Patrick Melrose (2018) - Crítica


“Education should be something of which a child can later say, ‘If I survived this I can survive anything.”

É a frase dita por David Melrose (Hugo Weaving), pai de Patrick, a alguns visitantes de sua residência opulente, quando estes discutem educação infantil.

Como se trata de uma cena exibida no segundo episódio da série, não precisamos ansiar para sabermos quais foram as repercussões práticas dos métodos a seu filho, cuja vida, como adulto, começa a ser retratada numa Londres em 1982, quando dopado, recebe a ligação anunciando que seu patriarca falecera em Nova York.

Antes de atravessar o Atlântico, Patrick promete a sua namorada que agora irá se limpar. Ainda antes do embarque, abre uma exceção devido ao desgaste da viagem. Ao chegar em seu destino, a abstinência já se torna insuportável, e obviamente, a meta do personagem é dissolvida mais rapidamente do que piscamos. Nos dois dias que passa na cidade americana, seus esforços embarcam mais em traficantes para conseguir drogas do que na cremação e outras incumbências envolvendo seu progenitor.

Viciado em inúmeras substâncias ilícitas e lícitas, incapaz de manter uma conversação sem estar completamente anestesiado ou jorrar suor, esse é o Patrick Melrose crescido, fruto da criação descrita orgulhosamente por David e observada distantemente pela mãe Eleanor (Jennifer Jason Leigh). São sintomas psicológicos e comportamentais típicos de vítimas de abuso infantil; a educação rígida que vai muito além da severidade para se tornar uma agressão física e mental. E é a história de Patrick, o indivíduo, como criança e adulto, que vemos na minissérie que carrega seu nome, dividida em cinco capítulos, baseados nos livros semi-autobiográficos de Edward St. Aubyn, criado numa disfuncional família elitista britânica.


Com uma narrativa não linear, primeiro conhecemos quem é nosso protagonista, para então espiarmos um episódio inteiramente dedicado a um dia de sua infância, que já fora esboçada em visões e reminiscências de um Patrick alucinando no quarto do hotel do capítulo anterior, para posteriormente voltarmos ao adulto em diferentes períodos de sua vida - iniciada em 1982, então 1990, para finalizar no novo milênio, em 2003 e 2005.

São retratos retalhados que, além do rosto de Benedict Cumberbatch, compartilham uma mesma característica: a ferida aberta carregada por Patrick desde imberbe, coisas ditas ou não que se acumularam causando uma montanha de rancores e medos que o atormentam diariamente. E é sua trajetória sobrevivendo, ao invés de viver, como ele mesmo diz em certo momento, que acompanhamos, em períodos distintos, mas entrelaçados no horror de uma imagem que não se enubla.

Traçar décadas da vida de uma figura tão complexa demanda um talento e sensibilidade já conhecidos de Cumberbatch, que tinha neste um de seus trabalhos dos sonhos (juntamente a Hamlet), que retrata o Playboy com um humor cínico, sarcástico e auto-depreciativo, esperado de uma personalidade tão conturbada e internamente vulnerável, que faz de tudo pra se esguiar das lembranças de seu pai, revelando muitas vezes traços deste em acessos de fúria. O personagem, rodeado de mordomias e monótonos jantares burgueses, caminha entre o luxo e o fundo do poço, com sua perspectiva mutável concomitantemente à situação em que se encontra, servindo como um olhar ácido e irônico na aristocracia e seu glamour que manipula o inconsciente coletivo das camadas mais baixas para realidades esnobes e alheias ao mundo, em representações fictícias e reais através de figuras como e Nicholas Pratt a Princesa Margaret, que parecem reter fortunas que lhes sugam e destituem qualquer empatia, em atribuições de caráter quase caricaturais de um Conde Olaf, por vezes caindo no tragicômico da crueldade. É uma sátira pessoal e deliberada para provocar o riso do absurdo proveniente daquele comportamento envaidecido.

Porém, os arredores somente servem de complemento no suplício de Patrick, que chega a brincar sobre "Qual o ponto de janelas se não se pode pular delas", uma fala dita em tom divertido mas que desnuda um pensamento constante de sua natureza autodestrutiva que rivaliza com o Nicolas Cage de Despedida em Las Vegas. O ponto cardeal de seu desenvolvimento e todas as consequências que redirecionam sua existência está no microcosmo retratado no episódio segundo, num dia de sua família e amigos convidados a um jantar. Situado no interior do França, num visual clássico e aparência idílica que poderia ser locação de um romance fantástico de verão como o de "Call Me By Your Name", mas que ao jovem Patrick, representa o verdadeiro inferno em tons de verde e amarelo.


É naquela mansão, principalmente no quarto do segundo andar, que Patrick perde sua infância e também condiciona as próximas décadas, torturado física e psicologicamente pelo pai, David, no que gera uma derivação de experimento Pavloniano, em que somente ao ouvir a voz do homem, o jovem Patrick entra em pânico, e as constantes escapadas pelos campos e as mórbidas brincadeiras de tom suicida e violenta reprimem um ódio inexprimível na opressiva figura daquele que deveria lhe representar um baluarte moral. Tendo ele como guia, o comportamento de Patrick não se torna justificável, mas sim compreensível e até inevitável. Pior quando sua mãe, Eleanor, apesar de exibir um claro amor materno pelo garoto, demonstra uma passividade desesperadora perante a agressividade do marido com a prole, incapaz de se opor a este, servindo como uma escrava acuada e que também busca refúgio em pilulas, trancada no carro qual diz ser sua última posse exclusiva. No futuro, ela diz que apesar de ser um monstro, David era muito bom com crianças. Uma escolha que ela parece ter colhido, desviando o olhar do óbvio, buscando a ignorância e proferindo a mentira até que esta se torne verdade.

Abusado por um e negligenciado por outra, o ódio que arde no peito de Patrick é como ser atingido por litros de álcool após se queimar no sol o dia todo. Por mais que busque uma fuga e a certo ponto reconheça e aceite sua martírio, são demônios que o perseguem como se carregasse um ímã sob a pele, que o leva, muitas vezes, a exibir tendências passivo-agressivas e de índole reprovável perante os próprios filhos, por mais que sempre se demonstre arrependido e dotado de bom coração, como ao oferecer auxílio à filha de Bridget Watson Scott (Holliday Grainger).

Ele é, afinal, um viciado no extremo mais nocivo da condição precedente ao que seria a própria morte, que chega a desejar mais de uma vez. Metaforizando a própria experiência, a obra de Edward St. Aubyn oferece uma saída tardia, mas que esbanja obstáculos muito fáceis de se tropeçar e desistir pelo caminho, no que é um otimismo realista e que inviabiliza resoluções preguiçosas e fáceis quando a podridão já não se encontra mais disfarçável, em adaptação fria e certeira do diretor Edward Berger e roteirista David Nicholls, que encabeçam toda a produção, criando uma unidade coerente e detalhadamente planejada em suas auto-referências e composição visual, como os jogos de sombras que cercam David em seu decrépito aposento e as viagens turbulentas de Patrick.

Estudo de um personagem que representa a vida de um homem, Patrick Melrose possui uma relevância em seu conteúdo que difere o simplismo do reflexivo, pois conheçamos diretamente ou não, fala de um assunto palpável e real, seguindo o que disse Aristóteles, "A Arte imita a vida". Assim, sua história se expande e perde as estribeiras de um retrato individual, se tornando, sim, o conto de uma obscura esfera social.

Um comentário:

  1. Esta série é de tirar o fôlego! Assisti tudo de uma vez e fiquei impactada. Quero muito ver o novo filme do Benedict Cumberbatch. Deve ser bem interessante sobre o Brexit. Sempre tem histórias que nos prendem e são bem conduzidas, além de serem surpreendentes. Gosto principalmente quando são baseados em fatos reais e que afetam diretamente nossas vidas. Eu adoro qualquer filme benedict cumberbatch , ele é simplesmente incrível. É sempre muito curioso ver este tipo de coisa. Eu estou ansiosa para ver o filme do Brexit. Parece ser um filme que supera todas expectativas, com certeza. Recomendo

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