Frozen II; A Magia Disney em seu Máximo - Crítica


Frozen, 2013, foi um marco na indústria cinematográfica, galgando sua posição através dos próprios méritos, agradando a crítica e público, angariando as duas polaridades mais desejadas por qualquer obra: prêmios, e o filme levou o principal, o Oscar de melhor longa animado, primeira estatueta da Disney na categoria, criada somente a partir da cerimônia de 2002, e dinheiro, que Frozen também fez muito, sendo até hoje a animação com mais bilheteria da história (trono que só será cedido por sua sequência nos próximos dias, vale dizer), sem contar a incontável soma obtida através de vendas de mídia física e, principalmente, os produtos baseados na série, como bonecas e vestidos, vistos em lojas com assiduidade constante desde seu lançamento, o que evoca seu fenômeno marcante, a ponto de lhe render até um considerável desprezo por muitos que não aguentam mais escutar Let it Go.

Apesar de essa ojeriza ter causado uma mácula em sua imagem e o excesso de exposição que tivemos com materiais ligados a Frozen ter gerado um cansaço, o filme de fato mereceu sua fama, pois a popularidade está ligada com sua capacidade invejável de divertir tanto o público infantil quanto o adulto, em uma narrativa adorável, mas também recheada de elementos maduros e complexos, conseguindo passar valores sem soar didático e em sintonia com os novos tempos, encaixando essas mensagens numa trama bem estruturada, com ritmo agradável, personagens carismáticos e cenários exuberantes.

Seu maior expoente é como subverte o estereótipo (cujo principal responsável pelo estabelecimento na cultura Pop é a própria Disney) do amor verdadeiro relacionado a um príncipe encantando, que costumeiramente aparece para resgatar a princesa de seus perrengues, seja envenenamento, sono eterno ou a pobreza. Em Frozen, o amor não é encontrável somente num parceiro de linhagem nobre e um príncipe não é necessariamente um sujeito íntegro. Em Frozen, o caminho e o destino estão no amor e sororidade entre duas irmãs, a heroína e a vilã se entrelaçam num papel não maniqueísta e a luta não é exatamente entre o bem e o mal, mas sim pela confiança e autoaceitação. A superação primordial é pessoal, subjetiva, uma transformação de dentro para fora, e não contra um mal externo (apesar deste existir também).


Um dos maiores desserviços para o próprio cinema que busca quebrar padrões milenares da sociedade em suas histórias está, por vezes, na força descabida que fazem isto, tornando a militância por igualdade e representatividade não um alcance natural e belo, mas uma visão bélica e muitas vezes agressiva, tomando controle e atenção demais da própria história. Em Frozen, o acerto está justamente em como o papel feminino ganha força de forma orgânica e fluida, ao contrário, por exemplo, de longas como o recente As Panteras, que parece mais focado em reforçar seu próprio viés feminista do que introduzi-lo na história de uma maneira aceitável e simplesmente normal. Isto prejudica o filme e serve de argumento para detratores, resultado que afeta não somente a recepção da obra em si, mas o movimento que luta pelo que ele tenta defender.

Frozen II inicia neste mesmo contexto, em que o universo está em harmonia e são duas mulheres não somente as protagonistas da fita, mas também suas líderes e condutoras. Já está intrinsecamente estabelecido e aceito seu papel dominante, porém não excludente, no reino de Arendelle, bem como sua independência e tenacidade. As forças dominantes do mundo de Frozen são Elsa e Anna, e qualquer outro habitante, mesmo Kristoff, está narrativamente abaixo delas. Elas reinam e não precisam de um rei para isso. Elas bastam.

No entanto, é justamente na superação conclusiva dos desafios impostos no primeiro capítulo, tanto ideológicos quanto cronológicos, que reside a fraqueza de sua sequência. Enquanto Frozen I se desenrolou reativamente, devendo se provar; Elsa buscando a própria identidade e aceitar quem é; Anna descobrindo sua força e que não precisa se submeter a um homem para ser feliz; Kristoff buscando provar seu valor e seu lugar no mundo. Tudo isso enquanto, novamente, desenhava as estruturas próprias de seu contexto, que rejeitavam clichês e o patriarcado.

Frozen II, na contramão, apresenta uma história proativa, num sentido não exatamente bom, pois num reino em suposta paz e com as irmãs felizes, é preciso que uma nova objeção se apresente para provocar a necessidade de um novo conto com os habitantes deste universo. Isto é, o roteiro.


E o gatilho escolhido por Jennifer Lee, a escritora e diretora da história, agora também chefe do setor de animação da Disney Animation Studios, substituindo John Lassester, afastado após várias acusações de assédio sexual e abuso de autoridade, perde justamente a naturalidade e simplicidade que tornaram o primeiro filme tão surpreendente e cultuado. A impressão é justamente a de que não encontraram os motivos certos para retornar a Arendelle, apesar dos seis anos que separam os dois filmes, ao menos não o passo inicial para se iniciar a jornada que apresenta, sim, diversos significados, novas reflexões e mensagens, dessa vez menos centradas nos aspecto ideológicos, justamente por já os ter estabelecido, mas ainda assim primordiais e atuais.

Assim como seu predecessor, Frozen II escolhe dois temas principais de espectros distintos para debater. Um, de relação global, externa; outro, mais subjetivo. No primeiro exemplo, está a discussão ambiental, que pode soar repetitiva, mas sua presença nas mídias e metáforas artísticas após tantas décadas somente ressalta como nada ou pouco tem sido feito sobre a temática. E que a Austrália esteja em chamas, com grande parte de sua fauna e flora sob ameaça, justamente enquanto escrevo este texto, somente evidencia isto.

Já a abordagem mais psicológica parece estar em bastante voga na Disney, visto que também estivera presente nas camadas de Wi-Fi Ralph. Nela, Anna, Elsa e Kristoff servem para discutir o espaço único de cada um mesmo na mais próxima das relações, mostrando a importância de reconhecer que mesmo juntos, cada indivíduo é um ser especial, e sempre precisará do próprio tempo e até resolver os próprios problemas, às vezes sozinho, e isto não significa que alguém ficou para trás e é desnecessário ou insuficiente, e saber entender e respeitar isto é justamente um dos motivos para aumentar o amor entre os envolvidos. Alguns fantasmas e demônios devem ser subjugados somente por nós mesmo, e o máximo que os outros podem fazer é apoiar, sem interferir diretamente. Lee e Chris Buck, os diretores, incorporando a mentalidade dos personagens, fizeram sessões psicológicas para entender e, consequentemente, desenvolver melhor Anna, Elsa e Kristoff, o que mostra a dedicação e primor que tiveram com sua criação.


E é justamente pelo empenho de Lee, que é sábia e metódica em basicamente todo elemento de Frozen II, que deixa ainda mais lamentável a vagueza e pressa do impulso primário que dita a trama. Tecnicamente, é lindo ver como a Disney buscou valorizar e estudar culturas indígenas nórdicas para o filme, que como toda continuação, expande o mundo apresentando anteriormente e acrescenta em sua trama uma tribo inspirada, visualmente, linguisticamente e culturalmente em povos reais de onde Frozen se baseia, na região escandinava.

Felizmente, ao contrário do roteiro, musicalmente, Frozen II sobe uns degraus em relação ao primeiro, e soa mais como uma trilha sonora completa do que seu antecessor, que teve mais no mega hit Let It Go um impulsor para as vendas absurdas da trilha, que em conjunto, contava com algumas canções irritantes e cansativas. Frozen II, se não possuí nenhuma música ou momento tão épico e icônico quanto Let It Go, entretanto, oferece várias faixas marcantes, divertidas e que engrandecem suas cenas, particularmente o inspiradíssimo "clipe" de Kristoff para Lost in the Woods, que parodia os vídeos melosos de cantores teen dos anos 70 e 80, e que também diz muito sobre sua letra e a situação psicológica do personagem no momento - ou seja, além de hilária, possui significado dramático. Pessoalmente, gostei muito de Lost in the Woods, Show Yourself, All is Found e Into the Unknown, que metricamente, é a sucessora de Let it Go e melhor divulgada para premiações, apesar de não ser minha favorita. Lost in the Woods, All is Found e Into the Unknown, além das versões diegéticas, receberam também edições por nomes mais populares do cenário fonográfico, respectivamente, Weezer, Kacey Musgraves e Panic! At The Disco, o que acho sem sentido e até ofensivo aos dubladores, como se suas interpretações não tivessem valor comercial ou radiofônico suficiente, quando por vezes, é justamente o contrário, como a versão de Into the Unknown, muito superior vocal e emocionalmente na voz de Idina do que na do Panic!, o mesmo que havia acontecido com Let it Go e sua comparação com a apresentação de Demi Lovato.


Ao fim, fica uma situação ambígua, pois Frozen II é um filme importante, divertido e recheado de aspectos positivos, mas soa mais como um amontoado de boas ideias com uma introdução levemente frustrante, o que afeta o julgamento de todo seu desenvolvimento e deixa inevitável o pensamento de que poderia ter sido melhor, enquanto o primeiro parece o melhor que poderia ser. Porém, o carisma de Anna, Elsa, Kristoff e Olaf ainda é enorme, e seria muito divertido voltar para encontrá-los - mas somente quando a história for a correta. E Frozen, principalmente, é o que há de mais Disney na Disney nos últimos anos, uma magia inexplicável e que escapa, por exemplo, de seus live-actions. É uma magia que todos queremos, precisamos e merecemos.

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