Red: Crescer é Uma Fera (2022) - Crítica

Juntamente ao filme Red, o Disney Plus lançou um documentário sobre a produção do longa, intitulado "Embrace The Panda", focado menos nos bastidores técnicos e mais nas inspirações cotidianos das mulheres envolvidas na fita, entre elas a diretora. É um documentário hagiográfico e autocongratulatório que joga no seguro pra edificar a mística otimista e agregadora dentro do estúdio e a dinâmica progressiva do longa, basicamente só realizado por mulheres. Chama a atenção a naturalidade com que filma a responsável pelos efeitos visuais, que acaba de ser mãe, num relacionamento com outra mulher. É bonito, mas minuciosamente calculado para chamar atenção sobre uma diversidade artificializada que foi exposta mundialmente dentro da casa do Mickey nesta semana. 

Falo sobre a revelação de que a Disney financiou, por anos, políticos republicanos na Flórida, que agora tentam aprovar a lei do "Don't Say Gay", uma doutrina extremamente LGBTQI+ fóbica que pode punir professores, escolas e até alunos que manifestarem alguma ideia sobre identidade de gênero que possa quebrar os "bons costumes". Tudo pela saúde da tradição familiar do cidadão de bem, é claro, rs. É importante frisar, entretanto, que isso em nada repercute com a ideologia dentro dos setores de animação da Disney, o Animation e a Pixar (e outros também podem estar inclusos, mas aqui me foco nesses). São atitudes que vêm de cima, do conglomerado que abocanha tudo sob a marca do Mickey, inclusive os mais rentáveis, como a televisão e os parques. Até por isso, prontamente, os artistas e responsáveis pela Disney Animation e Pixar se manifestaram contrariamente e com decepção acerca da notícia do suporte financeiro ao Don't Say Gay, além de se pronunciarem em favor de seus funcionários e do público não-heteronormativo. A relevância artística disso, entretanto, está no que foi dito de que os executivos, por tanto tempo, têm asfixiado qualquer abordagem mais direta dentro de suas histórias de representatividade das minorias supracitadas, mantendo no máximo uma rápida e implícita sugestão de fundo. É a dinâmica de Luca, mais idealizada por fandom do que expresso no filme, ou o lenhador comerciante barbudo de Frozen que expõe um quadro familiar com seus filhos e marido gay de longe e por rápidos segundos, ou medo de investir na paixão de Elsa pela mulher que conheceu na floresta do segundo filme. Podemos ir até além da animação, com exemplos na Marvel e em Star Wars, quando foi revelando antes dos lançamentos que teríamos "personagens gays" nas produções, para eles aparecerem por microssegundos em tela e logo escondidos. 


Tudo isso expõe uma artificialidade, é claro, não nos funcionários envolvidos nesses filmes, como Red, mas em quem, infelizmente, está na cadeia acima e tem de aprovar o produto final e as ideias incutidas. É algo que, especialmente, expressa a contradição dentro da própria Disney, em querer ser associada ao modernismo para novas gerações, algo vital para se manter relevante considerando seu público-alvo nas animações, mas jogando contra isso por trás dos panos. 

É até triste perceber como a repercussão de Red sempre esteve direcionada para seu aspecto técnico-visual, com muitos condenando esse novo estilo mais caricato e "infantil" da obra, ainda antes de conhecê-lo, e não do conteúdo em si. Após enfrentar uma década difícil, a Pixar vai se reorganizando desde a saída do assediador John Lasseter, que por duas décadas aterrorizou e comandou tudo que saía na Disney Animation e Pixar, lentamente se tornando aquele conservador despótico que ele mesmo criticou em documentários sobre o surgimento da Pixar, quando a Disney queria enxugar todo material criativo para home-vídeo e licenciamento barato. Sob a tutela de Pete Docter, o foco se canaliza novamente em produções originais, e mesmo as mais raras sequências de franquias conhecidas mostram algo novo a contar (Toy Story 4), e assim como Luca, Red é um expoente desta nova vertente. Um filme que se julga menor, vide Onward, e ousa investigar uma nova cultura e dar voz a gente que muito improvavelmente a teria antes. 

E é justamente no visual, que Red funciona melhor. Pode parecer clichê vindo de uma autora de origem asiática, mas a inspiração claramente "animeísca" - algo comprovado no documentário Embrace The Panda" - acrescenta não somente referências aos fãs da animação japonesa, mas oferece novas maneiras expressivas para o estúdio, que só agora percebe poder diversificar seu tom sem sacrificar a essência (em breve, Lightyear parece muito mais realista que o típico do estúdio, por exemplo). A protagonista Meilin, figura autobiográfica da diretora Domee Shi, assim como suas amigas, demonstram várias características típicas dos animes e seu tom exagerado e deliberadamente sensacionalista de demonstrar emoções, como os olhos "celestiais" ao ver algo que lhes apaixona, ou o superlativo modo de gesticular e reagir perante indignações.


É sabido que todo artista tende a levar um pouco da própria história a seus filmes, mas talvez nenhum filme da Pixar tenha sido tão pessoal quanto é Red para Domee. Se isso cria um senso de aproximação e intimidade confortáveis, também possibilidade uma autocondescendência grande para a própria retratação. Shi, que se destacou ao vencer o Oscar pelo curta Bao, lançado com Os Incríveis 2, recria o período da transição da infância para a adolescência e as efervescentes mudanças da puberdade pela sua ótica, fazendo comentários sobre menstruarão enquanto tenta conectar tudo a uma empatia maior de sua própria experiência, interligando um pouco da cultura Oriental com a Ocidental. A globalização e o acesso a meios de entretenimento do leste-asiático ajudam a compreensão da hierarquia e respeito familiares tão enraizados na infância da diretora e Meilin, por exemplo, e a emancipação representada pelo fofo e doce, porém igualmente agressivo e cálido panda vermelho, é uma metáfora que possibilita do uso do lúdico para mesclar drama com comédia. 

Na contramão, Domee parece ter esticado um curta para preencher o roteiro de um longa completo sem saber completar os espaços que ficam entre pequenos momentos de interesse da diretora, algo que se evidencia não no ritmo da fita, já que são tantos estímulos impossíveis de se entediar, mas na validação destas cenas e quem as realiza. Há pouco a se discutir no filme com profundidade fora a própria relação de Meilin com sua mãe e o trauma geracional gerado ali desde sua antepassada que iniciou a questão do Panda. O mesmo se repercute no grupo escolar da garota, que joga em arquétipos fáceis de associação que estão evidentemente pouco interessados no desenvolvimento alheio e mais no estepe de Meilin, conformado em no máximo buscar o riso - ou, vejam a ironia, uma referência de segundos sobre o interesse homossexual de uma delas, enquanto a atração por garotos é usada em toda a narrativa. 


Vejam só, ano passado mesmo, duas obras, um longa e um curta, lidaram com temas idênticos. Da Netflix, Os Mitchell Contra as Máquinas encapsulou todo um drama sobre amar sua família e manter o próprio espaço conforme se amadurece concomitantemente a um uso alucinado de técnicas animadas para colorir aquele mundo e expressar seus personagens. Da Disney, o brilhante curta Far From the Tree, lançado junto com Encanto e que inacreditavelmente não foi indicado ao Oscar, que em 7 minutos é visualmente espantoso ao animar estilo 2D com 3D de modo único e poético, enquanto, sem nenhum diálogo, dá uma aula sobre superar o trauma geracional. O desafio de Red seria mesclar isto na própria natureza e identidade étnica, algo atingido com inferior eficácia a ambos os supracitados. Nisto, serve mais como precursor dentro do estúdio do que exemplar artístico. É um marco por existir, não pelo que é. 

Deve ser olhado com carinho no futuro dentro desta safra da Pixar pós-Lasseter; mais corajosa, ambivalente, carinhosa e global, porém ainda engatinhando dentro do que pode oferecer como mídia além do entretenimento, mas retrato social para compreensão e identificação, acima do riso. É um filme carismático, mas facilmente superável e esquecido, que talvez funcione muito como terapia ou coletânea de memórias animadas, mas que trabalha pouco fora disto, uma situação rara em um estúdio que tanto se orgulha de ser tanto para crianças, quanto adultos. 

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