Em Defesa de Velozes & Furiosos: Desafio em Tóquio

Pior bilheteria da franquia por boa margem; terceira pior nota e o abandono da ideia de tornar a série antológica, além do ostracismo de todos seus personagens por pelo menos durante seis filmes. Desafio em Tóquio é um patinho feio no meio da novela que é a saga de Vin Diesel. Na contramão do que fazem alguns artistas japoneses, ele é como aquele álbum em inglês para tentar adentrar o mercado fonográfico internacional sem muito êxito. O que é bem injusto, pois Desafio em Tóquio é o melhor filme da franquia. E aqui lhe digo o porquê. 

Se tem um tipo de comentário que me incomoda é o tal do "desligar o cérebro" para assistir. Por que desligar o cérebro? É a alegação mais desrespeitosa que consigo pensar acerca do consumo da arte. Para assistir, ler ou contemplar tal objeto, é necessária a suspensão do raciocínio para conseguir aproveitá-la. Que miserável pedaço de existência então, a quem um bom número de pessoas depositou tamanho esforço. Assim como de quem se sujeita a dedicar atenção a algo tão vulgar e insípido. Ora, por mais absurdo que seja uma trama, eu quero que os realizadores acreditem nela; que seus personagens acreditem nela, para que então eu consiga confiá-la. Nenhum alicerce da qualidade está na verossimilhança dramática, e sim na lógica interna. 

Se os personagens precisam enfrentar espectros e criaturas aladas para depositar um anel num vulcão, eu quero acreditar; se há um urso antropomórfico e falante circulando por Londres e interagindo com pessoas, eu quero me imaginar conversando com ele; se um grupo de jovens é colocado numa ilha para se matarem até restar um vencedor a agrado de uma elite excêntrica, eu quero sentir aquilo como sinto raiva da inflação ou de quem anda devagar em minha frente na calçada. Não uma experiência fria e desligada. Quando eu abro um livro ou inicio um filme, eu estou em busca de uma imersão completa que me provoque e instigue. 

E se eu quero e consigo acreditar em tanta coisa, por que não poderia num mundo de corridas? Velozes e Furiosos surgiu assim e se perdeu, talvez muito afoito nesse conceito do "desligar o cérebro". Mas houve um tempo em que era diferente. E talvez este auge tenha sido em Desafio em Tóquio. Pois Justin Lin e seus personagem creem com paixão no que estão fazendo. E como creem. 

Se preparando para o duelo final (uma "batalha" de drift), dois personagens (os mocinhos) comentam que o vilão, "D.K." não escolheu a montanha que será realizada a disputa ao acaso, e sim porque ele é especialista nela, o único que atingiu a base. Com a seriedade de quem debate uma estratégia de batalha ou o resgate da família. Tudo está em jogo e você sente na vibração e no olhar dos personagens. Um pouco antes da corrida, Sean, o protagonista, é filmado num contra-plongée à beira da montanha como se fosse o próprio Batman observando Gotham em cima de um arranha-céu. E o próprio embate em si é retratado como um faroeste entre carros, com Justin Lin, em início de carreira, filmando os carros como armas e o câmbio como o gatilho, frenético e físico. 

Retratar o filme no Japão pré-contemporâneo facilita bastante uma abordagem fascinada, transformando esse o mais perto que já tivemos de um filme de fantasia sobre carros. Fora da América cinzenta, logo ao chegar em Tóquio, Sean já é surpreso por um táxi que abre as portas automaticamente, o desarmando, enquanto Lin faz questão de mostrar isso como se dissesse que nada seria o mesmo e tudo podemos esperar. É um olhar exótico e fetichista que se espelha pelas luzes cyberpunk dos prédios de Shibuya e o emaranhado de pessoas nas ruas. 

O olhar idealizado é o mais perto que chegamos de uma adaptação de Need For Speed Underground. Muito mais do que o próprio filme de NFS. E o Japão, justamente por essa estética futurista e exagerada, traz o cenário perfeito para esse tom over e grandiloquente que parece saído de um sonho adolescente. As corridas no ensino médio e as garotas ao redor, os carros multicoloridos e tunados e uma disputa egomaníaca e de virilidade frágil pelo território com a convicção de que nada mais importa. Como comentam Sean e Neela enquanto fazem Drift, "Não existe futuro futuro nem passado, só o presente" enquanto atrás do volante. Pode soar ridículo, mas eles creem, e nós não temos outra escolha. Tudo isso sem perder a estética fantasiosa.

Isto pois um dos grandes males do blockbuster ocidental contemporâneo está na busca desenfreada e inconsequente pelo realismo. Algo iniciado ali pelos idos da trilogia Batman de Nolan, quando o exato oposto imagético, o Speed Racer das Wachowskis, fracassou em crítica e bilheteria em cotejo da visão mais sóbria do Cavaleiro das Trevas. Muito do que vemos até hoje no mainstream do cinema americano deriva dessa escolha do público naquele verão. Já vai uma década e meia de filmes aborrecidos, cinzentos e insossos mesmo quando lidando com temas que envolvem super-heróis e criaturas mágicas. Há uma tímida reconciliação recente com a magia e o absurdo, como Godzilla vs. Kong, Elvis, Barbie e Wonka, mas uma grande minoria se comparado ao que oferecem a Marvel, Villeneuve, além do que se tornou, em cotejo, a própria franquia de Velozes, que sabota seus conceitos absurdos justamente por representá-las numa estética de concreto e gelada. Não se corre pelo prazer da corrida, e sim para salvar o mundo. Qualquer intimidade está perdida e sobra somente a saturação do excesso sem critério. 

Já me parece tarde para Vin Diesel, mas talvez dê para Hollywood olhar para trás e ver como as tendências estão mudando, e então os realizadores voltarem a perceber como o mundo, o seu mundo, o cinema, é muito mais bonito quando em cores, e quando acreditamos no que vemos. 

Um comentário:

  1. Provavelmente Desafio em Tóquio é meu preferido da franquia tb, e o que eu mais vi. Através de um filme divisor de opiniões, eis aqui um texto que gera como resultado uma reflexão sobre o cinema.

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