Godzilla Minus One (2023) - Crítica
Homenageando os 70 anos da criatura, o filme de Takashi Yamazaki parece flutuar num equilíbrio entre as ideologias do original de 54 com o último capítulo da saga, o Shin Gojira de Hideaki Anno, de 2016. Situado logo após a 2ª Guerra Mundial, num Japão traumatizado e que busca forças para se reconstruir, como no clássico, mas contando com a desaprovação com um sistema de governo rígido localmente mas totalmente passivo em relação às políticas de doutrinação americanas, deixando o povo desalocado e desprotegido num momento de tanta fragilidade.
Os japoneses, afinal, sempre viram Gojira como uma metáfora, como uma força sobrenatural simbolizando tantas coisas, mas um lembrete instável e destrutivo do passado. Com tantas raízes religiosas no xintoísmo, é uma nação culturalmente interligada com costumes e com a natureza, e portanto, sem memória curta - e quando essa ameaça acontecer, Gojira ou outras criaturas surgem como reminiscências.
Takashi deixou claro querer simbolizar, através de seu filme, o luto pela guerra, mas também pelo covid, e por que não um pouco mais? Dentro de Minus One, cada personagem, mesmo compartilhando o espaço-tempo, lida com os próprios medos decorrentes de uma tragédia em comum. É o microcosmo particular. De ser um covarde de guerra a perder toda a família, Godzilla surge então como uma figura Lovecraftiana, atormentando os pensamentos e transformando cada sonho em pesadelo. Incançável e imparável.
Não é coincidência que, mesmo surgindo logo após o fim da guerra, ele já seja conhecido em determinada ilha. Godzilla acaba sendo um espírito da dor do imaginário coletivo, presente em toda geração, cada qual com seus horrores. A intensidade do conflito somente aprimora sua ameaça, engrandece seu tamanho. Resistente e fascinante, o monstro erige do mar (uma metáfora comum para a psique humana) e destrói o que há em frente, provocando a união social através do melodrama, outro gênero tipicamente japonês.
E nestas exibições de terror e sofrimento, Takashi oferece uma faceta realista que mostra sim ser possível tal abordagem na situação. Godzilla cheira à morte, à destruição. Sua presença é intimidante e através dos personagens conseguimos visualizar o temor de estar perante tal presença, enorme, estranha, furiosa. Como gênero de Kaiju, Minus One é um milagre da criatividade e da engenhosidade, extraindo, com um orçamento tão minúsculo, cenas de perseguição e ataques coordenados e dinâmicos sem exibir, em nenhum momento, qualquer artificialidade. Assim, realmente cremos na obliteração de Tóquio e na força ensurdecedora de Gojira.
Como se nenhum cotejo com a Legendary pudesse ser ainda mais desvantajosa para a produtora, entretanto, é o drama humano que conduz com louvor a narrativa e torna a aproximação do monstro mais temível, e não somente uma verborragia para vermos o show de efeitos dos kaijus. É uma empatia essencial para embarcar em suas jornadas e amizade. Godzilla como vilão, não anti-herói. Torcer por ele não é uma opção. Ou não deveria.
Ao fim, Minus One é sobre crença. Crença na dor e no processo de superação; na convergência dos opostos em prol de um objetivo em comum; no poder do indivíduo contra um sistema de indiferença; e até, ou especialmente, no poder do cinema em dar voz, imagem e emoção a isso tudo. Em criar uma maravilha sem malabarismos, e sim apoiados em sentimentos humanos.
Filmaço. Espero que voltem com uma era antológica de Godzilla.
ResponderExcluirEles não podem lançar filmes junto com os americanos, né. Por isso foi bem intermitente nessa era da Legendary. Pelo menos estava assim entre 2014-2021. Não sei agora.
ExcluirVerdade. Mas se não me engano não podiam lançar ambos no mesmo ano, apenas. E só vale pra filmes, pelo visto, pq tivemos um filme japonês e uma série americana no mesmo ano.
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