido reconhecer de fato os traumas da personagem nem entender sua dor porque a ela não é dada essa chance, mesmo nos mais de 10 anos e 9 filmes que esteve ligada ao MCU.
Desconexo entre ideias, a química de Scarlett com a excepcional Florence Pugh abrilhanta diálogos maçantes e óbvios, enquanto novamente traz um vilão zombeteiro e imemorial, por mais modernas, relevantes e diabólicas que sejam suas intenções. É uma incompetência visual e narrativa considerável quando tantos temas assim são ilustrados mais como uma obrigação contratual do que com inspiração ou peso dramático.
A vida de Natasha Romanoff, agora uma figura póstuma, segue como um conto sensorialmente misterioso, e a amostra de sua história não é mais do que uma matéria rápida de jornal sobre algum crime escandaloso em país estrangeiro, resumida em parágrafos rápidos, desanimados e antipáticos para com a pessoa descrita.
A Marvel inicia sua fase 4 como passou grande parte das outras 3: sem saber sentir, esperar ou respeitar.
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