Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald (2018) - Crítica


J.K Rowling é uma grande autora de livros. A desconsideração de muitos especialistas com a literatura de gênero, a tratando como escada para um panteão mais requintado, não passa de uma arrogância que esconde inseguranças pessoais. A saga Harry Potter não se tornou um fenômeno multimídia por acaso. E tudo começou naquelas páginas. Um mundo riquíssimo e assombrosamente imaginativo, personagens versáteis e cativantes, tramas seduzentes e eletrizantes. Uma referência eterna que impactou o mundo então. Mas há uma grande diferença entre se escrever livros e idealizar roteiros. Em um, você pode ser designer de produção, diretora, psicóloga e até agente forense. Em outro, você tem um número limitado de folhas para, de modo sucinto e conciso, descrever uma história com cerca de duas horas. Não há espaço para detalhes completos ou internalizações de pensamentos. Você é guia, não proprietário. E nesta alusão, Rowling está mais para Stephen King do que William Goldman.

É fácil compreender a iniciativa da Warner. Rowling é a criadora deste mundo, sua maior especialista, com toda a cronologia orquestrada e organizada na cabeça, com os personagens ativos, suas trajetórias e ações. Mas desde o primeiro Animais Fantásticos, franquia bilionária e que carrega o futuro (ou passado, rs) do universo expandido de Harry Potter, fica clara a precipitação que é entregar um produto tão valioso em mãos tão - quem diria - inexperientes.

O paralelo com Harry Potter, que teve o competente e perito Steve Kloves encarregado de adaptar as centenas de páginas dos livros em uma trama direta, porém, mantendo a essência que tornou-os best-sellers, esclarece bem a discrepância entre as mídias. Enquanto o primeiro foi originalmente composto no formato em que Rowling se sente confortável e posteriormente transposto para a tela grande por um outro profissional versado no que lhe é atribuído, Animais Fantásticos se encontra num limbo em que claramente se nota a falta de um corpo estável, enquanto que várias decisões cinematográficas ficam questionáveis, inexplicáveis, quando não constrangedoras.


A sensação é de que ela não teve tempo - ou ideias suficientes - para formar plenamente esta série. Há momentos esplendorosos de magia e brilhantismo nesta continuação, que inicia poucos meses depois do fim do primeiro Animais Fantásticos, destes que esperamos de Rowling, mas diluídos em uma trama amarrada através de pontas exageradas, artifícios baratos e clichês de desenvolvimento - ou, pior ainda, a falta de aprofundamento em figuras centrais. É nítido como, roteirista, ela se sente pressionada e sobrecarregada com tanta informação a reter e filtrar em pouco mais de duas horas.

Se analisarmos a progressão e conteúdo destes dois primeiros longas, é imediato chegar na conclusão de que poderiam, muito bem, ser apenas um só, e até com menos tempo que qualquer um dos dois, individualmente. O arcabouço literário fica exposto na expositividade, e a dificuldade de condensar e transmitir as sensações pensadas que seriam, na mídia ideal, descritas pausadamente, gera confusão e desperdícios.

Se em Harry Potter, com tudo já planejado, novos elementos se inseriam na trama sempre com propósito, embasados em menções passadas para gerarem consequências futuras, porém tendo algum impacto imediato, Crimes de Grindelwald é como uma manchete de jornal que abre um livro, ainda anterior às narrativas próprias da história. Como se um jornaleiro tentasse persuadir o transeunte distraído a comprar seu exemplar, com frases espalhafatosas e sensacionalistas, articulando-se como um pavão, com uso medido de palavras para tentar causar - e por vezes, é óbvio, conseguindo.


Não que seja um desastre, pois reitero, Rowling possuí uma mente privilegiada, mesmo com os tropeços que tem dado em redes sociais nos últimos anos, surfando demasiadamente com a onda, expandindo um universo como de imediato e inconsequentemente, dizendo o que lhe convêm à hora, sem perceber que o culto gerado por sua obra criou outros tantos conhecedores e seguidores de cada detalhe que ela, talvez, esqueça - e isto será cobrado em qualquer omissão ou erro na linha temporal, o que temos aqui.

Com 134 minutos, Crimes de Grindelwald é um passatempo divertido e bem-intencionado. Johnny Depp está surpreendentemente convincente como o vilão de cabelos descoloridos, e apesar de se passar em 1927, a história é atual nas claras alegorias políticas colocadas no texto, que evocam automaticamente os discursos de superioridade racial e discriminação velados da emergente extrema-direita no cenário político contemporâneo, num discurso que ganha mais e mais adeptos por sua atratividade e nacionalismo, o que foi feito pensando na Europa e em Trump, mas já encontra reflexo no ambiente brasileiro, o que certamente será explorado nas sequências (e é sábio o esforço de mostrar que nem todo seguidor seu é um completo fascista, como Queenie, que cegou-se perante uma indignação do preconceito da sociedade atual, achando que o radicalismo de uma frente rebelde será a retórica ideal (ou única possível) - reconhecendo, assim, os erros do sistema em voga).


Todos os filmes de Harry Potter tiveram temas sociais, e é tão natural quanto bem-vindo que um blockbuster siga debatendo assuntos globais para mentes em formação. Mas quando o próprio discurso soa como demagogia, vide o vácuo que é a Nagini asiática no andamento da história, sendo mais um lembrete referencial para interligar as franquias, a mensagem, seja de representatividade ou tolerância, fica desfocada e perde vigor.

O fã tende a fazer vista grossa. E ao reouvirmos o tema de Hogwarts com o castelo de fundo, o caloroso Dumbledore de Jude Law, o sobrenome McGonagall (ainda que cronologicamente impossível), o coração pulsa e as lágrimas brotam. São passagens que nos fazem supervalorizar o valor em razão da emoção.

Mas Rowling, como roteirista, não pode deixar que um trabalho previamente bem escrito sirva de base para que, apoiado em nostalgia e desejos, suporte uma nova franquia. O perigo de fazer como George Lucas e Peter Jackson é iminente e inevitável. Com a mediocridade de Yates, a competência da britânica em criar novas histórias que cativem milhões por seus méritos está na beira de um precipício.

É a consequência de colocar suas ideias no papel e dispor à avaliação de qualquer um. Não é mais a propriedade intelectual dela que está em jogo, e sim a intimidade e adoração de incontáveis pessoas, assim como a própria reputação de sua criatividade. É pessoal. E nada é tão ameaçador quanto mexer com os sentimentos do público, por mais que seja você quem tenha permitido isso.

Nenhuma mãe gosta de largar o filho. Mas chegou a hora dela reconhecer que, sozinha, não conseguirá lhe dar a melhor criação.

Nota 6.

Nox!

6 comentários:

  1. ótima crítica simplesmente adoro seus textos.
    E tristemente concordo com tudo e espero que mais para frente a franquia ganhe novas direções.

    ResponderExcluir
  2. É interessante tudo que foi dito, e confesso, concordo. Também me comovo como a música imortalizada da saga de HP, as luzes se apagando no cinema é como se ganhássemos um passe para outro mundo, onde mais uma vez entramos, e entramos nesse mundo várias vezes em épocas temporais distintas e nos fazemos por vezes, mais do que meros espectadores, participantes de longe da história... mas deixando alguns devaneios de lado, as críticas duras em baixo do tapete, o que quero dizer sem hipocrisia é que ficamos sim tristes ao ver uma saga paralela e ao HP (que foi tão magicamente e estupendamente construída, admirada, consumida e vivida) ter tantas falhas... Mas é inegável que o músculo localizado sutilmente a esquerda no peito, teve variações nas sistoles e diástoles, só pelo fato de ver que HP tem continuidade... Entristecemos se a qualidade apresentada não corresponde ao esperado, se as falhas são agressivas... mas o fato do mundo mágico de HP não ter recebido um Avada Kedavra faz remexer os átrios e ventrículos, faz com que os músculos faciais ganhem expressões novas e que possamos ter mais momentos felizes... Salvio Hexia a todos.

    ResponderExcluir
  3. Boa crítica. só discordo do filme ser um passatempo divertido. Até pode ser, mas eu achei um tédio e não via a hora de acabar. Arrisco a dizer até que esse foi o filme mais fraco de todo o universo HP. Ainda assim na média. O Animais Fantásticos anterior pelo menos me diverti muito assistindo.

    ResponderExcluir
  4. Eu amei! Este filme me surpreendeu! Animais Fantásticos é um dos meus preferidos da saga. Eu achei um ótimo filme. Adorei esta história, por que além do bom roteiro, realmente teve um elenco decente, elemento que nem todos os filmes deste gênero tem. Acho que é um dos melhores filmes de Eddie Redmayne além do primeiro filme que eu vi faz um pouco na HBO programação. É um dos melhores filmes de aventura , tem uma boa história, atuações maravilhosas e um bom roteiro. Se alguém ainda não viu, eu recomendo amplamente, vocês vão gostar com certeza.

    ResponderExcluir