Na Praia à Noite Sozinha (2017) — Crítica
‘On The Beach At Night Alone’ é um filme que desafia a mídia qual se insere. É orquestrado por uma equipe técnica, representando um texto manufaturado e interpretado por um elenco que incorpora personagens irreais em situações inventadas.
Só que não exatamente. O cinema de Hong Sang Soo, apesar de jamais levar o letreiro de “Baseado em Fatores Reais” em seu material de divulgação, nunca é propriamente uma ficção. Além de transmitir seus pensamentos, o que é a grande intenção de qualquer produtor de conteúdo, sempre buscou discutir temas um tanto pessoais a si — e consequentemente a alguma parcela de seu público.
Nenhuma obra sua, entretanto, soou tão explicitamente autoterápica quanto o projeto da vez.
Além da temática pessoal, então, ‘Na Praia à Noite Sozinha”, é um comunicado do diretor na esfera onde ele mais tem controle, sobre o assunto que mais empertiga sua vida pessoal — seu relacionamento com a atriz Kim Min Hee, não à toa, protagonista da película aqui comentada. Mas não se trata de uma história de amor, pois atrás do contato diretor-atriz, há um casamento — por parte dele. Logo, não floreamos, adultério, assunto que preencheu manchetes não somente de sites de cinema nos meses inicias do ano, e se a palavra já soa como tabu para qualquer pessoa sensata, no conservadorismo sul-coreano, se acentua a impressão.
Explicado o peculiar contexto, é apenas óbvio constatar que “Na Praia Sozinha à Noite” vai além de um entretenimento audiovisual com 100 minutos de duração, e sim uma súplica por parte dos envolvidos para que se veja além dos títulos sensacionalistas e da imagem sociocultural que se tem da traição. Se o cinema já nos fez aceitar o romance entre um burro e uma dragão, uma ciborgue e um homem, um rapaz e uma boneca, uma garota e um zumbi, por que não deixar de lado a manta da fantasia, enrustida de hipocrisia, e anuirmos a um amor inconveniente, porém honesto.
Felizmente, Sang Soo é competente — e inteligente — o suficiente para não cair em melodrama, muito menos menosprezar seus atos e contar com uma inalcançável concordância pública. O julgamento não é apenas inevitável, ele é dilacerável, e não mais dos espectadores do que do próprio casal.
A jornada da protagonista Young-hee, interpretada pela própria Min-hee, é receptáculo para os questionamentos e culpabilização tanto da atriz, quanto do diretor. A metalinguagem é plena, visto que a mulher é, dentro da diegese, uma atriz que após ser sobrepujada ao escândalo de se relacionar com um prestigiado diretor comprometido, resolve buscar o refúgio dos amigos, mas sem jamais conseguir escapar da mais implacável juíza: a consciência. Perseguida por esta, nula é sua tentativa de se aproximar do símbolo do renascimento/recomeço, pois nenhum oceano adentra o impermeável.
O sofrimento de Young-hee, então, sempre se confunde ao da própria Min-hee, e seja fajuta ou realidade, é fato que sua atuação é visceral, com um sorriso plácido que esconde o rancor do que foi abandonado e a indecisão de como prosseguir. O álcool é a resposta fácil e que aflora a fúria de quem não encontra forças sóbrias para expor o que sente, justamente por não considerar correto. São as correntes da moral que subjugam o Id e se submetem ao superego, enquanto o ego não encontra fresta para equilibrar entre o que se deseja e o que se espera.
Ao fim, o consenso é subjetivo e limitado, pois mesmo tendo escolhido a satisfação reprimida e culposa à desvanecer em alegria superficial e maquiada, falta um elemento desta equação que não conseguiu expor sua voz. É como uma conformação cruel e impiedosa de que nunca se atingirá a exultação completa sem que haja alguém prejudicado na escolha. A resposta do cineasta é, basicamente “Sei que estou errado, mas o que fazer…”.
A pergunta é manhosamente jogada em nosso colo. Pode julgar, mas e você, faria o quê?
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