Ad Astra, Rumo ao Desconhecido - Crítica


Quando procurava produtores para um novo filme que tinha interesse, James Gray sabia a dificuldade que seria vendê-lo. Por mais brilhante que seja, o cineasta se encontra num nicho de apelo crítico e cinéfilo, com obras distantes do público comum, maior responsável por bilheterias generosas. E um longa que se passa no espaço em larga escala, com as referências tecnológicas que temos hoje, jamais sairia barato - a não ser que se opte por sequências internas, como High Life. Como Gray conseguiu seduzir mecenas, não sei, mas orçado em quase cem milhões de dólares, quantia que costuma ser dedicada a blockbusters de médio porte, Ad Astra chegou aos cinemas. E a considerar o retorno monetário até então, mesmo com o rosto de Brad Pitt estampado nos cartazes, talvez seja a última oportunidade (em um bom tempo) de conferirmos um trabalho de Gray distribuído mundialmente com tanto suporte financeiro. Melhor aproveitar.

Pois se havia algum medo de que ao ofertar este orçamento, os produtores iriam controlar o resultado final do longa a fim de deixá-lo mais comercial, palatável ao público médio, o que vemos é o James Gray em sua própria essência, com características temporais do que parece instigar o realizador nestes últimos anos, desde The Immigrant e passando por The Lost City of Z. Em dimensões espaciais cada vez maiores (perdoem o trocadilho), Ad Astra, expressão latim que significa "Para as Estrelas", completa uma trilogia antológica com os dois últimos, ao abordar indivíduos perturbados que buscam algo que nem eles sabem num mundo desconhecido. Argumentativamente, carrega mais parentesco com Z, já que temos um protagonista que tenta preencher o vazio existencial em uma procura incessante a algo que o complete.

Como é inevitável traçar paralelos com outros exemplares desta sagra anual de "filmes de astronauta", já é benéfico ressaltar como Ad Astra possui, fora a profissão e o ambiente, nada em comum com Gravity ou The Martian, histórias épicas e barulhentas, e ainda que se aproxime mais de Interstellar e The Fist Man, adota um extremismo mais introspectivo que ambos, o que torna as comparações com 2001 e Solaris mais cabíveis, cotejo que deve se tornar mais aceitável com o tempo, quando o filme tiver seu impacto amadurecido.


Isto significa que Ad Astra é imerso em pretensões. Mas toda a filmografia de Gray é assim, e ele já provou que sabe como dizer o que quer, sem se perder em solilóquios ou o tédio natural que um ritmo tão lento e reflexivo traz. Nisto, a figura de Brad Pitt, que também produz o longa e certamente teve papel primordial para sua realização, serve para atrair e tornar a empatia imediata, através de um rosto tão conhecido. No entanto, a nós e o ator, o terreno é inexplorado. Fora de uma zona de conforto.

Segmentando ainda mais as comparações, o que difere Ad Astra de 2001 está na conclusão. Pois enquanto o primeiro angaria dúvidas até hoje, Astra prefere apresentar, se não respostas para todas suas perguntas, ao menos uma que serve em âmbito universal. E isso não o diminui em nada, apenas o torna diferente, único.

A cada filme, Gray se aprofunda e cria obras mais complexas e filosóficas. Mais do que nunca, atinge um nível Malickiano de inspiração, calcado numa espécie de Árvore da Vida espacial - Brad Pitt os aproxima ainda mais. São comuns as cenas que somente quebram o silêncio através dos pensamentos de Roy McBride, o personagem do ator, de certa forma o único que importa ao telespectador, no filme, enquanto os outros, inclusos seu pai e ex-esposa, orbitam suas próprias reflexões e são quase que MacGuffin, para dar uma sensação de norte narrativo e não deixar a trama quase que desvairada de história, quando o realmente importante é a jornada psicológica de Roy, numa condição de deixar de ser, para se tornar, numa metamorfose constante através do espaço.


Nisto, o ambiente do filme serve perfeitamente para simbolizar a solidão de McBride, um estado que ele sempre procura, ansioso para deixar logo cenas lotadas com outras pessoas. Pitt nunca estende um diálogo, nunca busca companhias e parece não considerar sentimentos. É frio e estoico, uma casca de carrega traumas irresolvidos de sua infância com consequências atuais, e aí a figura do pai ressurgido após décadas surge como chance de obter respostas que ele já tinha, porém não enxergava, se atolando no mesmo trabalho do seu patriarca, desprezando suas atitudes ao mesmo tempo em que as repetia incontrolavelmente. 

É somente ao não encontrar nada na imensidão do espaço, fora uma beleza superficial e instantânea, sem durabilidade nem conforto, e na melancólica visão de seu pai, sozinho e desesperado por dar algum sentido à própria existência, sem perceber que perdera tudo, que Roy percebe o que havia abandonado, e que estivera lá. 

Finalmente, Ad Astra é menos uma viagem pela galáxia do que é dentro da imensidão escura dentro do próprio ser, suas feridas, complexidades e tormentos, mas também a beleza, a empatia e a eterna chama do desejo. Meios diferentes para chegar na mesma lição de Chris McCandless, de Into The Wild: "A Felicidade Só é Real Quando Compartilhada."

Nenhum comentário