Sonic 2: O Filme (2022) - Crítica

Se uma coisa pode ser dita por Sonic 2, é simplicidade. Muito se tem falado sobre se tratar da melhor adaptação de games aos cinemas (não exatamente uma tarefa árdua), de como preserva a fidelidade dos games e personagens. Talvez esteja aí o segredo: objetividade. Mesmo em suas quase duas horas de duração, Sonic é um filme de ritmo tão apressado quanto seu personagem título. Oriundos de games com parca narrativa fora a própria ação, a introdução dos personagens, seus objetivos e conclusões são rasas, sim, mas tampouco se almeja muito, focando mais no próprio carisma das figuras. E até por isso, funciona muito melhor quando centrado nas criaturas animadas que nos humanos, que não transmitem essa mesma "graça" pela simples aparência.  

A série se assumiu diretamente, ainda que preserve referências "obrigatórias" para marmanjos fãs dos jogos antigos, como fitas focadas num público mais imberbe - mesmo -, na casa dos 6-10 anos. Nisto, acaba sendo uma mistura entre a Marvel e suas fórmulas de ação, comédia e agora multiverso, com a interação de humanos com animais de obras como Peter Rabbit e...Paddington. A referência com o último, certamente o exemplo-mor a ser seguido neste âmbito, para mesmo no conceito. Inteligente e inocente, não é tolice eleger o segundo Paddington como um dos melhores longas da década passada. Encantador para crianças e igualmente conquistador para adultos, tropeça aí o alcance de Sonic, no que lhe escapa igualdade até mesmo numa comparação com animações da Disney e Pixar, mais abrangentes. 

O charme de Sonic está mesmo na inocência e pureza com que trata de seus personagens, e a própria mudança do design "vale da estranheza" do polêmico primeiro trailer do espinhoso que fez renovarem toda sua identidade estética para o mais carturnesco atual, evidencia bem o espírito dos filmes. Sonic é bacana, como personagem, por simplesmente ser como é; imaturo, precipitado, mas de bom-humor, brincalhão e ingênuo. Basicamente um homem-aranha mirim, mas que abraça uma excentricidade confiante ao invés do realismo contraditório do MCU em meio ao ridículo de seus conceitos. É por isso que as principais críticas tanto do primeiro quanto deste segundo filme são as interações humanas, por mais honestos e determinados que sejam os atores em se relacionar com as criaturas. 

Jim Carrey funciona melhor justamente por sua persona over-the-top, ele mesmo uma figura que parece saída de desenho animado com seus trejeitos, expressões e articulações extravagantes. Entretanto, devido ao clima mais pueril da fita, a figura antagonista de Robotnik funciona pouco como ameaça e senso de urgência, tornando suas cenas e atitudes por vezes irritantes e repetitivas, restando mais ao ator se entregar ao cômico. E mesmo assim, em sua aparência envelhecida e história a quem conheça, fica uma sensação de constrangimento por parte do ator, e o anúncio de aposentadoria e deste ser seu último papel talvez seja mais do que coincidência.

O acréscimo de Knuckles e Tails, por isso, é diretamente responsável por este segundo filme ser amplamente superior ao original. Não é se apoiar na nostalgia ou nem na personalidade da dupla (por mais que eles sejam funcionais em seus arquétipos), e sim por permitir uma equivalência de abordagem entre Sonic e outros iguais. Há naturalidade, graça e até intensidade na interação do trio, e mesmo que não se tenha muito ocorrendo em tela, a mera presença física entre eles carrega com carinho o fluidez. E como é deles a maior parte da presença, o filme se beneficia. 

Adotando o supracitado tom inocente e excêntrico, a aceitação das criaturas neste comportamento funciona por seu visual infantil. A contradição quando nos humanos, entretanto, gera as passagens mais fracas, até vexaminosas, do filme, especialmente nas cenas do casamento, apelando ao pior do slapstick, de filmes horrorosos como "Norbit", "O Pequenino", "O Filho do Máscara", entre outros. Em minha sessão, lotada de crianças, não houve nem mesmo reação por parte delas nestes momentos, o que parece sugerir que a resposta não é boa, enfraquece e arrasta bastante a experiência. É um valor de produção de primeira nas ações e estética de Sonic e seus amigos, que decai imediatamente a um nível bagaceiro quando tenta encaixar humanos reais nesta mesma lógica comportamental. Nem todo mundo é um Jim Carrey, afinal. 

Com um universo recheado de figuras curiosas, a aposta de Sonic deve ser mesmo num mundo cada vez mais dominado por estes seres "alienígenas", talvez até se emancipando do planeta, no máximo com contribuições pontuais, especialmente dos Wachowski. O que não falta no panteão da franquia são personagens com um poder de carisma e merchandising de alto potencial para conduzir todo um filme e protagonizar quase completamente seu andamento, dos diálogos à ação e humor. 

Sonic foi uma produção arriscada, inesperada, quase destinada ao fracasso desde seu anúncio, mas que surpreendentemente funcionou e angariou bastante apoio popular. Com dois filmes lançados, fica bem óbvio quais os trunfos e defeitos a se seguir e evitar. Como distanciá-lo de desastres que por vezes se aproxima, como os live-actions de Pica-Pau e Zé Colmeia; e se nunca conseguirá replicar os Paddingtons, ao menos se sustentar e extrair o melhor da própria abordagem inocente e absurda. 

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