Top Gun: Maverick (2022) - Crítica

Tom Cruise se envolveu em uma leve polêmica quando, em 2020, pego disfarçado numa sessão de Tenet, defendeu os cinemas bem em meio à pandemia. Fez o tempo revelar o humanismo e não o elitismo por trás das manifestações do ator, que se manteve firme e lutou para que seu Maverick fosse exposto primeiramente nas grandes telas, a despeito da quantidade de tempo necessária para que isso fosse possível (basicamente 2 anos), pensando nos espectadores e nos empregos gerados e mantidos pela indústria.

E os primeiros segundos de Maverick (não fosse o trailer já suficiente para isso) já deixam evidente como o pulso de Cruise foi certeiro e abençoado em defender que seu filme fosse visto "na tela grande", num alcance que jamais seria atingido em menores proporções de imagem e som. Mesmo que reúna realizadores parceiros em seus longas, é válido dizer que Cruise é o verdadeiro mestre e idealizador do que se mete, sendo a confecção deste Maverick só saída do papel quando suas exigências de efeitos práticos foram aceitas, assim como a voz final na própria filmagem. Após passar por alguns momentos questionáveis com os Jack Reacher, Oblivion e Encontro Explosivo em que parecia perder seu status estrelado de primeira prateleira, Cruise filtrou com quem e no que se meteria, e inteligentemente atrelou sua própria imagem e associações para com as produções que protagoniza, neste caso mesclando sua imagem de um alucinado que faz as próprias acrobacias e cenas de ação com a de seus personagens: a primeira lembrança sempre será de Ethan Hunt, mas mais do que nunca, Pete "Maverick" Mitchell acaba de entrar na equação: é Tom Cruise, não um personagem, ainda mais do que no original. 

Maverick abre com cenas indo contra o sol sépia poente filtrado num laranja que evoca a nostalgia e juventude do filme de 86, assim como uma trilha sonora crescente e emotiva, já estabelecendo certos elementos históricos, emocionais e fantásticos da obra. Prestes a completar 60 anos, há um espelhamento rápido que discute a passagem do tempo para o Maverick da narrativa com o ator que o personaliza, um homem que já deveria estar em cargos superiores, mas por uma teimosa genuína a seus valores contra a submissão burocrática, se mantém numa rebeldia convicta em um estilo de vida que rejeita a idade e se orgulha disso como demonstração de embate a uma tecnocracia desumanizada, rígida e fria.

Não à toa, do começo ao fim, seu personagem desafia ordens para fazer o que acredita ser o melhor a seus colegas e alunos, mesmo que isso lhe prejudique - tal qual Cruise em insistir no lançamento em circuito exibidor convencional e não diretamente no streaming. Se nos anos 80, Cruise também fora protagonista do próprio gênero, com jovens galãs arrogantes, ambiciosos e imaturos, porém sedutores e de bom coração, agora ele assume a figura do mestre cool e atualizado, tão capaz quanto qualquer um de físico jovial. Curiosamente, entretanto, o compromisso da estrela segue direcionado puramente ao entretenimento e ao desafio da física e descarte de dublês, já que a trama de Top Gun, diretamente interligada com o exército americano, poderia muito bem cair numa discussão patriota de valorizar os bons costumes e tradições do antes contra as subversões e pecados atuais, algo jamais sequer sugerido. É um culto ao próprio homem, e ao cinema com seu potencial imagético total. 

Se Maverick desafia tenentes para proteger seus pilotos, a visão de Cruise e seus parceiros é uma defesa ferrenha do cinema como plataforma criativa e audiovisual, catalisador de emoções alucinantes e encantamento com o que é visto em tela, mesmo sem uma história mirabolante, mas com uso inacreditável de efeitos práticos que atingem um nível de submersão e incredulidade jamais igualado pelo excesso de CGI da Marvel, cujo sistema dita as regras do cinema blockbuster hoje, justamente por isso em sua era mais infértil e sem perspectivas. É algo simplesmente notável, mesmo que a pessoa não saiba do histórico de Cruise ou da produção do filme, reconhecer uma diferença de esmero e dedicação, algo profundamente responsável pelo impacto transmitido. 

Mais do que isso, Cruise e sua presença não sucumbem a produtores, tanto que sua figura chama atores e outros dispostos a embarcar em suas loucuras, em que o exercício de narcisismo soa até elogiável perto do espetáculo que ele confere. Se Cruise recusa a se render aos efeitos do tempo fisicamente, também o faz para preservar um cinema cada vez menos presente: o de emoção e da celebração do farsesco como um milagre que maravilha pelas possibilidades infinitas do cinema, e não como um alarme datado após o primeiro ano. O ator pode não ser o mais talentoso, premiado ou respeitado, mas parece ser o que mais ama e acredita na sétima arte. E isso é o suficiente. 

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