Dragon Ball Super: Super Hero

A história de Dragon Ball já percorre 38 anos em 5 décadas diferentes, acompanhando distintos ethos, mas se mantendo relevante a múltiplas gerações, seja os velhos nostálgicos, seja os mais novos. Um feito e tanto. Muito disso vai da capacidade de adaptação de Akira Toriyama, qual os mais atentos e pesquisados da obra saberão identificar. Isso pois a trama de Dragon Ball, iniciada sem uma pretensão de fim (quem imaginaria estrondoso sucesso?), foi sempre repleta de incógnitas e "ses". Era pra terminar no Freeza, depois no Cell; Gohan deveria se tornar o protagonista com a morte de Goku. Mas o mangaká, a contragosto ou não, sempre conseguiu moldar o desejo editorial (vindo dos fãs, certamente) em suas obras sem perder a qualidade e o próprio espírito, reformulando e incrementando a mitologia. 

Uma das alterações mais drásticas certamente foi o tom, inicialmente muito apoiado num humor ingênuo e bem "slapstick", especialmente na fase criança de Goku, aí se alternando para uma seriedade crescente de acordo com a ameaça dos inimigos, culminando na fase Z, que basicamente deixa de lado este traço, tão amado pelo autor, visto em suas outras obras. Até por isso, ele passou um bom tempo distante dos Guerreiros Z, até relegando a outros profissionais suas histórias. O retorno, em Super, certamente passou por uma concordância e liberdade em retomar, pelo menos parcialmente, essa leveza perdida - sem perder, entretanto, o foco na ação. Com personagens mais expressivos e caricatos, como a figura de deuses onipotentes, que nesta posição de tédio carregam justamente uma soberba cômica, Super retomou um humor já envelhecido, porém nostálgico dentro da saga Dragon Ball.

Dragon Ball Super: Super Hero, parece surgir justamente como um acerto de contas do autor com algumas dessas pendências esquecidas pela história, tanto sua afeição pelo humor, quanto por personagens clássicos negligenciados e ostracizados pela megalomaníaca escala de poder crescente dentro da franquia. Falo, naturalmente, de Gohan e Piccolo. O filho de Goku, que por tanto se insistiu carregar um potencial maior que seu pai, além do guerreiro Namekusei, outrora nêmeses principal, mas posteriormente relegado a um papel coadjuvante e rapidamente derrotado em estágios iniciais, são rostos queridos dentro do universo, coadjuvantes que merecem notoriedade, ainda que esporadicamente, visto que Dragon Ball se centralizou quase que unilateralmente em Goku e Vegeta. 

Portanto, já é precavido se perceber essa diferença ao investir tempo no novo longa de Dragon Ball, qual eu considero, essencialmente, uma atitude positiva e bem-vinda após tantos anos sem uma novidade de fato dentro da saga que não o puro excesso e novas transformações. Como supracitado, porém, Toriyama apenas ajusta esses personagens e seu humor para mesclar com a assinatura que os fãs tanto amam, visto que tanto a megalomania quanto novas formas estão presentes dentro de Super Hero, mas aí como elementos menores dentro de uma trama que é, por natureza, contida. 

É uma tendência de Toriyama quando disposto a resgatar esse saudosismo, buscar dentro da própria obra conceitos precoces de sua mitologia, e a presença da Red Ribbon expressa bem este sentimentalismo, bem como o teor mais intimista da ameaça, permitindo aí a ausência de Goku e Vegeta sem quebrar o cânone. Nas figuras do Doutor Hedo e dos androides Gama, se encontra a paixão pela inocência e pela diversão da aventura contra a emergência apocalíptica das facetas de Cell e Freeza, e a pouca seriedade transita por quase toda a trama, enquanto Piccolo avalia a situação e o enredo usa desculpas para mostrar rostos conhecidos sem muito comprometimento fora o fanservice básico. O contexto em que Vegeta e Goku se encontram, especialmente, faz esse aceno para ficar tranquilo. 

O texto faz questão de brincar consigo mesmo e algumas piadas recorrentes dos fãs, como a "inutilidade" de Kuririn ou a nerdice indolente de Gohan - até mesmo aí fazendo um comentário indireto à falta de competência paterna de Goku. No entanto, quando se estabelece o ato final, como costumeiro aí dentro do próprio Dragon Ball, o longa sabe trocar o tom para não perder o senso de alarme e usufruir do grande status de Dragon Ball como Shounen, com batalhas épicas, bem dirigidas e montadas para revelar os golpes e extrair emoção e empolgação num show de exibicionismo técnico, até por isso usando de um inimigo bestial e completamente desumanizado cuja única função é mesmo ser destruído e golpeado sem nenhum peso consciente de mantê-lo vivo ou explorá-lo. É tudo uma permissão para o brilho dos personagens em tela, até culminar na catarse através de Piccolo e, então, Gohan. 

E muito por isso, o longa serve como celebração do sucesso de Dragon Ball. De sua fama que, como dito anteriormente, enfrenta o tempo com agilidade, e também o carisma de seu universo, criando uma história irresistível e fascinante somente com figuras coadjuvantes, quebrando recordes de bilheteria e aclamação. É um presente de e para Toriyama, que entrega o que os fãs mais curtem e reforça que o brilho de sua ideia vem de vários gêneros e faces. Por isso perdura, e por isso seguirá no topo. 

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