Earwig and the Witch (2020) - Crítica

Desde que Toy Story revolucionou a indústria cinematográfica e se mostrou como uma forma mais barata e inovadora de se fazer animações, o estilo em 3D, ou CGI, acabou abraçado mundialmente como a ferramenta padrão e universal, subjugando a tradicional animação desenhada a mão a um ostracismo nostálgico. A principal exceção, entretanto, seguiu sendo o japonês Studio Ghibli, que não só perdurou no formato, como deixou bem claro que qualquer desculpa por adotar a tecnologia de modo soberano era uma atitude injustificável em âmbito artístico, pois pelo menos tudo que saiu de seus dois mestres fundadores, Isao Takahata e Hayao Miyazaki, foi ou se aproximou do nível máximo de obra-prima. Infelizmente, criatividade não equivale a sucesso econômico, e passando por dificuldades financeiras, crise no setor de animadores e a dificuldade de realizar uma transição competente de gerações para assumirem o papel de contadores de história, a produção do Ghibli rareou.

Talvez isto explique um pouco a última investida do estúdio, enquanto Hayao finaliza seu dispendioso, demorado e detalhista novo projeto, em lançar sua primeira obra original desde Marnie, de 2014 (lembrando que A Tartuga Vermelha de 2016, é coproduzido com a França), Earwig and the Witch, adaptação de obra da escritora Diana Wynne Jones, também autora de Castelo Animado, levado às telas seminalmente por Hayao. Até aí, tudo bem, não fosse um grande asterisco: o longa é, também, o primeiro completamente em CGI realizado pelo Ghibli, exibido diretamente para a TV. 

Comandado por Goro Miyazaki, burocrático cineasta afiliado ao estúdio por nenhuma razão fora ser filho do dono (risos do nepotismo atravessando fronteiras), superficialmente, é fácil perceber a escolha da história para realizar uma aventura mais segura por parte da casa de Totoro, pois Earwig se assemelha, conceitualmente, a várias características típicas que vimos por décadas em seus filmes: a protagonista petulante e sabichona, um universo que envolve magia e seres sobrenaturais, e amadurecimento juvenil. Porém, se Goro sempre foi carregado através de narrativas fracas pelo esmero técnico das animações do time Ghibli, ao assumir um estilo mais tímido no que parece ser um estudo de mercado do Ghibli para tentar alavancar seus lucros finalmente cedendo à modernidade (mais por necessidade que gosto, acredito), seu pragmatismo perde a muleta animada, e a fragilidade da trama e suas figuras é evidenciada pelo CGI barato e planificado, de baixa textura como o de um programa do Disney Junior. 

Mesmo nos acertos, surgem tropeços. Há pouco apego inventivo aos personagens, ainda que um deles, Mandrake, soe interessante e com um design divertido, mas bastante inexplorado e relegado à coadjuvância, enquanto o desenrolar se mostra apressado e o final, interrompendo justamente quando a história se desenvolvia e parecia chegar num ponto extraintrodutório, então sugerido por esboços desenhados a mão enquanto os créditos rolam. Muito pouco. 

Se o diferencial do Ghibli, fora a magnificência de suas histórias, sempre foi o perfeccionismo e imaginação dos traços, ao adotar um 3D com poucos recursos, o estúdio entra na rabeira da pirâmide e desperdiça uma oportunidade, tanto técnica quanto criativa, relegando a seu nome menos talentoso para assumir uma empreitada de tamanha importância - mas também, talvez só ele se sujeitasse a isso. 

Viralizou nas redes sociais, há algum tempo, a reação de Hayao a um teste de software 3D, em que completamente enojado, ele declara considerar o que viu como um "um insulto à própria vida". Seus comentários, mesmo sobre seu filho e colegas de profissão, não tendem a ser suavizados, e já numa idade avançada, Miyazaki é pouco comedido e cedido a sensibilidades quando resolve transmitir suas opiniões. É difícil pensar que o que ele teria a dizer sobre esse projeto seja muito diferente disso. Um esforço necessário que acaba não sendo recompensado, com baixa repercussão e recepção, servindo como uma mancha no legado do estúdio. 

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