Elementos (2023) - Crítica

Já tem algum tempo que a Pixar, aos olhos do público, se tornou uma vítima de si mesma. Após uma reputação impecável de infalível que adquiriu na primeira década e meia de sua existência, inclusive numa sequência assombrosa de filmes até quebrá-la com Carros 2. Foi uma introdução para o futuro do estúdio, entrando num período de oscilações que bem, não foi somente um período, mas uma realidade. Com o aumento da competição com animações, crise criativa e a redução da ida aos cinemas, especialmente quando seu trabalho é injustamente visto como "infantil", rivalizado pelo youtube e streaming, a Pixar acabou sendo criativamente desdenhada por muitos, talvez até ultrapassada por obras revolucionárias, ou ao menos mais ousadas como os Aranhaversos e Gato de Botas 2, enquanto a casa de Luxo Jr. se manteve fiel (para alguns, acomodada) na animação 3D. 

Deixando de lado o retorno financeiro, é na criatividade que a Pixar claudicou bastante, ainda que sempre nas boas intenções. Foram os acertos esporádicos, porém, que dimensionavam e lembravam o potencial e diferencial do estúdio, como Divertidamente e Soul, mas também uma nova dinâmica, não menos abstrata, mas mais intimista e minimalista em sua gama de histórias, como Luca e Red, que se não surgem como clássicos, são cheios de virtude. 

Porém, os tombos, antes raros, também se tornaram temerários, muitas vezes no desespero de resgatar o êxito baseado na nostalgia, como Universidade Monstros e Procurando Dory (sendo o belo Toy Story 4 uma fortuita exceção). A saída de Lasseter parece ter deixado o estúdio num limbo temporário, que felizmente tem se corrigido - ao menos em partes, já que no meio de Soul, Luca e Red tivemos um Lightyear, talvez o pior deles. 

Nesta nova era, Elementos surgiu, injustamente, já com bastante críticas direcionadas unicamente baseadas em seu material de divulgação inicial sobre histórias e um design "previsíveis". É preciso adentrar aos novos tempos , já que no geral, como supracitado ao ser considerado um estúdio de "filmes infantis", infelizmente muito do público que consumiu a Pixar em seu auge não é a mesma agora, e por mais atemporais que sejam estas películas, talvez não sejam as mesmas que as crianças e jovens atuais esperam, num amálgama tão variável e alternativo de opções. Até por isso a importância de Luca e Red, tanto em tramas quanto visualmente, embora tenham sido criticadas por isso, mas em seu acanhamento, atingiram um nicho que os estabeleceu bem na cultura pop, talvez até mais que o aclamado Soul.

E se tanto criticam a Pixar por falta de adequação contemporânea, é curioso que tais críticas sejam tão ilustres dentro de um comportamento de hate e imediatismo irracional, sem conferir o produto final. É até hilário quando Elementos, em sua primeira cena, já descontrói a ideia de se tratar de uma história básica ao estilo "Romeu e Julieta", como foi previamente acusado. É fato que o principal mote da empresa costumou ser de filmes criativos e emocionantes, com mensagens familiares e universais. Não é mais o bastante, não só isso. E nesta busca de compreensão e mais conexão ao mundo, sem produzir somente alienação, por mais boa que seja, localizar seus personagens num contexto de Migração e as dificuldades enfrentadas nisto, bem como suas razões e consequências, oferecem uma alternativa ousada para um tema complexo, a ser trabalhado com a delicadeza e maturidade que lhe são pertinentes.

Nesta abordagem, Elementos se alinha mais com os filmes emocionais e abstratos do estúdio, como Soul e Divertidamente, na contramão do minimalismo de Luca e Red, e trazer tanta pessoalidade do diretor Peter Sohn, cujos pais emigraram da Coreia ao Japão, já garante autenticidade para o projeto ao invés de um roteiro esforçado mas correndo o risco da artificialidade e distanciamento da ignorância bem-intencionada. 

A questão não se abstém na ideia, e sim no carisma e na jornada de seus personagens, assim como o mundo em que estão inseridos, uma variação "elementar" da metrópole de Zootopia, com seu sincretismo mutante que se adapta e cresce de acordo com o tempo e seus novos habitantes, tão particulares e com necessidades específicas. A mera observação geográfica e do convívio dos personagens cativa, garante entretenimento e aprofunda a temática sobre segregação, preconceito e aceitação que o longa busca através de seu casal principal, no macro, além do micro introjetado em suas jornadas pessoais, embalados num gênero de comédia romântica. 

É um escopo bastante fácil de se derrapar, que funciona parcialmente pela pessoalidade do diretor, mas especialmente pela delicadeza com que ele e os roteiristas colocam no texto, evitando as resposta fáceis e conclusões preguiçosas, quando temas assim são tão maleáveis e subjetivos, jamais fáceis para quem os enfrenta. O desafio de trazer compaixão para quem desconhece tal realidade, respeitando quem vá se identificar com ela, é fortalecido pelo crescimento pessoal de dois personagens centrais amáveis, divertidos e carismáticos, assim como o elenco de apoio, cada com com sua própria complexidade que foge do estereótipo que se costuma seguir quando lidando com "elementos". 

A Pixar acerta em não seguir uma subtrama paralela e sim amarrar o amadurecimento pessoal de Faísca e Gota com as discussões sobre o preconceito social, amor e seguir seus próprios sonhos. Mesmo dentro desta fantasia visual tão ímpar e fascinante quanto a cidade Elemento, a similaridade clara com Chinatown e a vila do fogo, por exemplo, jamais permite que o filme se perca em mera futilidade, e sim use do lúdico para corroborar suas mensagens. 

Elementos, por tudo isso, acaba ilustrando essa nova era da Pixar, em que para se reinventar, não precisa necessariamente uma mutação total, e sim readequações, como a cidade do filme e seus personagens. Abraçar o novo não é descartar o velho. Modificá-lo, ensiná-lo, sim. E também buscar compreendê-lo. Com tanta empatia e sensibilidade, a Pixar entrega um novo pequeno clássico para marcar sua notável filmografia. 

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