Crítica - Capitão América: Guerra Civil(2016).

Capitão América: Guerra Civil/ Captain America: Civil War, dirigido por Anthony e Joe Russo.
Manter uma discussão saudável com alguém de opinião contrária é um dos exercícios mais desafiadores de nossa sociedade, e a gigantesca torrente de ignorância que presenciamos nas últimas semanas evidencia isso. É natural que cada um tenha seus princípios e razões para voluntariar-se a uma causa - ou ao menos é esperado que se tenha -, mas a intolerância parece sobrepujar o poder de argumentação e respeito, o que leva a dissidências dos mais variados níveis. E Guerra Civil, claro que em suas devidas proporções, é uma forma do entretenimento de lidar com isso, os conflitos gerados pelos extremismos de escolha.

A morte de civis em uma missão envolvendo alguns membros dos Avengers serve como gatilho para uma iniciativa do governo, contando com apoio de Tony Stark, para registrar os super-heróis, e assim, monitorar as ações dos mesmos, enquanto Steve Rogers mantém-se fiel ao conceito da liberdade de ação.

E aí, mesmo que sejam um time, que estejam entre amigos, as ideologias dividem o grupo, partem alianças e forçam batalhas entre parceiros que há poucas horas atrás compartilhavam o mesmo sofá. É um enredo mais complexo e intrínseco do que estamos acostumados a ver saído da casa das ideias, mas nas mãos dos irmãos do Russo e dos roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely, Guerra Civil finalmente faz jus a famigerada e repetitiva alcunha de "melhor da Marvel", sendo o mais eficiente produto do estúdio ao mesclar a diversão vista em Vingadores 1 com a engenhosidade de Capitão América: Soldado Invernal.

Destaco o roteiro, pois mesmo diferindo bastante da trama original da HQ - por motivos óbvios -, este mantém a natureza inquisitiva do original. Todo espectador é simpatizante de algum herói em particular - creio que Stark tenha vantagem aqui -, e logo, tem predisposição a torcer por ele, mas o texto entrega motivos e situações pautáveis e que tornam os dois caminhos compreensíveis por aqueles que o tomaram, sem cair no maniqueismo de favorecer a pauta de ninguém, e assim, deixa a escolha por parte do espectador. É inevitável que com o desenrolar da trama, alguns motivos pessoais interfiram no julgamento de cada um, principalmente no que tange o ego de Tony e o excesso de lealdade de Rogers, só que são essas pessoalidades que fornecem humanidade e fragilidade a estes homens tão distantes de nossa realidade.

Todo esse trabalho de ambiguidade ganha peso pela competente atuação dos astros. O outrora criticado Chris Evans transmite credibilidade e confiança para o Capitão, enquanto Downey Jr, mais uma vez embolsando dezenas de milhões - mais participação nos lucros, que serão enormes - entrega sua melhor atuação como o gênio, bilionário, playboy e filantropo, já que passa praticamente dois atos sem armadura, agindo mais como um diplomata, bem diferente do que vimos inicialmente, em 2008, no nascimento do universo Marvel. Mas não se precisa se preocupar, sua arrogância não é tão fácil desmantelada.
Não tem como encaixar todo o mundo Marvel, mas o elenco ainda é enorme.
O gigantesco elenco, como um todo, se sai muito bem, parece uma verdadeira equipe tamanha a química entre os integrantes. Entre as novidades, temos uma hilária cumplicidade entre Falcão e Buck, assim como Visão e Feiticeira Escarlate, já amplamente dominados por Paul Bettany Elizabeth Olsen

A família Vingadores anda em uma sintonia tão acolhedora, que as novas inserções encaixam automaticamente no conjunto, como se estivessem ali há tempos. É claro que estou falando de Pantera Negra e o Aranhoso, que despertam desejos discrepantes e semelhantes simultaneamente. Ambos são bem explorados e carismáticos, entretanto, deixam a ânsia por mais, mas de formas diferentes: enquanto a origem do Pantera é prioridade para entender melhor o personagem, de Peter Parker, queremos o futuro (já foi anunciado que a sua aventura solo não sera de origem, amém).

Com uma turma tão grande reunida, é ainda mais notável a habilidade dos irmãos Russo em dar um tempo satisfatório para todos, por mais que o protagonista seja bem definido. Anthony Joe também merecem méritos por evitar justamente o maior equívoco de Joss Whedon em Era do Ultron: buscar incessantemente por tomadas mais e mais épicas, prejudicando o resto em prol de grandiosidades sem se dar conta que o excesso de batalhas produziu o efeito contrário, ao deixar o filme debilitado por tanta megalomania descabida.

Não que o longa tenha poucas lutas, pois elas são muitas, mas filmadas de maneira mais inteligente e com coreografias muito mais interessantes do que vimos nas últimas fitas dos heróis Marvel. A cena introdutória de perseguição é frenética e tensa de uma forma a dar inveja para James Bond, famoso por iniciar suas películas alucinantemente. O jeito como a câmera é conduzida, favorece a fluidez dos confrontos, o que os torna mais verossímeis e estimulantes pelo foco honesto da pancadaria, com ação e reação dos golpes bem distinguíveis. Após brilhar em Soldado Invernal, os Russos com certeza atingem agora um dos patamares mais altos no quesito ação, uma surpresa, já que são advindos de uma escola cinematográfica distinta.

Guerra Civil é uma obra honesta, madura e entrega justamente aquilo que se espera de um bom filme do gênero: diversão, mas sem subestimar o público com inúmeros furos de roteiro e forçadas de conveniência. Como a comparação é inevitável, é bom a Warner/DC tomar providências urgentes, pois a Stan Lee e cia se distanciam cada vez mais na disputa entre as editoras. 

Nota: 8

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