Crítica: Carros 3 (2017).

Carros 3 (Cars 3), dirigido por Brian Fee. 
11 anos se passaram desde a despretensiosa estreia de "Carros". Mas no universo interno, ao que indica este novo longa, foi muito mais. Em alguma lacuna inexplicada desde "Carros 2", Relâmpago retomou suas prioridades mostradas lá no original e, com a humildade adquirida através dos novos amigos de Radiator Springs, se tornou um multi-campeão, ídolo dos mais jovens - e outros nem tanto assim - e também o piloto mais velho no circuito. O outrora novato começa a ver seus conhecidos aposentados e uma nova geração tomar conta das pistas, o que coloca em cheque seu valor e futuro como corredor. A partir disso, McQueen deve conhecer um novo lado de si mesmo para se adaptar aos novos tempos e mostrar que ainda tem muito pneu para gastar.

Essa é a sinopse de Carros 3. Sem o significado inspirado extraído por John Lasseter. que visualizou a história do original enquanto viajava com a família, o que parece sobrar é uma boa e velha trama de superação. Por um lado é isso sim; comparações com Rocky, especialmente Creed, serão inevitáveis. Sem dúvidas o mais esportivo da trilogia. Mas estamos falando da Pixar, é claro, e mesmo em trabalhos menos virtuosos, a superfície nunca é o bastante. O que erigiu seu nome de um pequeno grupo de artistas talentosos para uma produtora milionária e referência no assunto foi o modo único - mágico - de contar histórias divertidas, porém, sempre com mensagens de vida para transmitir para compreensão de todas as idades, sem soarem tolas para os mais experientes nem complexas aos mais tenros.

E esta habilidade em contagiar públicos extremamente distintos é uma abordagem da própria epopeia de McQueen aqui, como explicado na introdução: o embate entre gerações. É interessante como a disputa entre o protagonista vermelho com seus rivais novatos expõe seu amadurecimento em todos esses anos, seja lá quantos forem no universo particular. Assim como o público que conferiu sua aventura inicial lá em 2006 e agora se vê em situações inimagináveis quando imberbes, Relâmpago cresceu, se tornou um veterano vencedor e longe da mentalidade mesquinha e prepotente de antes - algo salientado num cômico momento onde ele questiona um de seus clássicos bordões. A vivacidade e gana por vencer, entretanto, são as mesmas. E até por isso a relutância em aceitar a mudança temporal, onde novas gerações tomam de súbito o domínio do terreno qual é tão familiarizado. Não há anúncio prévio para revoluções.

Neste conceito, o que o roteirista Bob Peterson sabiamente resolve fazer não é criar uma gape insolúvel entre as idades, e sim reconciliá-las, adaptar o velho ao novo, mostrar que nem tudo está perdido e é possível reencontrar o prazer em tarefas desconhecidas. Basta apenas buscar, se conhecer e abrir a mente. Com tudo isso, é difícil não traçar a comparação com nossa realidade e o que a Pixar faz, unindo estes dois mundos.

Carros, de certa forma, sempre foi um diálogo pacificador entre gerações. Anteriormente entre Relâmpago e Doc, seu idolatrado mentor e que exerce um papel eterno na personalidade do carro. E agora McQueen se vê no encargo de Doc, enquanto seu papel prévio é transmitido para Cruz Ramirez, uma jovem criada em meio a computadores, o contraponto perfeito de relâmpago. A teoria contra a prática, a serenidade do passado contra a inquietação do futuro.

Dois universos diferentes, mas que não por isso devem isolar-se. O caminho é abrir os olhos e conhecer um novo mundo, de equilíbrio. Respeitar o que foi sem esquecer o que vem.

Claramente superior ao segundo capítulo, que de válido contém apenas a revisita aos personagens, o fim da trilogia só perde ao primeiro pelo modo como abertamente reutiliza seu mote e a maior quantidade de tramas para trabalhar durante o curto tempo. Se em 2006 o cerne único era a fábula redentora de McQueen, agora ele divide os holofotes e a transição com Cruz, o que desloca demasiadamente os habitantes de Radiator e acelera não apenas o velocímetro, como as reviravoltas na relação da dupla principal, já que Ramirez necessita de toda uma construção acima de si. Mesclar a elaboração dos ciclos internos entre McQueen e Cruz para depois entrelaçá-los enquanto nos entrega obrigatórias cenas feitar para rir e a tensão das corridas afeta levemente a assimilação de tudo que ocorre em breves 102 minutos. Entretanto, sem perder o impacto.

Antenado nas mudanças contemporâneas, não é em vão que o papel da novata seja desempenhado por uma mulher. As corridas sempre pareceram de domínio masculino. Há uma passagem interessante que rapidamente discute isso quando uma corredora já aposentada argumenta com foi difícil em sua época e a negação dos chefões em aceitar uma mulher na pista. Um cenário não tão obsoleto quanto o imaginado, onde o gênero ainda define mais do que o talento em si. Vemos isso no nosso mundo; vemos isso no mundo de Carros.

E nesse debate do emponderamento feminino novamente os escritores tiveram a perspicácia de unir ao invés de segregar. É comum ver como críticos se munem de ignorância para criticar o feminismo como a superioridade feminina, ao invés de uma simples igualdade entre os sexos. E Carros 3 é cônscio disto. Cruz possui o talento e a vontade para realizar um desejo seu. Mas faltam as portas para desenterrar o sonho. E aí entra McQueen, indivíduo masculino, privilegiado e celebrado, para abrir caminho a ela, enquanto descobre assim que o mundo não acaba com o tempo. Ele apenas se modela.

Assim como a Pixar. A magia continua lá. O carisma e tramas envolventes, idem. Cada vez mais, entretanto, com quebra de estereótipos e a inclusão generalizada. Se todos os carros podem andar, afinal, por que não poderiam todos...correr?

Catchau!

Nota: 8.

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