O Terceiro Assassinato (2017) - Crítica


Na crítica de "Um Lugar Silencioso", comentei como era prazeroso receber um bom produto de um nome que não se espera grande coisa - neste caso, John Krazinski. Naquele mesmo texto, discuti sobre como, o único viés de realizadores que amamos apresentam, é a gigante expectativa inerente a seus novos projetos, e como mesmo boas obras, se não niveladas no padrão costumeiro, causam uma frustração, sensação umbrosa e que nos tomba com força.

É engraçado este contexto se adequar rapidamente na primeira crítica que faço após "A Silent Place", pois "The Third Murder", que estreia dia 19 de Abril no Brasil, mas já percorre circuito internacional desde ano passado, é o primeiro longa de seu realizador, Hirokazu Koreeda, que não acho, no mínimo, muito bom.

Candidato a melhor cineasta japonês vivo, discípulo destacado da escola de Ozu, Koreeda aflora, desde seu debut, a primazia do humanismo; narrativas minimalistas e módicas, sem pressa, comprometidas em representar a vida com a monotonia e irregularidade que ela é; as divergências de gerações distintas, o distanciamento familiar e males modernos da ultra-desenvolvida sociedade nipônica, como o isolamento, o abandono e a antipatia coletiva - assistam "Air Doll" e "Nobody Knows", que sintetizam bem estes conceitos.

Com este resumo de sua filmografia, já causa estranhamento a premissa de "O Terceiro Assassinato". Apenas seu título é uma afronta ao conjunto anterior. Um suspense jurídico que flerta com um gênero muito bem quisto do cinema do sol-nascente, o de mistério, principalmente sob a batuta de Takashi Miike e Kiyoshi Kurosawa.


Se seu lado delicado o referenda, entretanto, esta nova empreitada ainda carece de rebuscamento, pois é claro o desconforto, a falta de familiaridade com o que planeja exercer, por mais que as intenções sejam evidenciadas em fragmentos de diálogos aproveitáveis por entre conversas arrastadas e verborrágicas entre o réu Misumi (Kôji Yakusho) e seu advogado de defesa, Shigemori (Masaharu Fukuyama). Bastante sucinto em sua visão do universo apresentado, Koreeda retrata o ambiente jurídico como um mundo à parte, quase sempre enquadrado em cenários fechados, e mesmo em planos abertos, impera um filtro frio, estéril e desagradável, extirpando a neve de sua beleza para restar apenas a sensação de solidão, perda e desolamento.

Da mesma forma, juízes e homens do colarinho branco são mostrados em manada, com seus ternos à medida e impassividade na face, sempre sóbrios e como que destituídos de emoções. Não há espaço para empatia nem ambiguidade quando fica aparente que eles buscam defender um crime óbvio, por dentro da ética, porém sem moral. Princípios enviesados e que rotulam o desfalecer de comunidades contemporâneas em individualidade e egoísmo.

Porém, se busca revelar advogados como tudo, menos seres sencientes, Koreeda perde justamente o traço que mais mestra, que é o de emoções honestas e simplórias - que, novamente, estes profissionais não parecem possuir. Ao contrário de outras obras asiáticas da temática, como "O Advogado", "Hope", "A Cura" e "Confissões de Assassinato", que mesmo muitas vezes sensacionalistas e melodramáticas, nos intrigam perante o resultado e o encontro ao culpado, Koreeda é econômico, e sua história parece plausível fora da ficção. Na contramão de seus dramas familiares calorosos, no entanto, aqui temos uma trama tão gélida quanto seus personagens, gradativamente ganhando um desinteresse análogo às duvidas sobre o caso.


Tão desgostoso com o contexto que oferece o ápice do pessimismo no que seria uma pequena amostra de esperança nas mudanças comportamentais de um elo primordial à película, Koreeda parece ter feito de "A Third Murder" um desabafo rancoroso e cínico da inescrupulosidade envolvendo a esfera judicial de seu país, sem simpatia ou senso de dever, e sim uma ânsia por se provar certo e julgar aos outros, testando nossos próprios princípios de moralidade, entre o legalmente correto e o sensivelmente desejado - deixando claro que o sistema legal possui tanta integridade quanto a declaração de inocência de alguém que esconde a faca no paletó.

Hirokazu sabe filmar e deixa bem claro aqui, com vários planos e jogadas de cena inteligentes e habilidosas, mas como contador de história, apresenta o maior desfortúnio de sua invejável carreira. O fato de seu novo esforço, com debut em Cannes neste ano, voltar às origens, talvez revela a autoconsciência de saber o que faz bem - e nisto, poucos o igualam.

Nota 6. 

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