Crítica - Jogos Vorazes: A Esperança - O Final
Jogos Vorazes: A Esperança - O Final(The Hunger Games: Mockingjay - Part 2), dirigido por Francis Lawrence. |
De 2012(lançamento de Jogos Vorazes) pra cá, muita coisa mudou. Foram 3 filmes, mais de $2 bilhões em bilheteria, um batalhão de fãs e uma ascensão meteórica de Jennifer Lawrence. Misturando entretenimento juvenil com uma eloquente e acessível crítica a sistemas opressores e todas suas consequências, era de se esperar que a ousadia da série já teria chegado ao ápice com as rebeliões ocorridas em Esperança - Parte 1, mas surpreendendo novamente, esta parte final expande ainda mais sua abordagem, conseguindo um esmero que poucas franquias atingiram: tornar seu encerramento a parte mais memorável e forte de um conjunto já audacioso e memorável.
Devido ao fato de iniciar logo após o encerramento de seu antecessor, o longa dispensa qualquer introdução. Logo em seu início, somos envolvidos de volta a conhecida atmosfera de caos e revolução. Um clima sombrio e tenso, servindo de ambiente para a jornada final dos rebeldes contra o presidente Snow e a capital.
Cabe mas uma vez a Katniss conduzir a trama. Traumatizada pela situação em que vive, tendo perdido qualquer confiança em Peeta, dividida entre o próprio e Gale, preocupada com sua família, incumbida de liderar e juntar todas os distritos em prol de um objetivo comum, a jovem se encontra sobrecarregada, e Lawrence, mais experiente do que nunca, domina a personagem com uma confiança de dar inveja a qualquer veterano da indústria. A atriz, que evoluiu profissionalmente de forma tão abrupta quanto a importância de sua Katniss para dar fim a opressão de Snow, continua com a presença, carisma e talento que a garantiram tamanha posição em Hollywood, mas agora é muito mais exigida. Liderando e dando voz a tantas pessoas, mesmo com a pouca idade, "o tordo" passa a credibilidade necessária de um líder, transmitindo confiança e imponência, mas é nas minúcias que JLaw brilha. Com tanta pressão e responsabilidade, seria impossível e inverossímil a heroína apresentar a mesma altivez e energia de antes, e assim é. Com uma postura de fadiga, um olhar consternado de alguém que não aguenta mais a situação em que se encontra, ela nem ao mesmo consegue sorrir nos raros momentos em que isso seria possível, tão fria e maculada quanto a paisagem desolada e inóspita que a cerca.
Em sua última personificação do tordo, a atriz brilha. |
Juntamente com a atriz, temos a nítida maturação de Francis Lawrence, que comanda a série desde seu segundo capítulo. O diretor, egresso de filmes de ação como "Eu Sou a Lenda" e "Constantine", mantém a assinatura nesse gênero, elaborando cenas de ação estimulantes e complexas, muitas vezes utilizando uma câmera que incita urgência e perigo, com planos sempre bem filmados, onde podemos ver nitidamente o que ocorre - em especial uma batalha envolvendo Finnick, quando inesperadamente me percebi tenso, preocupado para com o futuro do personagem, inconscientemente torcendo para sua vitória. Porém, mais do que nunca, esta fita demandaria algo a mais do cineasta, um alcance dramático que ele nunca teve, e felizmente, o realizador acerta de forma competente. Há várias cenas tocantes de diálogos entre os personagens, minimalistas e calmamente fluidas, particularmente as que envolvem Peeta e Katniss em seu dilema. Mérito do diretor, já que a irregular trilha sonora de James Newton Howard muitas vezes destoa do que vemos em tela. O consagrado compositor, apesar de acertar nas cenas dramáticas, acaba se exaltando em demasia quando a ação é o foco, com acordes agudos e excessivamente ruidosos, se destacando negativamente, quando seu trabalho deveria ser de agir harmoniosamente com as tomadas.
É notável também a coragem de Francis ao retratar o massacre de civis e o infanticídio cometidos durante a guerra, mesmo quando seu resultado já era evidente e inevitável. Apesar de serem cenas cruéis e fortes, são importantes para elucidar as atrocidades que cometem-se em épocas assim, não tentando amenizar as covardias e podridões que pessoas podem realizar para experimentar a coroa de "rei".
Aproveitando a forte analogia política da saga, o roteiro de Danny Strong e Peter Craig faz uma inteligente relação ao sistema ditatorial mais conhecido de todos, o nazismo, com o universo da capital: O altar conspícuo do comandante, a organização meticulosa dos súditos e até a aparência de Jena Malone, que inicialmente lembra muito ao de judeus em campos de concentração. É interessante notar que um tema recorrente quando discutidos o nazismo e Hitler, é a indagação de o que teria ocorrido caso algum outro governante tomasse o poder. Muito diz-se que provavelmente teríamos um outro tirano, mais um ser que em meio ao ego inflado obtido pela liderança, poderia acabar executando planos tão terríveis quanto os do 3º Reich. Essa discussão é intrinsecamente desenvolvida conforme o desenrolar de Esperança acontece. Quando Snow cair, quem assumirá o poder? Será esse sucessor alguém justo, ou apenas um novo rosto em busca de domínio e controle? Talvez a transição da personagem que executa este plano tenha sido óbvia, mas é uma questão interessante e espertamente discutida.
A melhor atuação da carreira de Josh Hutcherson. |
Em meio a tantos assuntos maduros que o roteiro explora, torna-se mais frustrante que um erro que vem lá do 1º filme, se repita novamente aqui: O insosso triângulo amoroso formado por Katniss, Peeta e Gale. Se em Jogos Vorazes era clara a intenção da Lionsgate de agradar o público teen, ainda sem ter dimensão do alcance e potencial da série, agora, com seu sucesso garantido, torna-se incompreensível que tanto destaque seja dado a um arco já enjoativo e de conclusão previsível. É angustiante notar que Liam Hemsworth possua tanto destaque e tempo em tela, tempo que poderia ser gasto com algum dos vários monstros que estão disponíveis, especialmente o subaproveitado Woody Harrelson. O irmão de Thor é tão fraco, que mesmo aqueles que não possuam familiaridade com o material original(Livros), logo consigam pressupor com quem Katniss irá terminar. E justiça seja feita, se eu antes critiquei Josh Hutcherson, aqui eu o elogio. O ator entrega a melhor atuação de sua carreira, compondo seu Peeta como alguém fragilizado e visivelmente ressentido, inseguro e cheio de dúvidas quanto ao que é real ou não, causando assim empatia e comoção.
Com um final que para muitos pode ser decepcionante, claramente feito para servir de fanservice, mas digno no limite do aceitável, nos despedimos tristemente destes personagens, mas que sigamos seus ideais e batalhas agora, no mundo real. A luta de Katniss continua, tanto pela força das mulheres, quanto contra governos injustos e corruptos. Esse é grande legado de Jogos Vorazes.
Nota: 8.
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