Pânico (2022) - Crítica

Uma coisa que se perdeu durante a franquia Pânico, conforme se focava nas autoironias e convenções disruptivas, assim como uma condenação a repetir os erros do slasher mesmo na consciência deles, foi a própria eficiência de gênero em assustar e causar tensão. O já clássico original foi canonizado por um equilíbrio sagaz nestes quesitos que renovaram o subgênero, enquanto se permitia desfrutar disto para oferecer, sim, um exercício de suspense catártico e surpreendente, ao passo que as sequências se direcionaram cada vez mais para comentários da indústria e o infame "terrir". 

Isso é resgatado aqui no que é o filme mais perturbador desde o primeiro, além de um realismo bruto e frontal, evidenciando a figura mítica do Ghostface como entidade à la Michael Myers, Leatherface e outros slashers sagrados, independente de quem está por trás. O assassino é o capuz - só ver como a altura e força da criatura parece sempre a mesma, seja uma adolescente magra ou um homem adulto vestido. A dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, oriundos de V/H/S e Casamento Sangrento, parece ter construído uma carreira visando chegar até aqui, numa ovação clara ao repertório de Craven, mas ávidos por respeitar seu legado não somente no maneirismo do cineasta, mas no próprio espírito desbravador de Craven, o que por si só torna imperativo não se ater à reverência, o que neste ano enterrou Duna, mais preocupado na fidelidade do que na transmutação de mídias. A nostalgia alimenta, mas não basta. 

Matt e Gillett, através desta década por trás das câmeras, dominaram as dinâmicas do Slasher e deixariam Crave obviamente orgulhoso por como entenderam Pânico e conseguiram mantê-lo relevante numa era digital e cínica em que as próprias ferramentas que destacaram a franquia se tornam necessitadas de frequentes atualizações metalinguísticas, correndo sempre o perigo iminente de se tornar uma caricatura desajeitada de si mesmo. A escolha dos diretores é situar a trama entre meios que discutem não somente a indústria, como o próprio meio que o consome. E nisto, o resultado é ambíguo. É inevitável sentir o prazer de ver a cultura de fandom tóxico ser alvo de chacota, após anos presenciando filmes sendo destruídos por pressão de conservadores preconceituosos que costumeiramente não compreendem a essência da própria obra que veneram. A aplicação prática de Pânico, ou Stab, como ícone cult é não somente divertido, como uma progressão natural dentro da franquia. 

Na temática meta, muito do que vimos no quarto capítulo se repete, o que expõe ainda mais o quão brilhante e à frente de seu tempo Wes foi, mas com um discurso diferente - saem as redes sociais como elemento de disputa sensacionalista e inconsequente por fama, entra a toxicidade de fandom destilando ódio por trás do anonimato de fóruns. A piada com Star Wars é óbvia e já dita uma nova tendência revisionista de Hollywood, vide o recente Matrix. Mas não se atém nisso, visto que o cenário do terror enfrenta uma onda que seria desperdício ignorar, que é o pós-terror, ou horror elevado, tido como superior por suas alegorias sociais, acima do "slasher" básico e vulgar. Seria uma jogada pela culatra, arriscada, caso o longa não se garantisse, mas mesmo que eu prefira os trabalhos de Ari Aster e Robert Eggers, seria mentira negar a experiência divertida e perspicaz que a saga de Ghostface dispõe mais uma vez, e como supracitado, oferecendo o melhor ensaio de gênero que vimos em Scream desde 1996.

Fora essa brincadeira, no entanto, como forma e estrutura, Pânico não se difere muito da franquia em si além da ocasional câmera agressiva que busca os closes, sem medo da própria natureza, sendo por partes até mais uma homenagem nostálgica do que de fato um requel iconoclasta, trocadilho reforçado recorrentemente pela trama. Acaba por esvaziar muito da intenção, quando se pensa um pouco. Tá criticando os fãs, mas faz de tudo para agradá-los? Ué...São três vias de comentários internos bem balanceadas, da qual duas podem ser vistas como bem resolvidas, e outra com um ar de redundância. Sempre foi tendência de Pânico ser aquilo que ele mesmo crítica, justamente um recurso deliberado para atestar que há o que se tirar ainda do Slasher. Sidney sempre sobe as escadas, o telefone sempre é atendido, e a porta aberta mesmo sem resposta após a campainha. Ao escolher o fandom tóxico e não rejeitá-lo plenamente, Gillett e Matt fazem um infeliz tropeço que mitiga um filme de resto empolgante e revigorante. 

Assim como visto no original e no quarto capítulo, Pânico comenta sobre si mesmo e o contexto da indústria ao seu redor, superando com vigor as impressões de obsolescência e esgotamento de ideias que cercam o Slasher, deixando o futuro em aberto e com ares promissores. O terror é um fenômeno para além de um estilo, e poucos, talvez até ninguém, entenda isso como a franquia de Craven e Williamson. E sua primeira emancipação total é um êxito estimulante. Ghostface entra em sua quarta década de vida com mais energia que nunca. 

2 comentários:

  1. Gostei muito desse novo filme. O quarto era um dos meus preferidos da franquia, e é uma pena que não tenha gerado uma nova trilogia, mas felizmente tivemos essa surpresa com o "quinto".

    Quando vi, brinquei que "Pânico 5 é o Matrix 4 que deu certo" (rs), no quesito da vasta metalinguagem abordada, que inclusive tá excelente e só é possível por estarmos vivendo no momento em que estamos vivendo, assim como cada filme foi em sua própria época.

    Sobre o criticar os fãs e abraça-los, Não vejo como um problema. É criticar e abraçar mesmo, num paradoxo de opções, como uma mãe repreendendo seu filho sem deixar de ama-lo, como a última trilogia de Star Wars que abraça o fã e depois o rejeita e depois volta atrás. Independente das novidades, a nostalgia é que vai falar mais alto.

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    1. Mas eu gostei bastante do filme apesar disso. Assim de 1 experiência deve ter Sido a melhor depois do 1. Ansioso pressa nova sequência. Quero ghostface assim, frontal e brutal. So queria que mudassem um pouco a dinâmica do climax. Sempre fica aquela enrolação dos assassinos se revelando e se matando e daí fazem discurso etc.

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