Billie Eilish: When We All Fall Asleep, Where Do We Go - Review


O que você fazia aos dezessete anos? Billie Eilish acaba de lançar seu primeiro álbum. Cruel? Poderia ser mais. Aos quatorze, ela foi viral com o single "Ocean Eyes", e desde os quinze se tornou uma hitmaker incontestável, até estourar de vez ano passado, sem nenhum auxílio de renome da indústria musical, sustentada pelo próprio talento e do irmão, Finneas O'Connell, também ator com participações em Glee e Modern Family.

Escute o álbum pelo Spotify aqui.

Qual o segredo pra esse sucesso estrondoso? Billie não é uma é uma jovem convencional, e faz questão de ressaltar isso em sua identidade musical. Suas músicas jorram personalidade, e a imagem gótica-mórbida-sofrida conversa bem com o público próximo de sua faixa-etária, mas não somente a ele, e isto já a difere de outros ícones que explodiram precocemente, mas se tornaram piada para qualquer um fora daquele nicho imaturo, como os primórdios de Justin Bieber e as boybands dos anos noventa.



Nisto, sua persona e o estilo alternativo e funesto soam como uma sucessão natural do caminho pavimentado anteriormente por Lorde, que já havia evoluído a melancolia de Lana Del Rey em caminhos ainda mais sombrios. Usar o termo evolução traz o teor de superioridade, o que é um erro. O que procuro ressaltar é o aprofundamento e conforto em adotar uma imagem mais dark e até depressiva, distante do retrato alegre e colorido do pop, mas consciente, justamente pelos nomes previamente citados, de que há um bom público disposto a consumir esse material mais cool e tristonho do Pop. Deste modo, artistas como Billie se apropriam e popularizam um meio-termo entre a sonoridade mais efusiva do pop convencional, falando sobre sentimentos e um grande senso de desapropriação, infelicidade e frustrações pessoais sem cair de fato no indie rabugento de um Radiohead, por exemplo. Artistas como ela são o anti-Taylor Swift, Katy Perry e afins. Mas sem perder valor comercial.

Isto porque, mesmo que fale sobre suicídio, solidão e ansiedade, há uma backing track recheada de sintetizadores pesados e carregados de inspirações tipicamente modernas de trap e hip hop para tocar em rádios e baladas, liberando muita dopamina no cérebro de quem as escuta sem deixar a pessoa numa bad colossal.

Ou seja, escutar Billie Eilish corretamente pode te fazer refletir, mas se você quiser só se divertir e ouvir uma batida harmônica, também encontrará material para tal no breve repertório dela. Aí está outro fator primordial para tamanha explosão de popularidade: a adaptabilidade de suas canções.


Com o olhar desinteressado e de tédio como de alguém que adotou o niilismo desde cedo, Billie é o ícone de uma geração que cresce sem saber direito qual caminho tomar da vida e que se encontra carente de ícones que os represente de fato. Assim, se encontram nas melodias e letras ora existenciais, ora completamente debochadas, como "Bad Guy": "I like it when you take control, Even if you know that you don't, Own me, I'll let you play the role".

A primeira metade do álbum foca em construir esse simbolismo despojado e indiferente, mesmo que retrate temas comuns como a rejeição amorosa de "Wish You Were Gay". No entanto, ainda que aja como quem já viu mais do mundo do que qualquer um de sua idade, Billie ainda é alguém que mal saiu da puberdade, e mesmo que utilize de boas metáforas e pareça não se importar, suas letras não divergem da monotemática e temas autocentrados que orbitam a vida amorosa e experiências pessoais de sua breve - ainda que intensa - existência. O talento de Billie em expressar seus sentimentos, desejos e angústias é quase incomparável, mas muitas vezes não deixa de ser uma versão mais rebuscada e excêntrica do que uma garota de sua idade faz em um tumblr particular anônimo.

E isso não é um crítica, pois todo artista, em algum ponto, se volta ao eu para compor seu trabalho, por mais turbulento que ande o mundo. E talvez jovens como Billie ainda estejam muito confusas consigo mesmas para olhar devidamente para a situação caótica do globo. E essa turbulência pessoal não deixa de ser um microcosmo do que é a situação geral ao mesmo tempo. Ou talvez os jovens de hoje estejam enjoados e cansados demais com essa demanda ininterrupta para terem opinião sobre tudo, e queiram apenas se entender antes de tentarem revolucionar a terra.

Billie disse que tentou fazer de cada música do álbum algo diferente, para que, se um grupo de diferentes pessoas o escutasse concomitantemente, cada um fosse curtir ao menos uma música. No entanto, por mais integrativo e popular que seja seu som, essa diversidade não é tão presente assim em diferentes nichos, como as quatorze faixas soam consistentes em suas tonalidades distintas, mas sem divergir tanto dentro de si como foi o último disco do Twenty One Pilots, por exemplo.



Falta uma coerência linear para a divisão de faixas, o que deve ser intencional para não deixar a segunda parte tão morosa em comparação ao início. Somente isso explica a transgressiva e mordaz "Bury a Friend" não estar no lugar da melancólica "Xanny", pois fosse assim, seria óbvio e perceptível a separação do álbum em dois ritmos distintos. A partir da oitava faixa, chamada, é claro, de 8, saem quase que em totalidade, fora justamente "Bury a Friend", as batidas agressivas, para baladas acústicas, sintetizadores tímidos e atmosféricos e até um refrescante ukelele na própria 8, que já havia sido previamente performada em apresentações sob o título de "see-through".

As quatro últimas músicas soam quase como um EP avulso ao material completo, já sem nenhum apelo majoritariamente comercial e frutos mais introspectivos e sinceros por parte de Billie, em que ela fala sobre suicídio (Listen before I go), uma relacionamento instável "I love you and I don't want to", de "I Love You" e, finalmente, Goodbye, que tem a letra composta pela união de versos das outras músicas do LP, porém de modo taciturno e aos sussurros, encerrando o álbum transmitindo sensações completamente avessas ao começo irônico e enérgico da intro "!!!!!!!" e "bad guy".



Como qualquer pessoa que atrai muita atenção, Billie, mesmo que tão jovem, já possui uma miríade de haters que amam a chamar de "superestimada" e de atenção não merecida, o que é, naturalmente, uma grande bobagem. When We All Fall Asleep, Where Do We Go não é um trabalho revolucionário, mas não deixa de ser um disco espantoso para alguém de tão pouca idade, e também um esforço auspicioso e que joga, de certa forma, bastante pressão para a continuidade de sua carreira.

Acima de tudo, no entanto, é o retrato pessoal de uma garota de dezessete anos que nasceu com um dom privilegiado e o empresta ao mundo com grande desenvoltura. O desafio maior para Billie é conseguir diversificar seus projetos sem perder a própria essência nem comprometer a própria identidade, algo que Lorde conseguiu com êxito em seu segundo álbum. O primeiro passo foi conseguir se diferenciar e aparecer numa indústria autofágica e ultra-competitiva. Ela já conseguiu isso. A próxima etapa, no entanto, é ainda mais intimadora: provar que não foi um foguete molhado. Se estabelecer no cenário e conseguir se reinventar sem perder a relevância.

O público-alvo dela vai crescer, e a meta é acompanhar musicalmente, para não se tornar como grupos e artistas solo da naipe do Sum 41, Blink 182 e Avril Lavigne, que se estagnaram e jamais conseguiram encontrar algo novo para dizer fora de seu casulo.

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