Tenet (2020) - Crítica

Apesar de seu primeiro longa sólido e competente, Nolan só fincou sua bandeira na indústria com Memento, um filme que possuía sua inteligência e conquistava por uma erudição superficial. Mas o segredo da obra não era seu intelecto, e sim o cinema de catarses imediatas que o diretor sempre soube trabalhar com um pragmatismo frio e calculado. E isso é um elogio. Essa habilidade de mesclar um capricho rebuscado nos textos com uma montagem que a tornasse envolvente, construindo um clímax então que proporcionava cenas de ação bem orquestradas e trilhas alucinantes que prendem o público. Faltava isso no cinema original, essa capacidade de ofertar entretenimento com alguma complexidade que cozinha a cabeça do espectador até brindar com as revelações blow-mind finais. 

Amnésia foi o definidor da carreira de Nolan. A partir dele, o diretor mestrou todos seus esforços, mesmo quando comandou uma trilogia adaptada de histórias em quadrinhos, em produzir obras esteticamente "adultas" e com sugestões de uma esperteza textual, mas que no fim, se sustentavam em como catapultavam emoções do espectador, escondendo escolhas bem básicas como mexer com paternidade e um amor perdido ou traumas familiares no geral, justamente em conceitos enigmáticos. 

20 anos depois de Memento, Nolan, já consolidado como o principal - por isso, leia-se lucrativo - diretor de roteiros originais de Hollywood, nos entrega Tenet, que já expõe sua pretensão no misterioso título em palíndromo. E o filme é tudo que se espera do cineasta. Utilizando um clichê, é como se todas as estradas de sua vida - ou sua filmografia - o tivessem levado até ali. Já isso, entretanto, não é um elogio. 

Mesmo que você não conheça o diretor, a assinatura visual de Tenet rapidamente o interliga ao estilo de suas obras, pelo menos as ditas criativas - Interstellar, Inception e Prestige. Não há uma linearidade óbvia na trama, o que por vezes cria uma sensação de complexidade e imprevisibilidade que nem sempre são verdades. O conceito é instigante e há boas sacadas. Junto a elas, uma quantidade considerável, às vezes necessárias, às vezes não, de expositivismo para explicar bem a trama e manter-nos ligados e interessados no que acontece. Para conferir alguma bagagem emocional aos personagens, que nunca são o foco da história, mas nos fazer importar com eles mesmo assim, há um núcleo familiar por trás, quebrado e que o protagonista precisa reconquistar - física ou emocionalmente. E, acima de tudo, o trunfo de sua técnica, que é a grandiloquência. As perseguições de Batman, a onda de Interstellar ou as passagens no buraco de minhoca; as perseguições gravitacionais de A Origem...Você sabe o momento. Sempre há um. Ou plural.

Até A Origem, isto funcionou perfeitamente. Foi o ápice de toda a conjuntura das escolhas profissionais de Nolan. Desde então, porém, seu status, que o rendeu uma improvável fanbase a um diretor - os famosos Noletes, ou Nolanzetes - parece também persegui-lo a um ponto de sabotagem crescente a seus próprios esforços. Nolan cada vez precisa fazer mais, e por isso ele entende como maior, mais cabeçudo. Não por acaso, Dark Knight Rises foi o mais fraco da trilogia. Interstellar, o menos funcional de suas artimanhas; e Dunkirk, um fetiche técnico acima de qualquer narrativa mais envolvente, quase um descanso para tentar voltar aos trilhos da megalomania, em Tenet. 

Cogito bastante essa possibilidade de uma pressão interna por parte de Nolan, pelo desenvolvimento que ele tem dado para seus projetos. Todos seus filmes entre Memento e Inception tiveram altas doses de sentimentalismo, expositivismo e confusão. Mas eram bem equilibrados para entregar uma recompensa final que ofuscava falhas maiores. A partir daí, esses buracos se tornaram mais aparentes. Em Tenet, novamente, a questão negativa não está no conceito, este tremendamente interessante e inovador, ao brincar não com a viagem no tempo plena, mas a reversão de objetos - em explicações que eu não sei se são possíveis, mas a própria agilidade em fazer o público crer em seus malabarismos teóricos já é um mérito dos roteiros de Nolan. 

A primeira cena de ação, que abre o longa já de forma arrebatadora, à la Dark Knight e Soldado Ryan, prendendo rapidamente o público, atesta bem isto, pois ela é bem filmada e coreografada, de modo a criar tensão e empolgação. É um Nolan experiente, "raiz" e inteligente em como nos cativar, e ainda assim, longe do robótico. Mas justamente pela intenção de contágio prematuro, ela funciona tão bem por não ter havido tempo de se afundar em seus vícios. Em suas mais de duas horas seguintes, Tenet possui muitas outras cenas de ação, e todas elas de maior dimensão, mais complexas, longas e caras. Ainda assim, nenhuma é hipnótica como a que inicia a projeção. Logo quando deveríamos estar mais imersos pela relação desenvolvida com os personagens ou conhecimento da trama, a situação é a inversa. Quanto mais tempo passamos naquele mundo, menos ele soa interessante. 

E isso passa diretamente por um Nolan descontrolado, diria até inseguro em sua abordagem, aficionado pela própria idolatria e temeroso em não conseguir repetir os próprios feitos. A acuidade do tema é perdida entre incursões políticas repetitivas - Guerra Nuclear, russos malvados, fim do mundo, blá blá blá - ou melodramas nada convincentes, em personagens completamente coadjuvantes à própria plot e com pouco carisma para nos emocionar somente pela sua persona - fora Pattinson. Tenet é como o terceiro ato de Interstellar, que faz aquele filme tão menor do que poderia. Não deixa de ser esperto, mas subutiliza o próprio conceito em prol de artifícios pedestres demais para o que aquela obra pede, e que Nolan sabia pesar tão bem em outros tempos de sua carreira.

Por ainda sugerir, em migalhas entremeadas, as facetas do velho e desenvolto Nolan, além da maturidade técnica que os anos lhe trouxeram, Tenet ainda merece a conferida. Mas as sensações de catarse e enlevo são cada vez mais fugazes, se é que ocorrem. Elas parece chegar perto, mas tomar outra curva antes de sentirmos seu gosto para valer. E nada é pior que uma obra frustrante, que arranha a excelência para somente deixar a ideia dela. Este é o Nolan atual. 

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