Um Grande Texto Sobre Capitã Marvel, Machismo e Tico Mole
Capitã Marvel não é um filme espetacular, notável. Assim como grande parte do catálogo do MCU. Inclusive, ele compartilha de muitos dos principais erros da franquia. A trilha sonora serve mais como propósito nostálgico do que narrativo. Bem, com exceção dos Guardiões da Galáxia, nenhuma produção da casa possui uma trilha destacável. Grande parte dos personagens demonstram desenvolvimento raso, principalmente os antagonistas, maniqueistas e com falta de personalidade escondidos por trás de um twist barato. Fora Thanos, Killmonger e, bora lá, Loki, humanizar nêmesis não é o forte dos roteiristas escolhidos pela Marvel. E as histórias frequentemente flertam com o banal, ou então são repetecos das próprias tramas (quando não são desastres assumidos), como Ultron, as sequências de Homem de Ferro, as duas primeiras fitas do Thor, o Formigoso.
Por ter encontrado uma fórmula perfeita, Kevin Feige optou por pouco desvirtuá-la. Como um pai que aumenta em uma hora o toque de recolher do filho, no máximo foi conivente com diretores dotados de uma visão mais única, como James Gunn e Taika Waititi, quando a grande maioria segue o mesmo tom uniforme, indolor e inofensivo para agradar plateias sem se arriscar. E foi somente ao estabelecer a própria marca, que temáticas sociais entraram na mira da casa das ideias, primeiro com Pantera Negra, colocando negros no holofote, e agora, finalmente, com a chegada de Brie Larson ao time dos Vingadores, a primeira mulher protagonista do estúdio. A Capitã Marvel.
Como vimos, mesmo que hoje seja a marca que melhor referencia o gosto popular e triunfe sob a alcunha de blockbuster, em análise retrospectiva, a Marvel se esmera na regularidade prosaica em que construiu seu reino, descartando uma assinatura mais rebuscada ao reconhecer que o dinheiro vem do público geral, e não do cinéfilo - que acaba atraído por osmose, por um histórico nerd ou apenas por diversão, a este caminho. Capitã Marvel, repito, não é uma obra-prima, tampouco um fracasso. É um filme bom, divertido, abaixo da primeira prateleira do MCU, e acima das últimas. É o presunto do sanduíche, ali juntinho com De Volta ao Lar, Doutor Estranho, Homem de Ferro, produções defeituosas, mas com mais virtudes do que tropeços.
Por que, então, o filme, assim como sua protagonista, têm sido analisados por uma régua tão minuciosa em comparação a qualquer outra fita deste universo? Como se explica que, pela primeira vez numa saga bilionária que concentra o maior polo anual de buzz por cada trailer soltado, tenha havido boicote às notas e ao material promocional de um longa de origem para uma heroína que terá papel primordial no próximo e derradeiro capítulo dos Vingadores? Por que ela não recebeu o amor e as calorosas boas-vindas de todos os outros figurões, principalmente sendo um nome mais secundário do selo, destes que muitos admiradores underground jamais imaginavam ser possível ver na tela grande?
Porque, ao contrário de quase todas as fitas Marvel (exceção de Pantera Negra), Capitã Marvel tem algo a dizer, não somente a fábula de um ser superpoderoso.
No entanto, as desavenças pessoais começaram ainda antes de Capitã Marvel sair. Brie Larson está envolvida desde o embrião do movimento "Time's Up" como uma de suas maiores promotoras, tanto em redes sociais, como em eventos, comprometida em dar voz às mulheres da indústria cinematográfica, a despeito de condições sociais, e sim por representatividade, já que através de dados temos as constatações necessárias e fatais que dispensam apresentações acerca do sexismo em Hollywood.
O Time's Up lançou, no começo deste, um desafio a toda a indústria, de comprometer os artistas a trabalharem ao menos com uma cineasta num prazo de dezoito meses. Uma condição que pode parecer arbitrária, mas ganha tons urgentes quando temos os dados de que, na última década, dos 1200 filmes de maior bilheteria, apenas 4% foram comandados por mulheres.
Um problema secular e que demonstra sinais parcos de melhora, mais lentos que o ritmo de um filme de Terrence Malick. A discrepância se encontra não somente por trás das câmeras, como na distribuição de diálogo das produções independente de seu tamanho e alcance, o que garante a perspectiva óbvia de que se estende por todo o cenário. Podemos comprovar isso na divisão de linhas por sexo dos últimos vencedores do Oscar e, em última instância, aos indicados a melhor filme deste ano.
Think about this when the Oscars' men's and women's awards suggest parity of any sort. I've seen these numbers, about how speech is apportioned in films, but this chart is really striking. ht @ellentejle pic.twitter.com/JIwgDKOPhQ— Soraya Chemaly (@schemaly) March 4, 2018
A conscientização e persistência do assunto na mídia, sendo adotado inclusive por personalidades masculinas que optaram contar histórias femininas, como Cuáron e Lanthimos, que dirigiram as películas que deram mais diálogos à mulheres no ano, pode parecer um bom presságio, mas ao considerarmos os indicados ao Oscar de melhor direção justamente na segunda temporada a seguir do escândalo de abuso e assédio em Hollywood, engatilhado pelo caso de Harvey Weinstein, demonstra sinais de fraqueza e esquecimento, como uma lareira esquecida.
Afinal, onde foram parar as mulheres da indústria, e por que homens estão sendo nomeados por fazer filmes focados em figuras femininas? Não, este não é um crime, assim como pessoas de cor podem dirigir brancos e o contrário. Mas a completa exclusão do sexo feminino na categoria de direção é questionável, quando tivemos nomes como Debra Granik, pelo elogiado Leave No Trace, Marielle Heller, por Can You Ever Forgive Me? e Chloe Zhao, por The Rider.
Fosse uma questão isolada, passaria em branco. Mas justamente numa era de efusiva explosão do feminismo, é curioso como diretoras passaram em branco na premiação, quando seria de interesse público melhorar as alarmantes estatísticas de que, desde 1929, quando foi realizada a primeira cerimônia da Academia, somente cinco mulheres concorreram ao pleito maior da direção, e destas, Kathryn Bigelow foi a única a sair do anfiteatro com a estatueta em mãos, por Guerra ao Terror (2008).
Todas essas informações justificam a existência do Time's Up, assim como engrandecem o ativismo de Brie Larson (assim como o apoio de parceiros masculinos na Marvel, como Chris Evans e Mark Ruffalo), que utiliza de sua popularidade e status como intermédio à vozes desprivilegiadas, sem torná-la hipócrita ao defender minorias e mulheres de classes baixas, e sim uma cidadã que pratica o exercício empático de ter os benefícios pessoais atuantes em favor de indivíduos abaixo desta esfera.
Naturalmente, ao ser escalada num papel do disputado e glamouroso mundo do MCU, Brie manteve a postura anterior e, com a estrondosa atenção que a persegue 24/7, tem espalhado com ênfase e diligência as mensagens defendidas pelo Time's Up e o movimento feminista. Isto não é se aproveitar da fama obtida por terceiras, até porque ela não o usa em autopromoção, como poderia ficar quietinha em seu canto colhendo os milhões e a adoração de homens e mulheres que vão ao cinema atrás de diversão, e sim, novamente, dá espaço e coloca os chamarizes a quem não tem força nem oportunidade para falar.
O fato é que Brie chamou bastante atenção por sua proatividade em defender a causa e, nestes meses que antecederam a estreia do filme, atiçou a antipatia de uma parcela considerável de fãs dos longas Marvel, mais exclusivamente de homens brancos, que frequentemente estão no discursos da atriz como exemplo de seres privilegiados e que precisam ceder a vez - não os excluindo do cenário, somente clamando por mais participação de outros nichos, para diferenciar e diversificar quem consome, produz e estrela as produções cinematográficas.
Isso garantiu algumas velhas artimanhas deste antro misógino que encorpora o próprio personagem do nerd reprimido de meia idade que se esconde por trás de uma tela de computador para despejar todo o veneno dentro de si, logo antes de se masturbar vendo alguma Loli. Um seleto grupo tão desocupado e imbecil que orquestra movimentos como boicotar filmes em sites de pontuação, como o IMDB e o Rotten Tomatoes. No primeiro, o filme, que agora conta com uma módica média de 7.1, chegou a amargar, nos primeiros dias, contagem inferior a 6.0, graças a ações em massa de haters. Enquanto o Rotten teve de tomar a postura mais radical de impedir e apagar reviews negativas ainda antes do lançamento do filme. No entanto, a conta da audiência ainda marca que somente 63% do público aprovou o filme, uma parcela baixíssima em cotejo com os 91% de Guerra Infinita, e absurda quando vemos O Incrível Hulk com 70%, Capitão América com 74%, além dos 76% do primeiro Thor. Nem mesmo Carlos Bolsonaro e Olavo de Carvalho para concordarem com isso.
O mais cômico, no entanto, é que este resultado se baseia, no presente momento, no voto de mais de sessenta e dois mil usuários, pra um filme em cartaz há sete dias, enquanto o supracitado Vingadores 3, que ultrapassou os dois bilhões de bilheteria, possui, desde a data de sua estreia, em 27 de Abril de 2018, menos de cinquenta e quatro mil votos do público. Gozado, não é? Tão legítimo quanto as fotos de aparição alienígena dos documentários do History.
Agora, um argumento muito interessante usado por vários detratores, que vejo principalmente no Youtube, é que a agressividade do discurso e do material de promoção de Capitã Marvel o tornaram um exemplar do que seria um "Feminismo Tóxico", numa confusão típica com o Femismo, que busca sobrepor os homens pelas mulheres, assim como Malcolm X buscava fazer em relação a negros e brancos em certo ponto de sua trajetória. Segundo esta ideia, o público masculino médio não se importa em ver protagonistas femininas, citando de exemplo longas como Mulher-Maravilha e Alita (que tem impressionantes $382 milhões de bilheteria até aqui, para um oneroso orçamento de $170, quase tudo na China - apoiaram mesmo, hein!), longas protagonizados por figuras femininas, mas que focam na história sem destacar quem a conduz, ao invés de reforçar simbolismo por trás de uma mulher no comando das ações, o que foi feito em Capitã Marvel e, é claro, em outro espécime contemporâneo, Star Wars: Os Últimos Jedi, que sofreu repreensão similar ao colocar, supostamente, todos os homens como tolos que necessitam de guarnição feminina para a vitória.
A questão é: acontece isso mesmo? Quer dizer, Capitã Marvel quer mesmo "castrar" e inutilizar o homem? Pontos em comum citado por defensores desta tese é a domesticada exercida no personagem de Samuel L. Jackson, Nick Fury, e a mudança de gênero do Capitão Mar-Vell, que aqui ganha uma vagina. Seriam estes elementos do roteiro demonstrações de desrespeito ao sexo masculino?
Faça-me o favor.
Poucas vezes me vi tão envergonhado de meus similares - talvez desde quando resolveram abandonar Brooklyn Nine-Nine ao descobrirem que os personagens seriam "machos beta" em sua pobre taxação que, de fato, expõe toda a fragilidade interior que sentem. São tão básicas as explicações para se expor como os dois fatores acima são nada senão escolhas narrativas, sem nenhuma influência negativa na própria trama e quanto mais na cronologia do Universo Marvel como um todo.
O filme se passa quase duas décadas antes do primeiro Vingadores, e treze anos antes de sua primeira aparição como o mal-encarado e sério caolho Nick Fury, em Homem de Ferro. São invernos que moldaram a personalidade do personagem, um tempo mais que suficiente para modificar quase todo seu comportamento, sem considerar também o fator óbvio que é a mudança primária que todos seus alicerces tiveram ao conhecer a Capitã Marvel, quando ele se deu conta da existência do fantástico e do extraterrestre. Leia obras de Lovecraft para ter uma visão madura de como o mundano reage ao se deparar com algo além de sua compreensão. Se o próprio Tony Stark não é o mesmo delinquente arrogante e elitista de 2008, por que teria Fury esta obrigação, num intervalo de tempo ainda maior?
O sujeito é um agente competente e seguro de si, mas pego numa situação além de sua compreensão, e se sua afeição a gatos é interpretada por alguém como ridicularização, bem, esse alguém deveria arranjar um gato. Acho discutível a maneira como ele perdeu seu olho, afinal, é uma característica marcante e que fora idealizada como fruto de um ato heroico ou de guerra, como o braço do Soldado Invernal ou o peito de Stark. Neste caso, há uma comicidade exagerada e que tira a densidade mística do personagem, mas é pobreza de roteiro (pois como dito na primeira linha deste texto, não se trata de um produto impecável), não uma declaração de guerra a homens.
Ridículo mesmo é o ataque à mudança de sexo do Capitão Mar-Vell, que não modifica em nada a história, como disse Leo Kitsune em sua review; não prejudica em nada a estrutura do roteiro. Na verdade, o personagem poderia muito bem ser um dinossauro, caso fosse estabelecido no MCU a existência de Dinossauros antropomórficos, que não haveria diferença. A escolha foi um artifício para simplificar o texto, após ter sido originalmente escrito para um homem, e que ao mesmo tempo garantia um simbolismo mais poderoso para a mensagem subliminar do filme - que é o emponderamento feminino.
O incômodo e bizarro da situação, que mostra como toda essa negação em aceitar modificações dos quadrinhos não tem nada de puritanismo e amor às HQs, e sim de se sentir fragilizado ao ver um gênero que, talvez décadas atrás, fora feito quase que exclusivamente a um nicho, abocanhar e favorecer novas demografias, está na completa discrepância com que são tratadas mudanças como esta, do Capitão Mar-Vell, que, como dito, não influencia em nada o enredo, a outras alterações dos filmes em relação aos quadrinhos e que, sim, em muito afetaram o resultado final, como a Guerra Civil anêmica dilacerada em apenas um filme; a existência do Agente Coulson, que nem fazia parte dos quadrinhos e desempenhou papel crucial no primeiro Avengers e, é claro, a existência dos milagres Feiticeira Escarlate e Mercúrio num mundo que, até então, não tinha possibilidade de encaixá-los como mutantes. Onde estava todo esse ódio nestes casos muito mais incisivos?
Infelizmente, uma parcela do público não demonstra a empatia e maturidade para agradecer e reconhecer a importância de ver uma mulher num cartaz de um blockbuster de tamanho alcance, e como isso molda e enche de orgulho as gerações mais novas. É preciso aceitar que estes heróis e heroínas não são mais pertences raros e compreendidos somente por um povo muito específico e que fora taxado, décadas atrás, de nerds no sentido pejorativo, e sim produtos globais de inclusão e abrangência, propiciados pela nova mídia em que estão inseridos, e como tal, devem buscar se adaptar aos novos tempos e acolher pessoas que foram, anteriormente, negligenciadas. Mesmo que não tenha a humanidade de compreender isto, é uma ação capitalista óbvia, para atrair mais público e incrementar a bilheteria.
Talvez haja um tempo, sim, em que longas como Capitã Marvel não precisarão incluir diálogos e temáticas emponderadas em seus roteiros. Em que atrizes e cineastas não terão de aproveitar cada pequena brecha em eventos midiáticos para defender o próprio sexo ou discutir desigualdade salarial e na oferta de empregos. Tenho certeza absoluta que Brie Larson, Ellen Page, Emma Watson, Ava Duvernay e outras celebridades engajadas no assunto sonham em não precisar mais preparar discursos focando nisto, e sim somente falar de sua experiência no set, ou então agradecer a família. Elas, com certeza, gostariam muito de fazer seu trabalho sem ter de se preocupar se estão recebendo menos que alguém que faz o mesmo serviço, ou então de serem taxadas de sentimentais ou incapazes somente por não possuírem um pênis.
Porém, este não é o mundo que vivemos hoje. Neste, somente 4% dos cem filmes de maior bilheteria de 2018 foram dirigidos por mulheres. Quarenta destas eram protagonizados ou co-protagonizados por mulheres, e indo mais a fundo em outra problemática, apenas onze eram atrizes de cor. Um mundo em que podemos contar numa mão a quantidade de mulheres que concorrem ao principal prêmio de direção, e num dedo, quem venceu.
Este é um mundo que precisa de mais personagens como a Capitã Marvel tanto quanto precisa de pessoas com as atitudes de Brie Larson.
perfeito,sou mulher(tou usando perfil fo meu irmão),eu sei que não é um filme maravilhoso,mas eu me senti tão feliz assistindo ele,fora que esse filme me fez entender pantera negra(sempre vi a comoção,mas nunca entendi,pra mim era só mais um filme nota 7 da marvel),e quando assisti capitã marvel consegui sentir o valor de ser representada
ResponderExcluirPoxa vida, fico feliz de ver como esse filme teve um efeito muito positivo. Conversei com outras mulheres e todas afirmaram a diferença que faz assistir algo como Capitã a um Thor, Capitão América da vida.
ExcluirGostei bastante do filme. Sei que não é um dos melhores já produzidos para o MCU, mas diverte. Não conheço bem a história de origem da Capitã nas HQ's, mas gostei das adaptações para o filme.
ResponderExcluirSenti que a Brie está crescendo nesse filme, no início parecia meio perdida (pode ser pelo fato da Carol estar sem as memórias) mas no fim já estava à vontade com a personagem. Quero ver bastante a interpretação dela em Ultimato.
E, infelizmente, a Brie sofreu com um pessoal que não sabe interpretar e que ao invés de buscar entender o que realmente ela disse, saíram falando merda na internet.
O bom que essa onda de hate não deu certo e o filme está sendo um sucesso de público, já arrecadou US$ 760 milhões e, com certeza, passa do bilhão.