Vingadores: Guerra Infinita (2018) - Crítica
Com estrutura já consolidada e demonstrações colossais de frenesi, os Russo tinham em mãos um material invejável, panteão santificado de personagens, porém, consigo, a maior exigência e expectativa do cinema blockbuster dos últimos anos - talvez do século. Com bilhões de lucro em uma franquia arranjada no maior universo colaborativo da história do cinema, Guerra Infinita representa, até então, o epítomo deste projeto, como o ápice de um arranha-céu.
No entanto, como comprovou nos capítulos 2 e 3 das aventuras do Capitão América, a dupla, oriunda do improvável sitcom Arrested Development, é a melhor coisa que aconteceu ao MCU, e justificam muito bem o ouro colocado em suas mãos, o transformando numa portentosa e imponente escultura dourada e que dignifica toda a empreitada até aqui, num trabalho meticuloso e que, apesar de seus tropeços (Homem de Ferro 2 e 3, a trilogia de Thor), é um verdadeiro marco no itinerário do cinema e que será referência por muitos anos aos estúdios que tentarem simular esta orquestra.
Tendo em vista o primoroso leque de figuras e situações deixadas pelos longas anteriores, com influências ainda sentidas de Guerra Civil, De Volta ao Lar, Pantera Negra e Ragnarok, a união dos heróis não é abrupta e apressada como fez a Warner ao tentar reunir o time da DC, no infeliz Liga da Justiça, e sim investida na parcimônia de dinâmicas diminutas e divertidas que irão, naturalmente, se agrupar num clímax. O começo é imediato após o encerramento do terceiro episódio do filho de Odin, quando sua nave é abordada pela arca espacial de Thanos, finalmente apresentado com rosto e vozes marcantes, após aparições curtas em pós-créditos de películas anteriores da série, impregnado por orgulho e poder no timbre gutural de Josh Brolin.
Mesmo que sejam seres nunca familiarizados, não há antipatia ou falta de entrosamento entre as pequenas equipes, tendo com destaque os divertidos Guardiões da Galáxia - trabalhados pelos Russo como bem ensinou James Gun - numa impensável parceria com Thor. Sem cair em erro comum de fitas do tipo, que entopem a tela com rostos midiáticos como um fanservice, Guerra Infinita dá propósito a todos inseridos em sua generosa duração, da ingênua Mantis à brilhante irmã de T'Challa.
A fluidez destas esquetes interligadas funciona também pela sólida montagem de Jeffrey Ford e Matthew Schmidt, e ao contrário do recente Thor: Ragnarok e basicamente todo capítulo pertencente ao multiverso, o tom humorístico não dirime a urgência gritante que a presença de Thanos impregna na narrativa, um equilíbrio inédito, também possibilitado pelo antagonista, outrora calcanhar de Aquiles da Marvel, mas que neste 2018 encontra um duplo-acerto que evidencia bem o diferencial de um bom nêmesis para enriquecer a experiência e o enredo explorado; em outra escala comparando a qualquer vilão, o Thanos de Brolin não ultrapassa somente os limites da força, mas sim da profundidade de suas intenções e psique, com propósitos claramente psicopáticos, mas que tocam um tema de preocupação iminente nos próximos anos, com uma resolução particular que certamente será apresentada por políticos em anos vindouros - como já alertou Dwight Schrute, em The Office.
Claramente imbuído de uma atmosfera sombria e até melancólica por entre as piadas, Guerra Infinita assemelha-se a um arco final para o clã dos Vingadores originais, principalmente a trindade que fornece os fundamentos da equipe - Homem de Ferro, numa atuação marcante do inesgotável Robert Downey Junior, que iniciou o projeto e segue sendo seu líder visual sem perder o carisma, o revigorado Thor de Chris Hemsworth, e Steve Rodgers, que transcende aqui o conceito culturalmente restrito da identidade Capitão América e segue sua trajetória no melhor character development da casa das ideias nos cinemas.
Próceres de seus núcleos, o trio, em divergentes graus de maturidade, nutre relações que soam como sucessões futuras, forçadas por tragédias ou então iniciadas ao natural; o Homem-Aranha de Tom Holland, O Pantera Negra, em claro respeito a Rodgers, enquanto Thor supera a si mesmo e oferece a amostra definitiva e não apenas ornamental de ser um Deus, o Deus do trovão, numa das cenas mais antológicas e gritantes de toda a saga, destituído de seu Mjölnir e sua família, porém com a determinação que nunca teve em suas tramas solo. O mais avulso acaba por ser justamente o único Vingador original que mudou seu ator, e que rasteja por um caminho pouco memorável de coadjuvante por entre missões de colegas - falo do Gigante Esmeralda, que tem sua participação resguardada para prováveis grandes cenas no fatídico fim. (Enquanto seu intragável ship com a Viúva Negra de Johansson deveria ser tão esquecido quanto a rápida passagem de Edward Norton como Bruce Banner, sendo, na mais eufemística das definições, esquisita, como disse Falcão Negro.)
Com uma destreza de fazer Joss Whedon parecer um amador em filmar cenas de ação, os Russo não nos preparam a um clímax grandioso, mas brindam o espectador com inúmeros momentos de empolgação e vertigem nos seus 150 minutos, que não causam sensação de esvaziamento ao final, até porque sua intenção é diferente, e satisfazem cada um com passagens de brilho à miríade de superpoderosos em tela (pessoalmente, saí da sessão com um desejo insuportável de conferir um filme destinado à Feiticeira Escarlate, o que talvez venha a ocorrer em breve caso a introdução dos X-Men seja consumada).
Ousado nas decisões - por mais que algumas tenham reversão óbvia -, a imersão e o ritmo progressivamente frenético expandem sua desolação conforme o avanço de Thanos se mostra irrefreável, e não um combate previsível que será rapidamente sobrepujado pelos protagonistas, os Russo ainda trazem referências dos quadrinhos para o canto do cisne mais soturno dos filmes da temática, que só ficaria melhor caso tocasse "You And Whose Army", do Radiohead, conforme o semblante de seu verdadeiro personagem principal sorri perante a visão e noção de conquista.
Se é claramente uma primeira parte de algo, Guerra Infinita é plenamente satisfatório apesar da incógnita de sua história, e a confirmação de sua qualidade está no fato de que seria quase que unanimemente - diria até avidamente - aceito ficar mais 3 horas na sala para sabermos como este ciclo se encerra.
Talvez, ele não seja tão vibrante quanto o que vimos aqui, mas se esta década ensinou algo, é que devemos dar o privilégio da confiança à Marvel. Mais do que nunca, eles merecem.
Nota 8.
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