Todos Nós Desconhecidos (2023) - Crítica

Adam, o personagem de Andrew Scott em All of Us Strangers, no original, reforça várias vezes no filme que as coisas estão melhores agora, além de dizer que está tudo bem e dispensar as desculpas de alguém que, bem, lhe devia perdão. Sempre com um sorriso triste e automatizado no rosto, fica evidente se tratar de um homem infeliz e que parece ter desistido de si mesmo, aí a falta de valorização e autoestima de quem acha precisar aceitar tudo. 

Em questão, Adam é um queer que passa dos 40 anos e viveu toda essa transição de demonização e, pelo menos aparentemente, inclusão dessa minoria do panorama social ocidental. O que Andrew Haigh, - diretor e roteirista aqui - faz, entretanto, é incluir o personagem numa representatividade narrativa que não circula dentro de sua orientação sexual. Adam é um homem, uma pessoa no mundo, qual ser gay é uma porção apenas de toda uma infinidade de complexidades que o completa. Uma que lhe faz quem é, mas não define o completamente. 

Frequentemente retratado através de reflexos de janelas e espelhos através da luz noturna de uma Londres distante, num prédio enorme às margens da metrópole inglesa, cujas luzes e cacofonia soam como uma pintura fria e inalcançável, as coisas não parecem estar nada bem para Adam. Harry, o personagem de Paul Mescal e único outro morador do prédio, reclama do silêncio opressivo que impera na região, desértica e umbrosa. 

O verdadeiro horror de nossos fantasmas está em como assombram nossas escolhas e nossa memória, e não quartos escuros. Esses, não existe de fato como derrotar, no máximo conviver. E na sociedade moderna, o maior nutriente para eles está na solidão e alienação que progridem nesse ritmo desenfreado de uma vida vazia e ansiosa, urgente por conexões reais que parecem frutos de uma ficção. É a distância entre os andares e janelas de Adam e Harry, ou a do prédio com a região urbana de Londres. É palpável, visível, e ainda assim, intangível. 

O cinema de Haigh é compreensível, empático, mas também impiedoso. Como o lendário Wong Kar-wai. Ele reconhece nossos desejos, nossas tristezas, e as desnuda somente para revelá-las impossíveis, frustradas. Há uma dor perene mesmo na satisfação e no prazer, como se convivessem com a iminência do fim. Sem respostas doces e até um pessimismo trágico em sua abordagem (algo também visto em seu longa 45 Anos).

Baseado num livro japonês, a atmosfera sobrenatural e intimista é bem característica da cultura deste país, traduzida para um contexto contemporâneo Ocidental e queer, Haigh cria uma poesia melancólica que surge como uma catarse através do lamento de quem implora por ser amado e integrado sem saber derrubar as muralhas construídas pelo tempo e tantos maus-tratos do destino. As coisas não acabam bem para todo mundo, e às vezes, seguiremos sempre somente isso, estranhos, orbitando em busca de alguma atração verdadeira. Ou somente imaginado as que perdemos. 

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