Elvis (2022) - Crítica

Se um filme biográfico costuma ter imposta sobre o personagem-título a assinatura do diretor, talvez poucos realizadores poderiam orquestrar uma simbiose estilística tão unânime quando Baz Luhrmann idealizando a vida de Elvis Presley. Sempre seletivo nos poucos filmes que assumiu em três décadas de carreira, o cineasta adotou para si a extravagância, a intensidade e a fábula para retratar histórias, encontrando beleza na tragédia melodramática. Poucos artistas se encaixariam tão bem nesta temática quanto o cantor nascido no Mississipi. E tal qual ambos, a investida de Elvis por Luhrmann é pouco afeita à verossimilhança, mas sim ao espetáculo. E um apaixonado, vibrante e cheio de energia, mas também trágico, tal qual parece ter sido a vida de Presley.

É importante essa noção pelo fictício, pelo espalhafatoso, pois além de engrandecer a figura do cantor, numa abordagem hagiográfico que busca enaltecer uma figura do artista como um mito moderno, a visão de Luhrmann é sempre extrair da história o mais cinematográfico que há nela. Nisto, novamente, poucos ofereceriam tantas possibilidades estéticas e visuais quanto Elvis, cujo surgimento já aconteceu numa ruptura entre tradições e paradigmas da conservadora e hipócrita sociedade americana dos anos 50, em que requebrar e vestir-se diferente já era uma afronta. O diretor, também, não ignora as influências negras e a injustiça implícita do sucesso do cantor, mesmo que somente regravando canções de talentos negros ocultos. Não como uma crítica ao sujeito, mas ao mecanismo social em voga. 

Tanto como agente ativo e passivo da passagem do tempo, Elvis é retratado com uma ingenuidade indignante ao espectador, perante sua relação de oprimido com o Coronel Tom Parker, num raro papel vilanesco de Tom Hanks. Isso auxilia no engate empático imediato com o jovem, aqui personificado com identidade e não somente idolatria e mimetização por Austin Butler. Na contramão, se há uma escolha equivocada por Baz, é contar a história pela narração em off de Parker, numa narrativa pouco sutil em ressaltar o maquiavelismo do empresário. Todos artifícios para expandir a aura criativa de Elvis, ignorando convictamente também suas falhas, vistas como consequências deste abuso profissional, talvez uma escolha do diretor como fábula, em que a ambiguidade cede lugar ao maniqueísmo. 

Se muitas biografias musicais encontram a catarse em replicações de apresentações, como Bohemian Rhapsody, entretanto, Baz faz de todo o longa seu show pessoal, mesmo nos momentos mais íntimos, em que a própria dor é expansiva. Longe de ser uma excentricidade vazia, o autorismo do diretor expressa a própria trajetória do cantor, iniciando alegre e vivo, mas encarando progressivamente a desilusão e murchar da própria alma conforme vê seus sonhos esvaírem por meio do extenuar que sua paixão de torna, sugado pela ambição e covardia de Parker. 

Baz tenta compensar essa sensação de impotência e injustiça através das relações no palco e com fãs, remédios e vislumbres de euforia ao cantor, que mesmo nos momentos mais frágeis, encarnava o ídolo quando com um microfone, capaz de gerar histeria no público feminino e adoração no masculino. Sob está óptica, é sempre interessante citar John Lennon, que disse: "Antes de Elvis, não havia nada". Um precursor da celebridade contemporânea, em seus altos e baixos, lembrando também o poder maléfico da mídia e de uma cultura despótica na expansão do artista - inegável, em sua proporção, a lembrança de Britney Spears, já tantas décadas depois. 

Não há imparcialidade na visão de Luhrmann a Elvis. É simples em sua história, mas superlativo na expressão artística, tal qual seu retratado. Elvis nunca se destacou nas letras ou sequer nas melodias, mas no gingado e a paixão que impunha vocalmente a qualquer sonoridade, a incutindo no imaginário popular. A criação de uma lenda nunca está em um só elemento, afinal, mas em todo seu poder de se estabelecer no ethos popular, ainda mais em tal época. 

Retrato de toda uma geração e marcante para todas as posteriores, Elvis pode não ser o melhor esforço de Baz, mas talvez o mais emblemático de seu estilo. Se existe cinema popular, é para histórias como essa. Para mentes como a de Baz. E Elvis. Intenso, meteórico e ardoroso no amor e no sofrer. Não em busca da perfeição, mas da eternidade. 

Um comentário:

  1. Bom filme mesmo. Não é perfeito, mas empolga, entretém, entrega o show ao público. Só senti falta, como levemente notado ao ler a crítica, de cenas mais longas de apresentações. Quase ao todo são apenas pequenos momentos de canções, embora ironicamente estejam presentes a todo momento. Tem tb a questão do diretor usar canções fora de época, como visto em O Grande Gatsby, resultando numa mistura interessante.

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