Oppenheimer (2023) - Crítica

Passei todos os anos desde o anúncio de Oppenheimer bastante intrigado não de ver um filme sobre tal assunto, mas nas mãos de um diretor como Nolan, um tecnocrata tão obcecado e inclinado ao grandioso, ao épico. Mesmo em seu único trabalho não ficcional, a temática envolveu guerra. Já Oppenheimer, por mais que se situe num contexto de 2ª Guerra, trabalha muito mais nos bastidores desta. Não é somente subestimar o realizador, mas reconhecer uma fase decadente, ou irregular que se instaurou nos últimos projetos de sua filmografia. Assim, Oppenheimer surge como um recomeço, uma elaboração e exploração do cineasta em sua própria capacidade, expandido seu alcance e realizando o projeto mais maduro do cineasta, sem exatamente deixar de lado seus vícios - os bons e ruins. 

Apesar dos roteiros intrincados e conceitos megalomaníacos e, por vezes, desafiadores, Nolan nunca foi exatamente um moralista, no máximo um sentimentalista bastante convencional no que tangia a humanidade de seus projetos. Pois Oppenheimer, essencialmente, surge como um dilema moral, um estudo de seu personagem, numa arriscada combinação de misturar o material histórico factual incutido do pensamento por trás do realizador. Nisto, Oppenheimer é tanto, ou mais de Nolan do que do físico. 

E a conclusão, bem, não é, em sua maior parte, uma conclusão. Vindo de um diretor tão confiante e arrogante de seus ideais quanto Nolan, soa como uma surpresa, mas uma bem-vinda nova faceta de um realizador que já parecia ter revelado e desgastado todas elas. Não que para isso, seja abdicado uma grandiosidade na escala do longa, que já surge relacionando Oppenheimer a Prometheus (um cotejo já classicamente atribuído a ele, para ser justo) e abre com o personagem no futuro-presente da narrativa, já deixando clara a verdadeira discussão moral do longa, como muito de sua inclinação. 

Não se deixa de discutir as consequências da bomba atômica, e as próprias justificativas dadas pelos personagens soam como uma hipocrisia exposta, ainda mais no conhecimento temporal que temos hoje - e eles não, obviamente -, em que as guerras não findaram com tal invento. Nolan evita o julgamento, mas também a beatificação do personagem, reforçando alguma neutralidade sobre o equilíbrio entre seus atos para o bem e para o mal, mas destacando ao menos o que ele fez quando pôde ser genuíno, e sem medir esforços para destacar o verdadeiro controlador que subjugou até mesmo tal personalidade genial, que é a fantasia americana, com grande foco do Macarthismo. 

Isso vindo de um diretor cuja maior dificuldade sempre foi tecer camadas a seus personagens, que mais se definiam pelos eventos em que se envolviam - e no máximo, como supracitado, eram carregados com um drama familiar previsível e básico. Pois toda a nossa relação com Oppenheimer parte de acreditar, ou ao menos se interessar com o que este defende. É, claro, mais fácil apoiar essa autonomia do físico, assim como seus pares de, por exemplo, defenderem a esquerda agora do que já foi dentro do estado americano, mas ainda mais nesse período de conflito entre roteiristas e atores com os chefões de Hollywood, fica bem claro uma cisão com o que podemos chamar, genericamente, de sistema.

Fica tudo bem sintetizado num diálogo entre Oppenheimer e o Dr. Edward Teller de Benny Safdie, em que a reposta de Murphy para certo questionamento do outro, envolvendo o desfecho e justificativa sobre sua criação, é um dúbio "não sei". Que haja egocentrismo e orgulho em representar a própria genialidade, a certeza de Oppenheimer na própria idealização se mostra mais trôpega e culposa conforme o filme progride e ele se vê mais isolado e manipulado por quem somente precisa dele. 

Responsável pela direção e roteiro, Nolan pode, como Oppie, se chamar de autor. Tanto no estudo humano através de seu texto, que o desafia como nunca, em criar imagens intensas e envolventes sem ter um cenário de ação mirabolante, que fora a norma de todos os seus filmes até aqui. Aí entra sua busca por fechar o cenário ao redor dos personagens, especialmente seu protagonista, reforçando uma sensação de pressão, mas muito através do trabalho de som, tudo que envolve a área - mixagem, edição e a própria trilha sonora. Quase onipresente, a música de Ludwig Göransson cria uma inquietação caótica que reverbera uma sensação de experimentarmos a fita em primeira pessoa dentro da mente conturbada de Oppie, e quando finalmente somos confrontados pelo silêncio, vem num momento quase desesperador para expressar o poder destrutivo do que se vê - e ouve. 

Mas, infelizmente, nem tudo é uma evolução, ou amadurecimento da parte do diretor, especialmente no que se refere ao uso de personagens femininas na narrativa. O uso de estrelas não apaga a subutilização de muitas delas, especialmente como estepes ou no velho papel da carga dramática familiar, o que ao menos se dilui pela progressão de Oppie ser integrada numa discussão muito maior. 

O saldo, porém, termina, diferente da moralidade textual, numa conclusão bastante positiva e promissora, no melhor filme de Nolan desde A Origem, e o mais complexo narrativamente. Um feito e tanto, calcado menos na grandiosidade como espetáculo como pilar contra um roteiro superficial e mais em usar do épico para engrandecer o intimismo e as mensagens discutidas pelo cineasta. Deixando a física acessível e divertida, mas sem perder a seriedade e a filosofia dos temas, saberemos em breve se essa é uma nova rota surgindo em um artista em formação ou um mero desvio.

Não é sobre heróis e vilões, mas como os criamos. 

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