Crítica: Death Note (2017).


Sou defensor da liberdade de mídia. Com restrições, entretanto. Desde que se mantenha a essência da fonte primária, objetivos e personalidades dos personagens, não faço objeções em inserções de narrativa, seja na trama em si ou nas figuras caracterizadas. Afinal, uma cópia fiel seria não apenas enfadonha para quem conhece o material original, como impossível em certas adaptações. Como fazer um filme com 100 minutos ser idêntico a um anime de 37 capítulos com cerca de 24 minutos cada? Além disto, recontar sua história é uma oportunidade única de corrigir erros potenciais e trazê-la ao contexto atual.

Que o Live-Action de Death Note foi mal recebido pelo público otaku, não é novidade. Um exagero pré-estabelecido pelo nicho otaku, estigmatizado após o apocalíptico Dragon Ball Super. Porém, após suas menos de 2 horas, fã ou não da criação de Ohba e Obata, é simplesmente difícil não concordar com qualquer receio anterior. O Death Note da Netflix é, eufemisticamente, o desastre imaginado.

Logo em sua cena inicial, para qualquer um com experiência em assistir filmes, sem necessidade de ser cinéfilo e conhecer a linguagem do gênero, fica claro que a única ambição da obra é ser uma atração mongoloide para tolos. Com estética enegrecida e caricata, a câmera nos mostra os personagens centrais, Kira e...Misa. Esta uma secundária do anime, o que aqui deixa explícita a intenção romântica e adolescente por trás de todos os desdobramentos posteriores da película. Temores que se confirmam em decorrência.



Aí já há a ruptura de minha única oposição artística dos novos responsáveis pela filmagem. O grande problema, no entanto, não está nisto, e sim no quão inacreditável inaptos estes são de conceber uma narrativa minimamente interessante, inteligente ou ao menos divertido (o que o anime é, acima de seus defeitos, principalmente até a morte de L), pois este Death Note não faz nada do que se espera de uma adaptação de sucesso. Pelo contrário. Não obstante em não oferecer uma nova visão do que já é conhecido, o que é independente a si, é piorado.

A começar pelo desenvolvimento dos personagens. Light, o rosto principal e cerne da discussão principal por trás do roteiro do quadrinho nipônico, é imaturo e insosso, sem as características de psicopata nato que tanto marcaram no mangá, que era tão brilhante nos estudos quanto em convívio social; seguro de si, porém calculista e com uma reveladora predisposição ao desespero quando em perigo próprio, traço que entrega sua idade. O Light de Nat Wolff somente conserva está última descrição. Contribuído a isto há o desempenho terrível do ator, incapaz de demonstrar qualquer sentimento e reagir ao CG, o que nos constrange nos momentos em que descobre Ryuk e comprova os efeitos do caderno.

Misa é quem, inicialmente, melhor flerta em superar sua inspiração, que é, sem muita discussão, a mais deplorável e irritante personagem do mangá. Tendo em vista o mundo em que vivemos - assim como as diferenças entre o papel feminino entre o Japão e os Estados Unidos -, ela parece, em primeira impressão, se adaptar nos conceitos de autonomia e emponderamento feminino. Talvez este tenha sido o objetivo dos idealizadores. Mas se tem algo que podemos duvidar, é justamente de quem escreveu o texto, de modo que a relação Misa x Light é apenas uma versão mórbida do estereótipo social de mulheres que perseguem homens por seu status e opulência.

Eu pra esse filme.
A dinâmica principal entre o casal é o mais enfocado no longa, algo supracitado e que fica claro logo na introdução. E é uma pena que esta tenha sido tão desinteressante, o que torna impossível não lamentar o que é feito com L, certamente o mais popular da obra, e que protagonizara excitantes diálogos com Light, no anime/mangá. As particularidades e trejeitos idiossincráticos permanecem lá - a postura ao sentar, o vício em doces. Mas assim como tudo na fita, é uma ilusão momentânea, interrompida rapidamente pela inércia criativa e de coerência em que avançam seus penosos minutos.

E se houve equívoco no desenvolvimento de quem é responsável de nos guiar e representar no mundo diegético, é natural inferir que nada de melhor vira do universo que os cerca. Death Note faz de tudo para nos entregar na passividade do espectador impaciente e ávido por se livrar do que se prova um buraco negro de esperanças.

Até Seria injusto negar a breve trajetória no grande debate acerca do Complexo de Deus e suas consequências, um assunto que é sim válido, e curiosamente, bem fácil de se aludir no próprio Brasil, onde um cidadão que deve se candidatar ao cargo maior de nosso país promove discursos de ódio plaudidos por milhões. Talvez essa pessoa pense que faz o certo, mas logo o excesso de poder transcende a justiça pessoal e se torna arma de dominação e conveniência partiular, como em qualquer ditadura, nomeada assim ou com um floreado "Revolução Cultural".

Ainda assim, o saldo geral dispensa qualquer consideração positiva. Death Note é trágico do início ao fim, a começar pelo diretor, que parece ter descoberto o ângulo holandês durante as gravações e as utilizado como laboratório, aos roteiristas sem qualquer consciência e inspiração do que fazem, a um elenco subaproveitado, sendo módico.

A versão do tio Sam para Goku e seus amigos acaba de receber um irmão. Ai de nós.

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