Os Melhores Filmes que Assisti em 2020

Então passou o tal de 2020 cronologicamente, apesar de ainda ser, espiritualmente, o mesmo ano. Na China, literalmente. Um ano traumático, mas não só isso. Também revelador da essência de todos nós. Foi um exposed mundial, e cada um faz o que bem quiser com isso. No cinema, foi irregular. Após um excepcional 2019, seria exagero demandar mais um calendário tão frutífero, mas não se esperava que devido a questões tão heterodoxas, tivéssemos essa limitação de releases tão agourenta.

Para quebrar a monotonia, decidi investir num novo formato para esse ranking, que deve seguir para o restante da vida deste blog. Dividirei os tops em 3. Além de elencar os melhores filmes lançados em 2020 que assisti, também montarei um com os melhores de outros anos, e um ranking considerando o calendário brasileiro, pois essa acaba sendo uma grande dúvida entre cinéfilos, sobre qual calendário considerar na montagem das listas. O problema do nacional, é que filmes de premiações costumam chegar por aqui somente com o buzz do Oscar, quando já saíram há meses ao redor do mundo, frequentemente sendo vazados para torrent antes da virada. Logo, acho anticlimático montar um top 10 filmes de um ano com várias posições tomadas por longas que muitos assistiram no ano anterior ou, no máximo, no começo do ano em voga. Fica mais repetitivo e saturado que eu escrevendo ano neste parágrafo. 

Assim, mantenho meu padrão tradicional de considerar filmes que ainda não saíram no Brasil, mas consegui assistir, assim como mencionar grandes obras que ficam nesse limbo e acabam sendo deixadas de lado em ambos os rankings. 

De resto, as regras seguem as mesmas dos outros tops: ordem decrescente, sem uma quantidade obrigatória, e comentários breves, com links direcionando para reviews, se eu as tiver feito. 

Para quem se interessar pelos tops anteriores: 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, Melhores da Década, Melhores Animações da Década

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Primeira Lista - Melhores Filmes de 2020

10º Digimon: Last Evolution Kizuna - Tomohisa Taguchi

Crítica.

"Kizuna, então, não é somente uma obra segmentada que busca lucrar pela nostalgia - claro que também isso -, mas discutir o valor que damos ao passado e como equilibrá-lo com o presente sem sacrificar o futuro. É um espelho de Toy Story 3. Desapegar para crescer não significa abandonar e esquecer, até porque nada apaga nossa história e lembranças. "Quanto mais as pessoas aceitam seu destino, menos elas vão envelhecer", diz um letreiro no primeiro quadro da obra. E é isto. Nós somos feitos de memórias. Nosso histórico está em nossas experiências. Nós não somos definidos por nosso corpo, nosso físico, e sim pelo que fazemos. Erros e acertos. Arrependimentos, mas também a alegria, a amizade. Mudança é a única constante. Podemos sentir a falta de algumas coisas, querer elas de volta, mas o quanto antes se aceita isso, menos se envelhece preso e estagnado, temeroso de seguir em frente."

09º Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre - Eliza Hittman

Crítica

"Mais de uma hora em tela se passa até entendermos a razão para o curioso título do filme, quatro palavras misteriosas e até então desconexas da realidade exibida. Quando chega o momento, não somente se torna brilhante a justificativa, como a poesia macabra por trás dele. Sidney Flanigam vive Autumn, outro termo que coloca este longa de Eliza Hittman num destes nichos plenamente ensaiados para Sundance, um Indie em toda sua estrutura, e como tal, compromissado e livre para abordar temas com certo pioneirismo, sem amarras de grandes estúdios e orçamentos. Certamente o festival é a maior dívida que temos com Robert Redfort, ainda acima de sua invejável filmografia. A trama acompanha Autumn e sua prima, Skylar (Talia Ryder), numa viagem do interior da Pensilvânia até a metrópole de Nova Iorque, atrás de um aborto para a garota que leva o nome da estação de equinócio."

08º Fukuoka - Zhang Lu

Crítica.

"Filme muito, muito Murakamish. Mais do que qualquer adaptação real dos livros do autor, aliás. Começa muito semelhante às obras de Hong Sang-soo, mas felizmente evita seus maneirismos e truques e segue seu próprio caminho; uma história naturalista (os atores até usam seus próprios nomes), mas com uma forte vibração surrealista e melancólica. Talvez seja um filme regular de Zhang Lu, mas como é o meu primeiro, não posso dizer. Certamente acompanharei mais de sua filmografia, é claro."

07º Soul - Pete Docter

Crítica. 

"Ao adotar uma postura filosófica, Soul se mostra uma das obras menos didáticas do estúdio, não oferecendo de fato respostas, mas sim uma breve afirmação, deixando, a cargo do protagonista e 22, mas também do público, uma infinidade misteriosa de escolhas. Não a perseguição obsessiva por um propósito, mas a miríade incontável de experiências que é a existência terrena. E às vezes ela é uma droga, deprimente e injusta, mas sempre há algo para colorir tudo, mesmo que você não seja o melhor nisso."

06º Nomadland - Chloé Zhao

Crítica.

"Chloé Zhao filma a natureza e as paisagens americanas com uma reverência contemplativa. Como em The Rider, o ambiente natural e primitivo do interior serve ambiguamente como um terreno inacabado, belo e infinito para espelhar a complexidade intangível dos personagens."

05º Another Round - Thomas Vinterberg

Crítica

"Envelhecer é um Massacre", disse Almodóvar sobre Dor e Glória.

"Eu gostaria mais que o filme seguisse a toada dos primeiros vinte minutos, sobre um homem que começa a perceber agora os vestígios do tempo nele, um contraste muito bem produzido com a introdução. Do jovem cálido e caótico, ao adulto melancólico, indiferente e soturno.

Mas isso é uma expectativa umbrosa minha. O longa, uma boa mescla entre o velho, autoral e introspectivo Vinterbergh com o contemporâneo mais convencional, algo similar com sua outra parceria com Mikkelsen, The Hunt, apesar de fazer uma espécie de homenagem ao álcool e à cultura dinamarquesa de consumo de bebidas (34º país mais "bêbado" do mundo, num ranking que achei na internet sem nenhuma garantia de confiabilidade), se interessa mais nos aspectos pessoais de como chegaram ali. Não para onde vão."

04º Promising Young Woman - Emerald Fennell

Crítica.

"Promising Young Woman é polêmico, contestador e autêntico. Porém, desalentadoramente triste. Não é um retrato tímido e distante de um caso específico, mas sim um julgamento público e ruidoso de uma epidemia mundial, uma epidemia tão descarada quanto escondida. Uma amostra da isenção e abandono de quem é esquecido por não fazer mais parte de uma civilização de aparências e que filtra somente o belo e sorridente, o espelho que mostra uma sociedade mesquinha e egoísta. Até que aconteça com alguém que você ama, e percebamos como estamos, então, sozinhos, e fazemos parte da causa."

03º Minari -  Lee Isaac Chung

Crítica. 

"No final das contas, o interesse de Chung é puramente humanitário. Sem julgamento. Casas queimam. As plantações secam. Os vegetais murcham. Onde estão nossas raízes, então? Naqueles que amamos. Assim como a Minari, a erva, originária da culinária oriental, mas adaptável a qualquer região e clima. Precisa de um estímulo, mas se desenvolve espontaneamente. É resistente e tem múltiplas funções. O importante não é para onde levá-la, mas simplesmente tê-la consigo."

02º Até Logo, Meu Filho - Wang Xiaoshuai

O filme, teoricamente, estreou em 2019, no festival de Berlim, onde varreu os ursos de prata, mas estreou mundialmente em circuito comercial somente em 2020 (no Brasil, pela plataforma de Streaming Mubi). So Long, My Son, no original, é um épico melodramático chinês da vida comum, um retrato de uma família desafortunada num cenário de décadas da China Continental, começando pela reforma agrária, passando pela revolução cultural e então a reabertura da economia. Lembra o cinema do grande Wong Kar-Wai, mas com uma dose maior de sentimentalismo que comove a vida sofrida dos personagens. Um espetáculo de ambientação e atuações. 

01º O Som do Silêncio/The Sound of Metal - Darius Marder

Vários filmes nos deixam um impacto imediato, o que não é exatamente um elogio. Ao assistir o debut de Darius Marder, fiquei hipnotizado e estonteado, largando um generoso 4,5 no Letterboxd. O que acontece, muitas vezes, é a reflexão temporal trazer um esclarecimento que tende a reduzir a impressão de tal experiência. O maior teste da qualidade de uma obra, então, é o do tempo. Os melhores se sobressaem e ganham novas camadas, perdurando em nossa breve memória. The Sound of Metal, qual fiz questão de deixar o título original junto com o nacional, que não faz nenhum sentido, é um destes. 

É uma obra que poderia facilmente cair num terreno manipulativo e exagerado para buscar atenção e comoção, mas com grande sensibilidade e uma curadoria forte de pessoas envolvidas na comunidade surda, extrai esforços notáveis e poéticos para retratar a condição o mais respeitosamente possível. Atuação de Riz Ahmed é a melhor do ano entre homens.

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Outros grandes filmes de outros anos que só saíram em 2020 no calendário brasileiro:


05º A Arte da Autodefesa - Riley Stearns 

Comédia de humor negro muito bem sacada para discutir masculinidade frágil. 

04º Corpus Christi - Jan Komasa

Longa dinamarquês que ressignifica o cristianismo a partir de uma óptica que traduz a hipocrisia mercantilista da igreja moderna. 

03º Você Não Estava Aqui - Ken Loach

Um dos mestres do cinema político moderno segue em boa forma, e aqui pinta com dor e empatia uma família de classe baixa que sofre com a flexibilização da escravidão que chamam de liberalismo econômico. Pode servir de documentário em breve, e um anúncio a nós brasileiros. 

02º Adoráveis Mulheres - Greta Gerwig

Greta expande seu repertório e revitaliza o clássico de Louisa May para discutir o papel e potencial feminino como panorama histórico e contemporâneo. 

Leitura Recomendada: A Hora e a Vez de Saoirse Ronan - Uma Reflexão Sobre o Estrelato no Cinema

01º Retrato de Uma Jovem em Chamas -  Céline Sciamma

Crítica

"O eroticismo aqui reverbera o de "Azul é a Cor Mais Quente" e nas obras do saudoso Nagisa Oshima, e no entanto, supera a ambos, primeiro pela ausência do male gaze, que por mais revolucionário que chega, deturpa a própria poesia da ação; e segundo, pela abordagem menos masturbatória de Céline, e sim no ardor psicótico com que desenha as provocações e a repressão que ambas tentam segurar, até a chama se tornar insuportável demais, mais fatídica que qualquer inconsequência que poderia ser enfrentada por agirem como fazem. Nada mais importa fora aqueles parcos dias de revolução interna."

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Os Melhores Filmes de Outros Anos que Assisti em 2020


Festim Diabólico (1948) - Alfred Hitchcock 

Montado em um plano só, Hitchcock realiza um experimento de tensão e criação atmosférica para suspense muito à frente de seu tempo.

Hoop Dreams (1994) - Steve James 

Acompanhando dois garotos que sonham jogar na NBA do ensino fundamental ao ingresso na faculdade, Hoop Dreams é um documentário que evidencia o que Boyhood somente sonhou. Mais do que um filme, é um estudo antropológico e social sobre o condicionamento da vida moderna na sociedade capitalista moderna. 

Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011) - Lynne Ramsay

Ensaio psicológico que expande o livro em uma narrativa que cresce conforme o tempo passa até se tornar insuportável. Também pode ser lido como um manual de não ter filhos. 

O Aviador (2004) - Martin Scorsese - Crítica

Obra-prima incompreendida do mestre. 

"Nenhuma biografia de Howard Hughes poderia ser minimamente fiel sem ser grandiosa. O playboy Texano teve uma vida regada a adrenalina, privilégios, amantes e muita repercussão, mas também tragédias. No começo do longa, o jovem Hughes diz a sua mãe: "Vou voar, fazer filmes e ser o homem mais rico do mundo", enquanto pequenos de sua idade, mesmo os mais abastados, talvez sonhassem, naquela época, em ser advogados, médicos, no máximo astros de Hollywood. O desejo de Hughes, afinal, não era específico por uma única paixão, e sim por uma precoce obsessão pela eternidade."

A Grande Testemunha (1966) - Robert Bresson

Um dos maiores inspiradores da Nouvelle Vague francesa em uma reflexão do testemunho cristão impotente e inalcançável num mundo corrompido pela opressão crueldade. 

Alemanha Ano Zero (1948) - Roberto Rossellini

Ressurgindo das cinza após a Segunda Guerra Mundial numa Alemanha desmoronada e sem estrutura para gerar perspectivas. O conto de gerações perdidas. 

Os Incompreendidos (1959) - François Truffaut

Um dos marcos iniciais e mais notórios da Nouvelle Vague francesa. 

In The Heat of the Sun (1994) - Wen Jiang

Coming of age chinês em meio à revolução cultural. 

Ernest & Celestine (2012) - Stéphane Aubier, Vincent Patar, Benjamin Renner

Os estigmas sociais que moldam os preconceitos desde tenra infância, e como quebrá-los. Cru, mas também doce. 

Johnny Guitar (1954) - Nicholas Ray

Um dos impulsores indiretos do feminismo em pleno Oeste Americano.

Amadeus (1984) - Milos Forman

Ficcionalização da comentada - e duvidosa - rivalidade unilateral de Salieri, compositor esquecido pelo tempo, e o célere e apaixonado Mozart. Discute genialidade e a dualidade entre o legado em vida, assim como ascensão e queda, além, é claro, e uma trilha sonora impecável. 

Vá e Veja (1985) - Elem Klimov

Maior filme anti-guerra de todos os tempos. 

Sumo Do Sumo Don't (1992) - Masayuki Suo

Leve e divertido longa japonês sobre um grupo desajeitado e decadente de jovens universitários que tentam reerguer o clube de sumô. 

A Liberdade é Azul (1993) - Krzysztof Kieslowski

Sobre o processo de reintegração com os símbolos reais que permitem aceitar o luto, não superá-lo.

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E é isso, meus queridos. Espero que tenham curtido as listas, e que 2020 não tenha lhe sido de todo horrível, assim como 2021 guarde boas experiências e recordações.

Não deixe de me seguir no Letterboxd para saber o que ando assistindo. 

2 comentários:

  1. Não sou capaz de opinar. O único que vi de todas as listas foi Soul. Curiosamente tem alguns que tá na minha lista de filmes que pretendo conferir.

    Filmes lançados em 2020 mesmo vi poucos bons o suficiente pra adentrar os melhores do ano. Gostei mais de A Ligação e O Homem Invisível. Agora filmes de 2019 que foram lançados em 2020 no Brasil aí sim foi um festival. Meus preferidos foram O Farol, O Poço, 1917, Togo e Jojo Rabbit.

    Os melhores de outros anos que vi apenas em 2020 foram: Com Amor Van Gogh, Django Livre, Bastardos Inglórios, Entre Facas e Segredos, Psiconautas, Midsommar, Se Beber Não Case!, Mary Shelley e Professor Marston e as Mulheres Maravilhas.

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    1. Bem, pelo menos você tem bastante coisa boa inédita pra ver, eu às vezes me atropelo na ansiedade.

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