Fullmetal Alchemist (2017) - Crítica


Poucas obras se sustentam no hype. Fullmetal Alchemist (FMA) é uma delas. Seu mangá e a adaptação fiel ao original, Fullmetal Brotherhood, apesar de destinados a um publico masculino jovem, transcenderam a demografia inicial para conquistar um público mais abrangente e maduro. Merecidamente, com um enredo denso, complexo e recheado de alegorias, a criação de Hiromu Arakawa evita as convenções do gênero, como ausência de mortes, reviravoltas mirabolantes, superação eterna como resolução de problemas e arcos cíclicos, previsíveis.

É uma grande pena, então, que sua adaptação Live-Action, cercada de inevitável expectativa, sabote grande parte das qualidades de uma história riquíssima, desperdiçando a oportunidade de apresentá-la a espectadores distantes da esfera Otaku, assim como fora com o recente Death Note, por mais que não seja um desastre tão grande quanto, e este é o comentário mais positivo que posso fazer.

Ambientado num país fictício chamado Amestris, em cenário que muito lembra a Itália pós-Revolução Cultural (filmado na região toscada de Volterra, enquanto que no mangá, apesar do autor dizer ser uma mescla de vários países europeus, as similaridades com a Alemanha nazista e a Inglaterra são gritantes), acompanhamos dois irmãos, Edward e Alphonse Elric, que após perderem a mãe, utilizam seus conhecimentos em alquimia para tentar trazê-la de volta, o que acaba catastroficamente mal, com Ed, o mais velho, perdendo perna esquerda e braço direito, enquanto o caçula Al tem sua alma enclausurada numa enorme armadura.


Poderíamos destinar 80% dos problemas desta versão ao tempo. A necessidade provocada pela inversão de mídias em compactar 64 episódios e 108 capítulos num só longa de 134 minutos (seria muito mais sensato dividir a história em mais capítulos, como Samurai X, por exemplo). Apesar de extenso, pouco do conteúdo de FMA é dispensável para a condução ideal da trama. Não é uma aventura amnésica, destas em que os personagens esquecem suas provações e não demonstram evolução nem cicatrizes deixadas por perdas e desafios. Com um objetivo inicialmente claro, de encontrar a pedra filosofal e recuperar o corpo de Alphonse, os irmãos não se desfocam, e cada coadjuvante, cada antagonista, deixa uma marca em sua jornada.

Por isto, é ingrata a empreitada dos roteiristas em encaixar tanto material em tão parcos minutos. Na ânsia de espremer fases, seres e conflitos, ocorre uma sucessão de erros que se ampliam entre si, como uma bola de neve, como diz o velho clichê (e de clichês este filme entende), dando-nos a impressão de que a certo ponto, os realizadores simplesmente desistiram de entregar algo digno e aprofundado, se contentando em velhos hábitos de mercado para atingir consumidores medianos. Consequentemente, recebemos caricaturas, conveniências sem fim, figuras inexploradas que parecem fazer uma rápida escala naquele universo sem finalidade aparente que não seja tentar frear rapidamente a progressão da trama.

Enquanto que Edward é claramente o principal da história, no mangá temos um balanço equilibrado em que há espaço para simpatizarmos com Alphonse, Winry, General Mustang e Hughes, o que provoca a empatia necessária para que seus tormentos não sejam vistos de modo passivo. Os sacríficos temporais resultam que, aqui, a ambiguidade de Mustang seja completamente mesquinha, e qualquer que seja o destino dele, assim como a maioria de seus companheiros, soe indiferente, principalmente Alphonse, que deveria ser um coprotagonista, mas recebe o tratamento de um figurante desnecessário. Sua participação física não acrescenta em nada o avançar da narrativa, sendo apenas um lembrete expositivo de por qual razão Edward faz o que faz.


Do mesmo modo, a participação de Winry é vaga e estereotipada, nos fazendo perguntar quando ela e Ed darão o primeiro beijo, tamanha a insipidez de sua personalidade, amplamente avessa à garota forte e determinada vista na animação.

São muletas velhas feitas para uma fita capenga, que não se sustenta como drama, tampouco como ação, com efeitos que seriam top de linha em 2001, socos mais falsos que os vistos em séries de televisão dos anos 40 e a inexistência de qualquer coreografia de combate.

O mundo otaku não é bem quisto por quem não convive neste meio. E parece que as produtoras, sejam japonesas ou Ocidentais, estão comprometidas em organizar silenciosamente uma conspiração para derrubar de vez qualquer possibilidade de respeito advindo deste nicho, com escolhas técnicas e artísticas inexplicáveis, anos após ano, se recusando a aprender com os erros de fitas passadas. Quase 10 anos desde o apocalíptico Dragon Ball Evolution e o cinema ainda não aprendeu a representar animes e mangás adequadamente. E parece longe, muito longe disso.

Nota 4.

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