Lightyear (2022) - Crítica


Lightyear já abre com um letreiro para contextualizar os incautos: se trata do filme que Andy assistiu em 95, se tornando o seu favorito, a ponto de receber um aguardado brinquedo do patrulheiro espacial Buzz, que ele brincou com tanto afinco a ponto de negligenciar seu favorito, Woody (aí levando a toda a plot do primeiro Toy Story). Em conceito, então, Lightyear tem um grande potencial, pois ele já nasce tendo de replicar um filme dentro de um filme, e não exatamente um recorde de realidade. Além de, é claro, ser um sci-fi dos anos 90. Na prática, entretanto, ambos servem somente como conceito verbal, jamais na elaboração de sua narrativa, artisticamente falando.

Pois ora bolas, se formos ver as mais célebres ficções científicas da década de 90, perpassando toda ela, será inevitável nos depararmos com os seguintes filmes: De Volta para o Futuro III, Homens de Preto, O Vingador do Futuro, Tropas Estelares, O Quinto Elemento, Independence Day e, vai lá, Marte Ataca. Independente do gênero mesclado ao sci-fi (ação, comédia, terror), todos eles dividem um elemento em comum: a irreverência e extravagância de seus mundos. Isso vai de acordo com o surgimento do sci-fi, que leva ficção no nome e faz parte até do fantástico, permitindo um amálgama invejável de liberdades criativas, imaginação. São longas que, de acordo com a visão de seus realizadores e permissividade do estúdio, brincam e se confundem com o inacreditável, afinal, lidam com o desconhecido, algo que nos instiga a mente. 

É um contraste grandioso com o que o gênero nos revela nestes últimos anos, como Gravidade, Perdido em Marte, Interestelar, Distrito 9, Prometheus e A Chegada. Mesmo quando buscam a ficção-científica, a nova norma resvala em temáticas realistas e sociais, com pouca curiosidade pelo preternatural. E quando o fazem, como A Chegada, a proposta é outra, mais acanhada e sentimental. Isto não é uma crítica, afinal, muitos destes são grandes filmes, como foram os dos anos 90, à sua maneira. Mas talvez um lamento dessa verticalidade visual, falta de ousadia e rigidez do cinema contemporâneo, quase que numa anticriatividade, o que contraria a proposta do audiovisual.

E neste terreno, é claro que Lightyear deveria se assimilar ao primeiro grupo, afinal, ele se propõe como um longa lançado com estrondoso sucesso em 95. O que se vê em tela, entretanto, é uma recaptura do blockbuster moderno...escuro e realista demais para ser divertido, certamente o que se esperaria de um filme feito para crianças - considerando que Andy teve permissão de o assistir e adorar tanto, além do merchandising gigantesco para os pequenos que vimos na loja em Toy Story 2.

Estreia de Angus MacLane como diretor de longas, que como praxe do estúdio fez escola em outros setores de produções anteriores, Lightyear parece viver na ambivalência da própria mitologia, e jamais ter a perspicácia de explorar o quão rico é seu potencial. A trama envolve a sobrevivência num planeta distante da terra e a resistência contra invasores desconhecidos, tentando balancear a linearidade da narrativa com as típicas mensagens emocionais da Pixar e um arco de desenvolvimento próprio ao patrulheiro espacial, que surge, tal qual o boneco Buzz, com uma personalidade antipática e arrogante até ser alterado pelo ambiente e aqueles ao seu redor.

A partir disso, há uma sensação de intermitência que nunca decola. Uma clara falta de interesse no folclore do planeta e nos inimigos. Enquanto busca alcançar a hipervelocidade, Buzz perde, a cada minuto dentro de sua nave, anos e anos da cronologia real, aos poucos se despedindo de seus amigos queridos, focado na própria missão e sem aproveitar o "agora". Isso nos desloca por logo descartar todas as figuras que havíamos sido previamente apresentados, enquanto os novos rostos que surgem quando Buzz é obrigado a viver em tempo presente não ganham muito espaço fora a figuração como alívios-cômicos, flertando em ultrapassar a redenção através da mensagem de que todo erro é passível de conserto e isso não nos faz inúteis, por vezes soando mesmo irritantes e xaropes.

Já a tão comentada representação homossexual que envolveria o beijo entre duas mulheres não acrescenta de fato à trama, não passando da conhecida migalha que o estúdio se acostumou a nos dar para reiterar uma proatividade para minorias. Claro, isso significa que ela é inserida com naturalidade, mas também meio que escondida, tímida, envergonhada, logo despejada e esquecida. 

Talvez poucas coisas evidenciem essa falta de encanto em Lightyear do que o vilão, Zurg, em completa distorção ao seu boneco maquiavélico em Toy Story 2, aqui enegrecido e aborrecido até tirar a máscara e revelar sua identidade. Não há muitas ideias na história do filme fora, justamente, suas metáforas, que se mitigam e dilatam pela falta de um embasamento narrativo que o amplifique. O gatinho robô, Sox, é um sopro em tela por sua simpatia e adorabilidade, justamente ele, o único exemplar de cor em meio a um terreno infértil e monocromático.

Lightyear se encerra como mais um tropeção nesta demorada transição da Pixar pós-Lasseter, tentando se interligar com o mundo atual, querendo agradar a todos, conservadores e progressistas, criativos e enfadonhos, sem perceber a impossibilidade do fato. Nesta encruzilhada, o estúdio falha tanto no entretenimento mais básico quanto na reflexão mais profunda. 

Nenhum comentário