O Inevitável e Humano Vingadores: Ultimato - Crítica


"Eu Sou Inevitável", diz Thanos em duas passagens de Ultimato, como se buscasse, intimamente, não amedrontar e desmoralizar seus combatentes, mas até reconfortar a si mesmo com tal pensamento, pois por mais sereno, impiedoso e imponente que seja o personagem interpretado por Josh Brolin, Thanos não parece temer a morte, mas se não caminha o mesmo trajeto dos Vingadores de buscar reverter o "desaparecimento" de bilhões de pessoas (trilhões, se considerarmos outros universos), enfrenta os próprios medos ao lutar uma contínua batalha em busca de objetivo, aí tentar se reafirmar cronologicamente como ser fundamental na condição atual de quaisquer mundos; um alguém a ser agradecido.

Com um mundo em frangalhos, Natasha (Johansson) comanda o complexo dos Avengers em vídeo-chamadas com os heróis remanescentes em busca de missões, com olhar desesperançado e angustiado de quem perdeu o próprio propósito, um que a ex-mercenária deixa claro desde o primeiro filme do grupo, em 2012, a salvou da ilegalidade.

O que faz um herói, afinal? São os superpoderes, a força e os recursos, ou a capacidade de realizar mudanças em outras vidas mesmo sem nenhum dom extraordinário? Na contramão da Viúva Negra, Steve Rogers, o íntegro Capitão América, se mantém ativo sem uniforme ou escudo, como um mediador de encontros de autoajuda, um papel que visto superficialmente pode soar penoso e até patético, mas que é encarado com respeito e esforço por Steve, justamente por manter seu propósito inicial, visto no Primeiro Vingador, de 2011: ajudar as pessoas. E para isto, ele vê, não precisa de seus músculos, mas o caráter do bom homem que sempre foi, ainda antes de tomar o soro do supersoldado.


No ostracismo de uma terra decadente e que nunca triunfou como Thanos imaginou após seu genocídio silencioso, justamente por terem o papel de salvadores, os Vingadores, mesmo os que encontraram o próprio caminho deste o final de Guerra Infinita, têm de conviver com o fracasso de sua maior provação, com a incapacidade absoluta de resguardar a humanidade, e é claro que não foste este anseio por ultrapassarem a melhor versão de si mesmos e persistir no objetivo que julgam ser o correta para sua existência, não haveria plot. Mais do que um tremendo blockbuster, discutivelmente o maior evento na história da sétima arte, Ultimato é um sinal dos tempos, que encontra maior perspectiva justamente no cotejo com as produções anteriores da breve história do MCU.

Com a manutenção dos nomes originais de Avengers, ficou visivelmente claro que teríamos um filme-homenagem, ao mesmo tempo em que o surgimento repentino da Capitã Marvel sugeria um novo despertar, uma nova onda após os eventos do confronto contra Thanos, mas também contra o desespero de se ver perdido. São estes sentimentos de desolação e angústia, afinal, que movem tão diferentes personagens, de distintas ideias, estilos e décadas de vida.

Já consolidada como maior franquia cinematográfica da atualidade, os irmãos Russo, que foram verdadeiros Midas ao assumirem o projeto do estúdio no excelente Soldado Invernal, tiveram a tranquilidade e confiança de público e estúdio para explorarem a psiquê de seus heróis caídos e como lidariam com a derrota em generosas três horas de duração, algo impensável quando consideramos um material destinado, primariamente, a um público moderno, imediatista e hiperativo. Quando bem executado, um projeto voa a despeito de seu tempo, e sem dever em nada a grandes produções, Ultimato flutua em sua duração com a mesma desenvoltura de O Retorno do Rei, último espécime de ousadia comparada.

Porém, por mais que tenham assumido a inspiração na filmografia autoral de Antonioni ao abordarem o lado sombrio do glamourizado universo de "supers", Ultimato é um espetáculo tal qual como a Marvel se acostumou a entregar, porém elevado em baluartes de um hype imenso, que poderia engolir o filme, mas encontra endosso em um público mais do que disposto a interagir e, principalmente, gostar do que quer que fosse entregado. Isto, é claro, gera problemas de condescendência em certos aspectos da película, mas menos do que seria esperado.


Pois o material é, ainda que falho, completo. E se o humor por vezes infame, por vezes genial que se se tornou assinatura do MCU independente do diretor, se faz sempre presente para aliviar momentos de tensão, o pesar mancha o ar e perpetua as cicatrizes das perdas sofridas pelos personagens com mais intensidade e determinismo do que jamais ousou a Casa das Ideias. E é justamente por isto que o time original, principalmente a tríade primordial - Thor, Capitão e Stark - encontra o "remédio" para suas almas conturbadas e hesitantes no passado, ao recobrarem o valor do amor, da gratidão e, em suma, do significado pelo que arriscaram suas vidas, não somente por si, mas para fazerem com que outros possam se permitir sentir o que eles, algum dia ou ainda hoje, aproveitam.

Heróis devem ser, acima de tudo, altruístas. Mesmo em casos de ego elevado, como Stark, a compensação está na generosidade, e mais do que todos, é ele quem arrisca tudo pelo outros, justamente ele, quem iniciou toda essa bonança, porém completamente mudado desde que fora um bilionário enriquecido justamente pela fabricação de armas que buscavam provocar a morte, que nada mais é do que a anti-vida, agora representada na figura de Thanos, o Nêmesis absoluto.

Mais humanos do que nunca, falhos, porém embutidos de um otimismo que combate o cinismo que se apodera de nossa era, esses são, afinal, Os Vingadores, e por isso nós e os cidadãos daquele mundo os amam. E para marcar um novo tempo, nada mais justo do que encerrá-lo tornando este episódio uma espécie de balada ao time que começou tudo.


Naturalmente que, mesmo bem-intencionados, assim como seus personagens, os irmãos Russo cometem erros. Nada mais simbólico, então, que um deles, Joe, faça um Cameo como um homem que compartilha sua dolorida história no grupo motivacional de Rogers. Ou seja, outro ser imperfeito. Um modo poético de pedir desculpas por qualquer erro, mas também assumir com orgulho seu trabalho. Não se anula o erro para chegar ao acerto.

Até por isto, um de meus grandes medos para Ultimato se esvai tão rápido quanto as pessoas que desapareceram no pó de Thanos, que seria a óbvia reversão de consequências vistas em Guerra Infinita. Já temos continuações confirmadas de alguns nomes supostamente "mortos", o que destitui a tensão e expectativa por um possível retorno, no máximo para um quando. Sabiamente, o foco não acaba sendo este, mas a já mencionada jornada também interna pelo propósito, e não somente uma novela episódica de salvação. As consequências são, sim, revertidas, mas não sem que outras, desta vez irresolutas, surjam. O filme, é claro, brinca bastante com o conceito da viagem no tempo e os paradoxos causados por isto, mas também sabe levar a sério os próprios resultados, até para reforçar a pegada humana de seus heróis, o que tanto os separa dos deuses da DC, e que atiça nossa empatia e identificação, até mesmo no único Divino presente, Thor, que se mostra o mais mundano de todos em como lida com a frustração.

Porém, se tão bem trabalharam no storytelling do Cap e de Stark, os Russo, assim como Joss Whedon, não souberam como construir devidamente a figura de Hulk, que em Infinity War surgia inútil e com um conflito que jamais é abordado devidamente. É pedido a nós que simplesmente aceitamos seu triunfo, sem maiores explicações. Uma escrita preguiçosa e que empobrece o resultado final, assim como rareia a importância de Ruffalo para o elenco.


E se todos os caminhos levaram a este longa, todos os minutos deste levam ao mais megalomaníaco e esperado clímax do século, no mínimo, num ensaio que acaba parecendo óbvio em tela, como se fosse uma grande fanfic recheada de todos os fanservices possíveis, para suplantar a própria demanda e fazer o básico em oferecer a cada herói seu momento de brilho, num brinde aos fãs. Mesmo que se critique este artifício, o show de conveniências que são as lutas e os momentos forçados, seria difícil fugir disto, já que é o que os espectadores queriam, conforme vi na exibição qual conferi o filme.

Com tropeços pontuais, porém acertos onipresentes, Ultimato é uma miríade completa de gêneros dentro de si. Comédia, Drama, Ação e até Terror em certas etapas. E ainda que seja um Ultimato, não é um fim, e a divisão de tela da luta contra o exército de Thanos simboliza justamente isto. A passagem de bastão para uma nova geração, miscigenada e em polvorosa para buscar seu próprio propósito, enquanto a velha, nossos antigos amigos, finalmente tiveram o suficiente para descansarem.

Consequentemente, mesmo que não seja um fã da Marvel, e eu não sou, a última cena do filme provoca lágrimas e um sorriso de alegria, ao reconhecermos e compartilharmos a satisfação vista em tela, e isto só é provável quando sentimos empatia pelos personagens, não num serviço de exposição contínua, mas de progressão, identificação e desenvolvimento.

O futuro do cinema passa pela Marvel. E assim como Thanos, isto é inevitável. Há um temor pelo arrasta que a produção faz nos cinemas brasileiros. Se não nos resta escolha, ao menos é um vislumbre de otimismo e representatividade. Por hoje, celebramos. Estes heróis merecem.

3 comentários:

  1. "num ensaio que acaba parecendo óbvio em tela, como se fosse uma grande fanfic recheada de todos os fanservices possíveis, para suplantar a própria demanda e fazer o básico em oferecer a cada herói seu momento de brilho, num brinde aos fãs. " Definiu bem kkkk Mas eu simplesmente amei essa parte, não ao ponto de pular da cadeira e gritar como a galerinha da sala da sessão, mas amei.
    Eu realmente estou bem empolgado em ver como será o futuro da Marvel nos cinemas agora, Homem aranha já estar ai e a Marvel vai começar a fazer series então curisos...
    Eu adorei seu texto e como você escreveu ele sem dar spoiler vou mandar para alguns colegas meus o seu blog acho que o lado Marvete deles vai conseguir ler o texto ate o final sem desistir e ir para o celular, ansioso para ver mais textos seus sobre os herois da Marvel e DC

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    1. Ah, eu também curti, às vezes culposamente, o final. Principalmente quando chega a Carol e o Capitão pega o Mjolnir (pirei nessa).

      Opa meu caro, tem mais uns 4 vindo aí. Manda aí que tô precisando de views, haha. Abraços.

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  2. Pois é. Não é que seja um filme perfeito, mas entrega algo marcante demais.

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