Aloners, O Telefone Preto, Jujutsu Kaisen 0, Tico e Teco e Mais - Textos Letterboxd

E eu que tinha esquecido completamente desse quadro. Fiz uma review bacana no letter, mas não o suficiente pra virar post individual, e pensei comigo mesmo como seria bacana aglomerar algumas para publicar. E eis que eu já tinha tido e iniciado esse ideia algum tempo atrás, risos. 

Então, pra acompanhar tudo que escrevo e assisto sem delay, me siga no Letterboxd

As reviews não estão em nenhuma ordem específica.

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Aloners (2021) - Hong Sung-eun

Um filme de fantasmas vivos. A própria fábula social - ou tragédia - na origem de uma sociedade de eunucos emocionais. A introspecção potencializada por um sistema que reprime a liberdade em busca de rendimento. Como tudo, o capitalismo sabendo explorar e reverter em seu benefício uma questão que castiga quem convive com ela. A autoajuda e o coach como anestésicos desse mecanismo para manter a alienação constante, assim como os sentimentos de culpa e pertencimento por funcionar dentro de uma estrutura, negligenciando as próprias necessidades. A robotização do homem. Não precisa de espaço - vive num quarto onde come e dorme, além de trabalhar num cubículo com outras dezenas de clones. Produz, produz até se exaurir. 

A ode a individualização justamente para bloquear a empatia e consciência de classe. A distração pelos smartphones como combustível que afasta o um do outro. Assim, alimenta-se a rivalidade (ela foi melhor do que vocês este mês, o que farão?) e a impaciência. O silêncio. O medo da solidão, descrito por Freud, transmutado em glorificação e celebração, uma construção midiática e política paulatina e que agora entra em seu auge em busca dos escravos contemporâneos. 

A moralização serve de artifício narrativo, pois acaba ela mesmo sendo uma catarse ao identificado, sem grande efeito posterior, seja no indivíduo, seja no sistema. Reconhece-se o problema, e eu me vejo representado. É o máximo de expressão emocional que se é permitido, até não ser mais. Até onde iremos? A seleção natural irá buscar os mais adequados a uma sociedade sem sentimentos. 

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O Telefone Preto (2021) -  Scott Derrickson

Um filme vendido errado. Seu trunfo não está no horror, mas na ambientação, como os melhores do gênero. Enquanto explora o zeitgeist cultural, brilha ao acobertar tudo numa névoa lúgubre e asfixiante que prende mesmo que em tela não seja veja nada sobressalente. Isso me faz pensar se não se daria melhor como um drama familiar íntimo. Um coming-of-age indie, e não através do exercício de gênero do thriller, que acaba, por vezes, sendo mais vaidade do que útil, gerando até uma decepção quando revelado o Grabber, até então uma figura mítica como o bicho-papão. 

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Tico e Teco: Defensores da Lei (2022) - Akiva Schaffer

Mal se encontra um filme reunido em uma colagem de referências. Conta a seu favor que a maioria das referências e piadas são muito espirituosas e engraçadas, em um tom que surpreende até para a Disney, além de não discretas analogias para tráfico de drogas e vício. Isso na empresa de entretenimento mais inofensiva é muito " uau" - na mesma época em que eles permitem SANGUE em um filme da Marvel. Disney transgressora, rs.

Não tenho nem saudade do Tico e do Teco, ou das tardes da Disney, então não funciona em valor emocional, e sinto que o filme nem quer tanto , e visa mais neste jogo inocente de brincar com um monte de personagens aleatórios de pouco apego emocional a qualquer um (como os live-actions de Baloo e Pumba). Mesmo por isso, ele funciona melhor quando é irônico, como o Sonic feio.

Acaba, em contrapartida, reforçando as cores vivas e imaginativas do 2D contra o realismo plano do 3D, já que um dos esquilos (o 2D, e não sei quem é quem ali) chama muito mais atenção do que o outro, mesmo compartilhando a tela, mesmo que essa animação pareça bem barata e chapada, quase uma rotoscopia estranha.

Enfim, essa onda do Multiverso pelo menos garante algumas risadas safadas e espertas e também deixa o icônico Sonic feio animado como um registro cultural.

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O Peso do Talento (2022) - Tom Gormican

Desta época de revisões históricas e percepção de virtudes em elementos que foram ridicularizados durante um determinado período (Crepúsculo (o primeiro apenas), Robert Pattinson...), Nic Cage acaba sendo um dos mais justamente privilegiados.

A Massive Talent surfa nessa onda e, previsivelmente, o filme funciona melhor como conceito do que como produção. Eu diria até que Pascal parece se entregar e se divertir mais como fã com um olhar apaixonado do que o próprio Cage. O filme comete o grande pecado de ser muito autoconsciente em suas próprias brincadeiras, o que esvazia muito todos os seus joguinhos, além de ser bastante previsível na trama, que fica progressivamente repetitiva e um pouco cansativa na forma como corre, achando-se engraçado e descolada o tempo todo.

Mas tem seus belos momentos, e é notável ver Paddington 2 canonizado na cultura pop (assim como Cage - não ironicamente).

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Jujutsu Kaisen 0 (2021) - Sunghoo Park

Tem seus momentos. Mas a partir de um momento, todos os shonens se tornam um quebra-cabeça previsível, deixando a experiência monótona, impaciente e tediosa. A estrutura é episódica como uma série, não um filme, e a velocidade do ritmo com um desenvolvimento absurdamente rápido talvez fosse melhor elaborada com episódios - depois, no sentido contrário, com o risco de ficar muito verborrágico.

As lutas, no entanto, são deslumbrantes - mas novamente se sabotando com insert songs maçantes, enquanto o final do King Gnu seria muito mais adequado para criar um clima épico.

Fico feliz que o protagonista permaneça introspectivo mesmo quando ganha confiança, e pelo menos não se gaba de sexismo.

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Ali (2021) - Michael Mann

O início apoteótico parece antever uma cinebiografia grandiloquente de um homem superlativo, mas Mann tenta canalizar mais no cidadão por trás da estrela. Nisto, foge da hagiografia, mas também aceita sua arrogância e personalidade como centrais na criação do mito. O próprio Will Smith, que tão facilmente poderia se esbaldar no seu estilo tão caricato para um personagem que de fato exibiu comportamentos exagerados e caricatos durante sua vida, está mais contido e internaliza uma tristeza e insegurança que contrastam com suas palavras. Um método que o ator ha muito abandonou e bem exposta agora pela sua indicacão no modo full-desenho animado em King Richard. 

A desantenção e aparente desinteresse nas lutas para canonizar o homem além do lutador, entretanto, ignora o impossível, que é o boxe como causa para o estrelado de Ali, aí palco para impulsionar a adoração que anda diretamente com outros motivos. A escolha de encerrar num embate antológico, após Isso, acaba sendo bastante incoerente e anticlimática.

O Beco do Pesadelo (2021) - Guillermo del Toro

Comentário muito interessante que li, é como esse filme Seria muito melhor se o del Toro não tivesse levado um Oscar. 

E nem falo Isso por conformismo ou estagnação de se ter atingido um ápice, mas uma mudança de ethos do diretor causada por um buzz que ele claramente não esperava. Um troféu longe de seu terreno não por demérito, mas por cultura da indústria e da academia em si.

Del Toro sempre foi um esteta do fantástico, um grande nerd apaixonado pelo cinema e algumas de suas faces mais marginalizadas. Mas com o tato de transportar esse nicho (o filme de monstro, de Kaiju) ao mainstream. A Forma da Água mesmo, usava de um melodrama básico justamente para aproximar esse maneirismo do grande público, deixando o bizarro em humano sem perder o charme da estranheza. 

Beco do Pesadelo já conta com um elenco estelar demais para o típico Del Toro, naturalmente oriundo do prestígio do Oscar, em seu primeiro longa desde então. O peso do orçamento também é sentido, assim como, é claro, as consequências da expectativa, tanto pelo estúdio mecenas quanto do próprio cineasta em Satisfazer o público e igualar seu último feito. 

Del Toro, logo, parece ineditamente domado, temeroso, sem a liberdade e ousadia selvagem de outrora. Mesmo adotando a embalagem do Noir, uma roupagem convidativa às invencionices e experimentalismos, a proposta de del Toro soa muito como um maneirismo contido e quadrado, embora lindo e alegórico, além de pontualmente inspirado, afinal, ainda falamos de Del Toro, que mesmo inseguro é um cineasta de imaginação e conhecimentos muito acima da media. 

O filme se transveste de cinismo Neste conto de decadência cíclica que revisita memórias como fontes traumáticas perenes, numa ambientação melancólica e que asfixia nas sombras e no clima moribundo do Circo macabro e na tristeza incondicional que acompanha o ocaso inevitável de Cooper. 

Decepcionantemente, entretanto, usa o pessimismo endêmico do Noir como moralismo Didático. Talvez a recepção morna de bait sirva pra Del Toro se desvencilhar da alcunha de premiável e explorar novamente o que o fez verdadeiramente grande.

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E é isso, bons filmes!

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