It Comes At Night (2017) - Do Que Você Tem Medo?



Do que você tem medo?

Paul (Joel Edgerton) reside em uma cabana, no meio de uma floresta, em lugar nenhum, com sua esposa, Sarah (Carmen Ejogo), e seu filho, Travis (Kelvin Harrison Jr.). Sob regras rígidas e inflexíveis, eles vivem enclausurados em medo a uma espécie de epidemia contagiante. Sua rotina muda quando, após um incidente inicial, outra família se junta a seu recinto, Will (Christopher Abott), Kim (Riley Keought) e seu filho, Andre (Griffin Robert Faulkner).

It Comes At Night, caso tenha passado despercebido de seu radar, mesmo que seja vendido como um horror, não deve ser levado ao pé da letra, sob pena de ter o mesmo efeito nocivo do buzz de "A Bruxa". Temos um paralelo aqui, uma nova onda do gênero que talvez venha, no futuro, a ser nomeada propriamente. É o terror sinestésico. Avulso aos jump-scares cotidianos ou ao trash culposo, é um cinema metafórico, mais preocupado em construir um ambiente desolador que aterrorize o espectador do que fazê-lo pular da cadeira por um espanto nervoso.

Com isto em mente, o longa tem um início já abrupto, sem tempo ou intenção de revelar suas origens. Não é ela que importa. Nós sabemos tanto quanto Paul. De onde vem a doença que os faz temer pela vida? Existem outras pessoas por perto? Há alguma cura? Onde fica essa floresta? E, é claro, o que vem à noite? Não sei.

É necessário dizer que o diretor Trey Edward Shults, também responsável pelo roteiro, não demonstra desejo em revelar estas respostas. Mas você também não se preocupará após 10 minutos, pois é uma escolha deliberada, não falha de texto. É, como eu disse, uma obra atmosférica, e é nela que você será convoluto antes de perceber.


Sem nos dar explicações, somos jogados no escuro, o mesmo escuro das famílias que assistimos, compartilhando de sua ignorância em um clima crescente de paranoia e desconfiança, uma guerra fria interpessoal de quem está ao lado. Neste aspecto, é de se aplaudir o trabalho de Shults, apenas em seu segundo trabalho de cineasta.

Se pensarmos em uma referência moderna onde uma casa é transformada em um personagem onipresente, rapidamente surge o primeiro Invocação do Mal, mestrado por James Swan, que transitava por seus móveis como um fantasma observador. O que Trey faz aqui é parecido, mas com o dote do suspense que Shyamalan demonstrava em início de carreira, como em "O Sexto Sentido" e "Sinais. A câmera dificilmente se afasta o suficiente para vermos além do rosto dos personagens, com movimentos lentos - e assim, diabólicos - que escondem nossa visão do 360º. Até mesmo os cortes servem para nublar a visão e gerar tensão.

Independente do brilho qual você vá assistir à película, jamais dará um passo adiante dos habitantes deste universo fílmico. Nunca verá mais que eles, conhecerá mais que eles. Cada curva de corredor guarda uma surpresa mútua. A luz da lanterna em primeira pessoa nos coloca na dimensão de pprotagonista, fórmula muito bem trabalhada em games da temática, e lamentavelmente subestimada na sétima arte. O horror passivo já é angustiante, mas estar na pele é um pesadelo indizível. O que vem à noite é a escuridão, e com ela o pavor gerado por uma existência isolada em meio ao nada, onde cada ruído desperta desconforto e o abstrato fere.


É conveniente que nisto, mesmo os planos abertos em iluminação diurna, turno que costuma trazer alívio e esperança após o breu noturno, nos transmitam sensação de claustrofobia, visto que a cabana é cercada por árvores fechadas e que, no contexto, assumem um coletivo horripilante e cegante, onde o mal pode estar em qualquer canto, camuflado em seus galhos.

Mas o que seria o mal? Heis o grande acerto de It Comes At Night, o grande gatilho que nos provoca tamanho medo sem jamais apresentar um vilão corpóreo. É o medo em estado puro. Medo de quem dorme no quarto à frente, medo de uma doença provocada por agente desconhecido, medo do barulho adjacente, medo de dormir. É um estado contínuo de atenção e urgência.

Até que venha, naturalmente, o medo de estar vivo.

Nota 10.

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