Os Melhores Filmes que Assisti em 2019
Por tudo isso, meu lado cinéfilo foi relativamente sacrificado. Ainda vi muitos filmes, li bastante, aprendi um bocado. Mas em uma quantidade bem menor que todos os outros anos desde que decidi compilar os valores totais do que consumia. Não me arrependo. Meu foco foi mais em mim mesmo e no exterior do que na arte em si, sem nunca rejeitá-la. Talvez nunca mais consiga os números assombrosos de outrora. Mas foi uma renovação necessária, e talvez ate por isso tenha aproveitado melhor o que assisti do que em outros anos. Não me lamento jamais.
Para se ter uma ideia, em cotejo. Em 2014, quando comecei a registrar tudo que conferia, assisti a 239 longas inédito; em 2015, 281; em 2016, 326; nova subida para 331 em 2017, e então leve queda com 306 em 2018. Isto considerando, vale reiterar, somente filmes inéditos, sem integrar os reassistidos, o que inflacionaria cada lista em uns 30 filmes anualmente, mais ou menos.
Em 2019 foram somente 126 filmes. Uma queda de mais de 150%, e apesar de ter deixado de ver muita coisa que gostaria, tudo foi para um bem maior. Quem sabe apos essa transição eu consiga equilibrar mais o social com a cinefilia. Caso não aconteça, estou disposto a seguir assim, acontece. Estou melhor assim.
Mas agora, sem mais delongas, a lista dos meus filmes favoritos de 2019 (vale lembrar que não são essencialmente os melhores, mas o que mais gostei). O critério é ter sido produzido neste ano e eu o ter assistido. Deste modo, produções de anos anteriores lançados comercialmente no Brasil somente em 2019 são desconsideradas. E também preciso dizer que a lista não tem um numero obrigatório de posições, e sim a quantidade necessária para ranquear todos que achei realmente excepcionais, marcantes, sem enfiar filmes somente para completar quórum.
Confira também as listas de 2017 e 2018.
8 O Farol/The Lighthouse
A Bruxa é um de meus favoritos da década, até aqui, de modo que estava muito ansioso para o próximo projeto de Eggers, que já surgiu se mostrando um visionário maluco que, por mais que vez ou outra exagere no autorismo, jamais deixa de soar autêntico e genuíno, adjetivos necessários e saudosos na indústria atual, comandada por blockbusters acéfalos.
Somente o pude assistir nesta última semana de 2019, fermentando o hype nos meses anteriores com a boa recepção. O resultado foi que eu...me decepcionei um pouco? Menos por culpa do filme, e sim por minha própria expectativa e, é claro, burrice.
Pois o que me fez aproveitar mesmo a viagem alucinada e sinestésica que é O Farol foi a ânsia em buscar entender qualquer metáfora e subtexto sem dar vantagem ao sentimento e somente aproveitar as sensações, como no caso de A Bruxa. O filme, através de sua impecável fotografia preta e branca, o cenário decadente e a proporção 1.19:1, é um espécime mais do que simplesmente um filme de época anacrônico, e sim um experimento sensorial angustiante e febril sobre a natureza humana, recontado através de um conto mitológico milenar para retratar a podridão cíclica a qual estamos fadados.
É pessimista, confuso, difícil, desafiador. E é lindo. Eggers se confirma como um dos grandes a serem acompanhados.
7 Coringa/Joker
Poucas vezes leu-se tanta baboseira ser dita sobre um filme antes de seu lançamento. Palavras e significados que deram vasão a pessoas utilizarem destas acusações para atacarem o filme muito antes de o terem visto, inclusive abraçados pelos próprios taxados, os tais incels. Como tudo tem saído pela culatra ultimamente, este terrorismo débil somente fortaleceu o hype para o filme, o tornando um hit ainda maior do que o esperado, um sucesso absoluto e um respiro muito bem-vindo pro gênero.
Crítica.
Coringa não é essa obra revolucionária que muitos dizem, e ainda é uma produção cara, abastecida por um estúdio forte e com a imagem de um ícone pop que rejeita denominações, longe do status de cult-indie que muitos propagam. Entretanto, nada disto é desfeita ou falta de mérito. Pois Coringa, dentro do próprio nicho, é sim bastante ousado, muito bem feito, com uma atuação central que suplanta e eleva sua própria qualidade, e que nos faz pensar, refletir e indagar sobre a sociedade. Já é mais do que temos visto em quase todo longa milionário por aí.
6 O Irlandês/The Irishman
Que década teve Scorsese, no auge de seus 77 anos, uma exceção que confirma a regra de que um realizador jamais conseguem manter uma regularidade em sua carreira, passando por altos e baixos extremos até definhar. Mas o velhinho sorridente que causou furor por criticar o cinema pasteurizado da Marvel desafia a todos e segue ativo e sempre com longas que estão entre os melhores do ano, versáteis e recheados de virtudes. É um cineasta completo.
The Irishman, um sonho antigo seu, é o epítome de uma vanguarda mainstream no cinema gangster, transcendendo o gênero, como todo bom diretor, e dizendo muito mais do que isso, muito mais do que um filme de nicho, e sim uma grandiosa história, cuja duração inicial assusta, mas se mostra até insuficiente tamanho o domínio e fluidez com que Martin conta a vida dos personagens retratados, que nos faz ficar magnetizados e fissurados sobre cada passo dado, num show de atuações espetacular, através de um conto melancólico que retrata o ocaso inevitável na vida de cada um, por mais poderoso que este seja.
5 Era Uma Vez em Hollywood/Once Upon a Time in Hollywood
A dita aposentadoria de Tarantino, talvez tentando evitar o que comentei no parágrafo de Scorsese, se tornar uma sombra de si mesmo, incapaz de replicar o próprio sucesso de outrora, caso se confirme, deixará um legado cinematográfico inigualável, como um dos maiores gênios desta arte.
Crítica.
Com este pensamento em mente, Tarantino faz de seu novo filme o marco de um cara que parece nem se esforçar mais para filmar, o fazendo com tamanha naturalidade e organicidade que torna a experiência ainda mais fascinante e linda, num conto que não possui necessariamente uma plot, mas soa quase como um documentário ao acaso da vida em Hollywood, a ascensão e ocaso das estrelas, e os bastidores de sua vida, desglamourizando estes indivíduos que por vezes esquecemos serem seres humanos.
O maior diferencial de Tarantino é o tanto que ele ama e sabe o que faz, passando essa paixão como osmose ao público. E como fez em Bastardos Inglórios, utiliza do próprio talento e amor para fazer uma reverência a algo e reescrever a história, tornando-a poética e um louvor a nomes do passado que mereciam mais. Como disse em minha crítica, é uma ode, alucinada e apaixonado, ao cinema.
4 Midsommar/Midsommar: O Mal Não Espera a Noite
Tudo que disse sobre Eggers, substituindo A Bruxa por Hereditário, pode ser dito sobre Ari Aster. E considerando o conjunto da obra, até melhor, pois Hereditário ainda me dá assombros, enquanto Midsommar não sai de minha cabeça, numa destas impressões que, se durante não foram plenamente satisfatórias, até pelo teor perturbador do filme, se tornam, com o tempo, parasitas (risos do spoiler) em nossa mente, ou ao menos na minha.
Não que o durante de Midsommar, o exercício presente de assisti-lo, não seja enlevante, espetacular, pois o é. Jamais previsível e óbvio, cada novo frame, descoberta, é um choque, e não somente pelo visual, e sim no conceitual, dando nova vida ao folk horror, mas jamais se contentando em ser uma homenagem, e sim uma nova referência no gênero.
Apesar do ridículo subtítulo, a ambientação diurna do longa catapulta bem o trabalho magistral do diretor e sua equipe, não somente em aspectos técnicos, mas ao tirar a essência do horror fora do estereótipo deste, através de ações, ou ainda mais, da ignorância que temos, juntamente aos personagens, do que acontece no local, em uma trama de crescente paranoia e senso de perseguição que gruda conosco como se estivéssemos naquele pequeno vilarejo sueco. Sufocante e poderoso.
3 Ad Astra/Ad Astra: Rumo às Estrelas
Quando pensamos no diretor na década, a dúvida é cruel, tamanha a variedade de cineastas com uma tremenda regularidade que tivemos nestes últimos dez anos, desde experientes monstros, como o já mencionado Scorsese e Paul Thomas Anderson, a novatos, como Eggers e Aster, a outros que, por mais que já tivessem carreira iniciada há anos, somente se estabeleceram nestes 2010s, e dentre estes, talvez o maior expoente seja James Gray.
Crítica.
O diretor, cujo repertório começou timidamente e sem tanta identidade, rebuscou sua assinatura em tramas focadas em estudos de personagem, com um nível de profundidade que eleva cada vez mais a dificuldade linear narrativa em busca de expressar melhor a cacofonia interna de suas figuras, desesperados em se encontrar e fugir de si mesmos em meio ao desconhecido, como visto no excelente Z, e agora expandido em Ad Astra,utilizando da imensidão do espaço para simbolizar a solidão e vazio enfrentados pelo brilhante e traumatizado personagem vivido por Brad Pitt, talvez em sua melhor atuação (também num grandioso ano), num esforço intimista inalcançado, por exemplo, em Aliados.
Ad Astra é o ponto alto de um cineasta que se mostra em eterno crescimento, no auge de sua maturidade e confiança. Um trabalho notável e digno da posteridade.
2 Marriage Story/História de um Casamento
Noah Bambauch sempre teve uma voz especial, já começando a carreira escrevendo para um dos diretores mais únicos da indústria, Wes Anderson, enquanto fazia seu nome e ampliava seu conhecimento para uma filmografia individual que dá cada vez mais frutos e se dissocia dos mestres, como Woody Allen, a qual tanto tempo foi interligado pela escolha de suas tramas.
Marriage Story é como uma evolução de seu melhor trabalho até aqui, a Lula e a Baleia, que também é um bom filme, porém recheado de maneirismos e escolhas pouco originais e resgatadas dos nomes que lhe inspiraram. Seu novo filme marca o novo Noah, ou ao menos um aviso do talento emergido do cineasta e roteirista, mostrando como ele é muito mais do que uma réplica vazia ou um Wannabe alguém, e sim extremamente virtuoso e sensível, cuja toda conquista parece ter culminado no estrondo que é Marriage Story.
O filme não deve em nada a Bergman ou qualquer outro cineasta que já tenha explorado o tema do divórcio, como confere uma visão crua e moderna das dores de quando o amor não é mais suficiente para sustentar uma relação deteriorada com o tempo, por palavras jamais ditas, carinhos ignorados e um afastamento gradual jamais remediado, gerando uma ruptura grande demais para se suportada pelo casal, a ponto de não aguentarem mais olhar um para o outro sem pensar em todas as frustrações e tristezas do percurso, e o desejo de que fosse tudo diferente.
O ponto forte, além do forte e pesado roteiro, está na força das atuações de um elenco afiadíssimo, comandado por Adam Driver e Scarlett Johansson, jamais tão bem quanto aqui, que já os candidata fortemente na temporada de premiações (Driver, em minha opinião, merece todos).
Marriage Story é um filme doloroso mesmo para quem jamais viveu uma separação, como um diário a ser lembrado, mas também uma riqueza de lições para que se possa, quem sabe, evitar tamanha ruína. O longa mais humano e delicado do ano.
1 Parasite/Parasita
Na minha lista dos filmes favoritos da vida, as primeiras cinco posições são tomadas por excelentes obras, afinal, as que mais gosto, mas cobertos de nostalgia, pois em sou um grande saudosista. A sexta colocação, entretanto, é de um longa coreano que só conferi depois de já me considerar cinéfilo. E do sétimo ao décimo, novamente, há outros grandes filmes, mas cujo principal referencial está na época que os vi, de modo que talvez não estivessem ali se os tivesse conhecido somente depois de mais maduro.
Assim, em um critério racional e técnico, posso dizer que meu sexto filme favorito de todos os tempos é, de certo modo, meu filme favorito de todos os tempos, e ele é Memórias de um Assassinato, de Bong Joon Ho, sujeito de aparência simples, voz baixa e tímida, mas que por trás das câmeras, mostra ser uma força da natureza selvagem e imparável.
Bong é o que chamamos de um autor, alguém que não somente dirige filmes, mas também os escreve, tomando controle total do que coloca seu nome como realizador. O resultado é uma carreira surreal e, simplesmente, perfeita. Arriscado e versátil, Bong não se contenta somente em contar histórias, mas sim em transformá-las em retratos e espelhos de nossos tempos. O cinema é, afinal, político, e o maior manifesto de um artista é sua obra.
Numa era de efervescente desigualdade social, em que líderes de alguns dos maiores países do mundo se mostram coniventes com a supressão dos mais pobres e estimulam o regime predatório do capitalismo em prol dos próprios ganhos, Bong cria a obra-prima global e até aqui, absoluta, apesar de focada em seu país, a Coreia do Sul, sobre o tema.
O mais maravilhoso de Bong é como sua inteligência anda interligada com seu grande humor, deixando Parasite ser uma experiencia muito além de uma crítica social, mas sim uma sátira da classe burguesa, suas mesquinharias e os famosos white people problems, ressaltando através de sutilezas elegantes como planos sobrepostos da chuva que cai através da enorme janela horizontal da casa dos ricos, mas causa uma enchente na família pobre dos protagonistas. O longa provoca o espectador e o acusa, provocando risos iniciais, até o ponto em que a ferida é exposta e se torna desconfortável até olhar e fazer parte daquilo.
Bong é um dos maiores diretores vivos, e Kang-ho Song, que encabeça o elenco, um ator que não deve nada a ninguém, e é ótimo ver um cinema reflexivo, consciente, mas também divertido e integrado com a realidade, falado em um idioma tao diferente, fazer o enorme barulho que Parasite fez. O cinema da Coreia do Sul está entre os melhores do mundo, e merece mais atenção.
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Potenciais Candidatos que não tive oportunidade de assistir: Uncut Gems, The Farewell, Frozen II, Little Women, Monos, Dolemite is My Name, 1917, Jojo Rabbit, A Hidden Life.
Outros grandes filmes de 2019: The Last Black Man in San Francisco, Ford vs. Ferrari, Knives Out, A Vida Invisível, Toy Story 4, Us, Pain and Glory.
Me decepcionei bastante com John Wick 3 e Bacurau. É isto.
Espero que tenham gostado da lista. Deixe seus favoritos nos comentários. E feliz ano novo.
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