Thor: Amor e Trovão (2022) - Crítica

A introdução de Thor 4 é bem eficaz em apresentar, desenvolver e justificar seu vilão, Gorr, vivido pelo sempre intenso e comprometido Christian Bale. A imponência física, os trejeitos e a dicção tornam o personagem ameaçador mesmo quando num estado de aparente fragilidade, ainda sem a maquiagem fantasmagórica e sobrenatural que assume de vez quando nêmeses da película. O estado de luto e a indignação perante a indiferença e arrogância dos deuses é um debate recorrente e que poderia, inclusive, gerar certa associação com a figura do protagonista nórdico, cuja trajetória não deixa de ser um tanto trágica desde que lhe fomos apresentados no MCU. O retorno de Jane, postas as circunstâncias, expressa ainda mais essa relação entre a perda e como lidar com isso. São temas sérios, dolorosos e pesados, sugeridos rapidamente de tal forma, mas rapidamente descartados por quase todo o restante da fita, que parece bem desinteressada em aprofundá-los. A introdução em nada representa a constância do filme em si. 

É engraçado, inclusive, esta cena de Gorr ocorrer antes dos créditos que costumam iniciar os longas do MCU, pois o coloca, de certa forma, segregado da narrativa principal. O que vem após ele, pouco se assemelha, em tom, ao sentido ali. Num caráter fabulesco que até poderia funcionar numa linha diferenciada e focada mais neste aspecto, sem todo um peso de multiverso, Amor e Trovão rapidamente anula várias consequências dos últimos Vingadores, nossa última visita ao Deus do Trovão. Comicamente, o Korg de Waititi narra seus feitos desde então, como ficar magro e aceitar seu dom na batalha, "esquecendo" o amor, além de seu olho esquerdo estar milagrosamente idêntico ao original, nem um pouco similar à prótese que recebeu de Rocket. Aliás, a própria participação dos Guardiões, fora um diálogo rápido com Quill que serve para traçar a futura busca de Odinson, é breve o suficiente num desinteresse de ser trabalhado por Taika - aí outro problema dessas franquias interligadas, já que impõem acontecimentos e passagens de filme para filme a outros realizadores. 

Novamente, eu não teria problema nenhum em uma comédia do Thor. Chris Hemsworth já mais do que se provou no gênero, apesar do físico brucutu. Tampouco considero que um filme deve se prender somente a um gênero, mas um que parece tão disposto a lembrar e mostrar traumas e mortes em tela, pondo em perspectiva como a vida de Thor foi marcada por perdas a ponto dele fechar-se emocionalmente, ao mesmo tempo não parece considerar de fato isto como uma carga a ser superada. Tanto no texto geral de acontecimentos quanto nos diálogos do protagonista, tudo vira desculpa para extrair piadas que chegam a ridicularizar sua história. E claro, o humor é um escape da dor. Mas até qual ponto? A função de Jane deveria ser encerrar o ciclo que vem desde o primeiro filme do personagem, um de seus únicos lembretes, visto a disparidade de estilo entre ambos, além de servir para evoluir e dar uma resposta à jornada de autoconhecimento de Thor, mas a luta dela pelo câncer parece ter pouca importância não-verbal ao Deus.

E mesmo que tivesse, o filme faz pouco esforço para compartilhar a urgência e alarme da doença, assim como a periculosidade de Gorr, que são diluídos em meio a piadas sem fim e apresentações de novas figuras que parecem sempre mais como produtos de uma sitcom do que dispostas a estabelecer um arco dramático com consequências sérias. A passagem no palácio da onipotência, por exemplo, deveria ter séria repercussão no MCU, com o reconhecimento da existência de tantos deuses e figuras poderosas em seu panteão, mas é apresentada e preterida sem muita cerimônia nem relevância, como mais um dos cameos vazios que o MCU se especializou. Mesmo as ideias visuais são um tanto preguiçosas e de um ócio criativo, tanto quanto a atuação de Crowe, completamente automático no papel de Zeus, seja no lado cômico seja no parrudo. A impressão é a de autoparódia. 

Se Chris se mostra confiante e seguro ao ser retratado como um guerreiro bobão, descontraído e de bom coração, Bale e Portman são plenamente desperdiçados na película, com personagens que parecem de outro mundo. A Poderosa Thor, ou Jane Foster, quase que literalmente, visto a supracitada discrepância de tom entre o primeiro Thor e o mundo agora visualizado por Taika, exala uma dramaticidade incompatível com o Thor atual, algo visto também na plot da personagem. Tanto a Jane quanto Portman não se proliferam na comédia. Já Bale se entrega e demonstra potencial de construir um antagonista marcante, temível e amedrontador, mas tal qual a Hela de Cate Blanchet, é esquecido por grande parte da narrativa para subtramas menores que parecem ter pouca função fora gerar risos e enrolar, não se justificando nem no orçamento, cujos 200 milhões pouco são vistos em tela - algo recorrente nesta fase do MCU, aliás. 

Tal qual uma sitcom, ainda, Amor e Trovão possui várias cenas curtas bacanas isoladamente. Piadas engraçadas, referências divertidas e algumas sequências de ação inspiradas. Como uma unidade, entretanto, há uma linearidade trôpega e broxante, com vários elementos que não se mesclam, gerando uma sensação onipresente de frustração anticlimática. Waititi possui uma carreira notável na sua terra natal, mas seu estilo despojado de seriedade e focado na leveza e descompromisso não parece casar muito com uma figura tão trágica quanto Thor, já que mesmo num estúdio conhecido pelas piadas, a continuidade só é relevante pelo senso de urgência, algo que o cineasta não parece capaz de gerar. 

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