Tick, Tick...Boom! (2021) - Crítica


É inegável se assumir que há "vibes" para filmes. Um momento que você ouve falar de algo e, ali, urge um desejo efervescente de conferir tal obra que talvez não se repita. Existem filmes, igualmente, que sabemos que provavelmente iremos gostar, ou devemos conferir, mas que talvez não tenhamos a dita vibe para conferi-lo em nenhum momento. O clima, é claro, sempre vai influenciar na sua experiência. A incapacidade de se absorver em tal história por sono, por raiva alheia, algo que lhe foge no momento do esforço de se submeter a uma história, por si só uma atividade passiva. A força de um filme, então, quando você dá o play fora da "vibe", por motivos variados, de conseguir lhe agarrar e impor o próprio universo, criando por si só um clima favorável a ele, deve ser descomunal. Uma experiência devidamente pessoal e compromissada. Se fazia tempo que eu não enfrentava isso, é com Tick, Tick...Boom que fui inesperadamente sugado para a vida de Jon Larson. 

Tudo isto sem ter uma ideia sequer de quem era, o que fez e como agia o personagem principal, uma grande prova da multiculturalidade e acessibilidade do cinema como veículo de emoções universal. Um dos motivos que o amo tanto. Até me enubla o senso crítico, talvez, a pessoalidade com que me relaciono em certos temas de seu protagonista. A maneira que me parece mais interessante de se discutir o longa é justamente por uma temática de idealismo contra pragmatismo, algo que hora ou outra, qualquer pessoa, mesmo as mais privilegiadas, vão ter de se fazer ou encarar, mas é justamente, entretanto, na falta de oportunidade que a decisão assume suas posições mais drásticas, justamente onde se encontra Larson no começo do filme, próximo da crise dos 30 não resolvidos. Em que uma aspiração se torna um "Hobby". 

Isso identifica o protagonista com o público, naturalmente, ao mesmo tempo que afugenta a devoção cega e aceita o lado egocêntrico e egoísta por trás do intenso processo criativo de um artista a se provar, relegando à coadjuvância suas relações, por vezes de modo insensível e cruel, como se estivesse acima dos demais por sua insistência e paixão. Não se trata de se priorizar acima dos demais, mas a completa ignorância ao alheio. Lin-Manuel Miranda, pela primeira vez sob o manto de diretor, claramente reverencia Jon, e não há problema nisto, quanto mais que a morte precoce o mistifica. É algo que se mistura com a experiência e o período pessoal do próprio expectador. Pela visão de alguns, o talento de Jonathan e sua oportunidade de estar em Nova York, sua personalidade cativante e o círculo de amigos amorosos já são um motivo catalisador de inveja. 

Na ótica de como o compositor encontra o apogeu artístico ao equilibrar a vida social com sua carreira, a temática espelha o cultuado "Na Natureza Selvagem", de certa forma, e o famoso "a felicidade só é real quando compartilhada", não como atributo de dependência, mas da sociabilidade como aquilo que nos torna melhor. Como o diretor e sua equipe técnica transmitem isso, humanizam seu personagem e conversam com a dialética narrativa da obra, é um trabalho muito especial se tratando de uma estreia, muito vindo da própria vivência de Miranda, visto suas semelhanças com Larson. 

O apartamento que ele passa grande parte do filme reflete bem o interior conturbado de sua mente, abarrotado seja de gente, seja de móveis e sujeira, poluindo o espaço a uma infimidade de liberdade, como se não houvesse espaço e chance para Jon liberar seu verdadeiro potencial. Não é em vão que sua libertação e autodescoberta se dá numa melodramática, porém poética cena em meio ao espaço arborizado e aberto do Central Park, o símbolo máximo da cultura nova-iorquina de sucesso, mas também sociabilidade e naturalidade. A chuva expurga suas dores enquanto ele consegue ver um horizonte no meio deste purgatório de ver as perspectivas se estreitando. 

É imperial também a atuação de Garfield, certamente a melhor de sua carreira aqui, para transmitir a fragilidade e fulgor com que Larson via os musicais, mas também aqueles que ama, ao menos quando em uma condição "normal". É uma personificação enérgica, espontânea e, acima de tudo, cheia de vida, como suas composições que conseguem criar alma por trás do mais banal objeto imóvel - vide o açúcar.

Em Tick, Tick...Boom!, Miranda consegue fazer mesmo de uma cinebiografia, gênero mais enfadonho e burocrático possível da sétima arte, um produto notável e íntimo. Uma carta sobre o processo criativo, de desculpas, mas também aceitação do por vezes tortuoso esforço de se inventar; e acima de tudo, do amor pelo viver, e aqueles que tornam isso prazeroso mesmo na mais desfavorável situação. 

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