Wicked: Parte II (2025) - Crítica
Olha só, estamos em 2025 e voltamos a uma discussão que, de fato, nunca terminou, sequer pausou. O quanto uma adaptação audiovisual precisa ser fiel ao material de origem? Estive dando uma lida em comentários no Instagram sobre críticas mistas ou negativas de Wicked: For Good (o título original) e, bem, os mais destacados eram de aparentes fãs insatisfeitos com tais opiniões, pois quaisquer defeitos significam que o filme ficou “fiel”, já que, pelo visto, a segunda parte do musical também possui os equívocos da peça, alguns dos quais me detalharei mais em breve. Se por si só já acho uma chatice e ignorância o povo clamar por fidelidade irrestrita, tal ideia me é ainda mais absurda quando a satisfação vem acompanhada de uma concordância sobre a qualidade deste material. - sendo ela negativa. Ora, é melhor ser ruim e fiel do que tomar certas liberdades criativas para o bem? Experimentar arte se tornou masoquismo, então.
Mas me parece um debate perdido. E, aliás, primeiro que não, o filme não é feito para os fãs, como alguns sugerem em sua revolta, pois assim não faria sentido sair do teatro e investir centenas de milhões numa mídia mais acessível e onerosa. Ser feito para os fãs exclusivamente é tão somente um atestado de eminente fracasso. O filme precisa expandir seu público e, claro, para isso, trazer o que há de melhor no original, que foi, é claro, celebrado por algum motivo.
Mas isso não significa manter uma lealdade absoluta. Uma cópia em carbono, frame por frame, canção por canção — neste caso, da peça. Normalmente, essas questões são mais centradas em obras literárias, mas, como Wicked é uma adaptação de uma peça teatral — ela mesma trazida de um livro, vejam só —, as particularidades, diferenças e óbvias novas necessidades ao cinema são ainda mais gritantes.
Neste contexto, gosto de dar o exemplo de Harry Potter e a Criança Amaldiçoada, cujo roteiro foi lançado em livro antes de grande parte do público ter acesso à peça, se tornando o primeiro contato com o trabalho. Um texto frágil, mirabolante e que, como história narrativa, deixa evidente suas falhas lógicas e uma sensação generalizada de fanfic. Consumida como idealizada, entretanto — isto é, numa peça —, é uma experiência completamente distinta, como se nem fossem o mesmo texto. Com os números musicais, as atuações expansivas e os efeitos práticos típicos do teatro, se torna catártica, envolvente e emocionante, não somente para os fãs, ainda que seja mais para eles por se basear numa franquia pré-existente de longa duração.
Eu posso citar inúmeros filmes de sucesso que foram “infieis” e são, por vezes, até melhores que o livro/material original. O Iluminado, de Kubrick, muda muito do livro de Stephen King, a ponto de o próprio escritor, contrariado, ter feito sua própria versão. Assistam a ambos, o leal e o liberal, e tomem a conclusão do superior. Blade Runner, Jurassic Park e Tubarão, três grandes clássicos do cinema, por muito parecem até obras livremente baseadas do que adaptadas de algo prévio, e eu diria que pelo menos dois, Blade Runner e Tubarão, são inegavelmente superiores aos escritos. Jurassic Park se discute, mas Spielberg fez uma obra-prima atemporal mudando muitos elementos e até o espírito do livro de Crichton, e nem por isso ofendendo ninguém. Como Treinar o Seu Dragão, um dos epítomes da animação moderna, cuja repercussão acredito ser positivamente unânime, é totalmente diferente do livro. Totalmente mesmo. E muito melhor, como qualquer um pode provar.
Existe também um caso curioso, que é o da série The Leftovers, cujo um dos roteiristas e idealizadores é o próprio escritor do livro, Tom Perrotta, que usou a nova plataforma para atualizar, expandir e desenvolver temáticas do livro. Há mudanças aprovadas pela própria mente por trás da concepção original.
Então, toda essa introdução para já deixar claro que, mesmo que a segunda parte de Wicked fosse ainda superior à primeira — o que, infelizmente, todos que tiveram acesso a ela vão concordar que não —, o texto poderia, e até deveria, promover mudanças. E não que não o faça, afinal, ambos os filmes tiveram suas permissividades, já que só o primeiro Wicked possui basicamente uma duração superior ao musical todo. Entretanto, ao tentar se manter restringido por uma linha narrativa, referências e certos atos, essa sequência acaba por replicar todos os seus erros, o que, na mídia do cinema, com seu método de lançamento e exibição, se torna muito mais prejudicial e explícito que na peça.
Uma coisa é estar sentado no teatro e, após uma curta intermissão, já retornar para a história, com sua cabeça ainda imersa, apreensiva e chocada pelo que acabara de ver; outra é, um ano após ver o filme, retornar para sua sequência. Claro, você pode participar de uma sessão dupla, mas não é a experiência comum. A outro — e principal — questão está justamente na mídia. Tal qual A Criança Amaldiçoada, uma coisa é ver um roteiro duvidoso encenado com efeitos, música e coreografia ao vivo; outra, mesmo num longa musical, cujo envolvimento será mais passivo e frio, por trás de uma tela. E aí é onde, por mais bonito, caro e bem atuado que seja, Wicked 2 mais definha, a um ponto até que suplanta suas virtudes: o roteiro. E muito por esta suposta fidelidade.
Muito do que era surpreendente em Wicked, por melhor que se mantenha — o design de produção, efeitos e atuações —, são manutenções já esperadas. De onde vem a evolução? O Senhor dos Anéis, talvez o padrão-ouro em adaptar franquias, traz a expansão de sua mitologia, uma escala maior e progressão de personagens. O Senhor dos Anéis, entretanto, é uma história pensada em três partes. Wicked, não. Se financeiramente essa cisão se mostrou um grande êxito, o mesmo não se pode dizer da narrativa. E isso que tiveram bastante tempo para tal.
Apesar de um inespecificado salto temporal, encontramos Oz como esperávamos, assim como o estado emocional de suas protagonistas. O tom épico sugerido pelo trailer nunca se estabelece e, para piorar, o filme se mostra incapaz de engrandecer e dar peso a qualquer relação e escolhas dramáticas que deveriam dar o tom da película, esvaziando seus personagens e enredo a tão somente um portfólio estético. E não são, veja só, ações inequívocas. Oz é, obviamente, um estado na iminência — ou já introdutória instalação — de um regime fascista, algo sério e político. Jon M. Chu e seus roteiristas, no entanto, se mostram incapazes de discutir tais temáticas com a profundidade que exigem, com pouco interesse ou noção de trazer os outros personagens com vigor para tal embate. Se, em suma, o Fiyero de Jonathan Bailey centraliza essa angústia e indecisão do militar que escolhe o certo ao invés do fácil, o filme faz tudo se resolver e resumir a uma escolha romântica hilariamente abrupta e constrangedora, com pouco efeito dramático para Elphaba e Glinda fora menções obrigatórias ao ocorrido, além de lidar timidamente com o afeto entre a “bruxa” e o “príncipe”, como se o próprio filme pensasse como o povo: em que seu casal perfeito seria com a personagem de Ariana Grande.
Bailey é o bode expiatório, mas toda interação sofre e carece das mesmas substâncias, e a única dúvida é qual acaba sendo a mais vergonhosa. O arco de Nessarose, por exemplo, fica estagnado e se conclui com uma pressa que parece somente querer se livrar da figura para não se incomodar mais em desenvolvê-la. E pior: o que deveria ser um momento poderoso e de mudança é resolvido de modo polido e com a vacuidade de uma compra errada em supermercado. O filme empurra acontecimentos, soluções e consequências com uma linearidade mandatória e com tédio, como se tudo em tela fosse somente um aparato insignificante, insosso e que não merecesse atenção. O único enfoque parece mesmo a relação das protagonistas, que, entretanto, perde vitalidade com as repetições e o crescente desleixo com o restante do que as circula.
Ao seu frustrante fim, Wicked 2 entra para um seleto e infame grupo: o de sequências tão fracas que acabam prejudicando seu predecessor, normalmente um grande filme. Incluo nesta lista, também, Coringa 2 e Star Wars 9. Do comentário antifascista ao mundo mágico, canções vibrantes e bem coreografadas por meio de uma dupla de protagonistas inspirada visto no refrescante primeiro episódio, pouco sobrou, e tudo, infelizmente, repetido. Wicked: For Good é mais uma aventura na saga dos estúdios de enfraquecer histórias e narrativas em prol de enxugar o máximo por lucro.
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