Trem-Bala (2022) - Crítica

Quando David Leitch, codiretor do primeiro John Wick, deixou a cadeira das sequências exclusivamente para Chad Stahelski, presume-se que seria para usufruir de uma autonomia na realização de suas obras, após décadas trabalhando em coreografias, e não ficar apegado a uma só franquia. É curioso que tenha dirigido, então, longas do universo de Velozes e Furiosos, além de uma fita do Deadpool. Talvez uma forma de ganhar renome e renda para financiar seus projetos pessoais e esbanjar vaidade? Isso poderia explicar o investimento dado a elenco e produção de Trem-Bala, um filme que parece carregar muitas idiossincrasias que costumam ser destinadas a um nicho específico demais para grandes orçamentos. O resultado final, entretanto, parece trair o autorismo do diretor. 

Ou talvez sirvam justamente de escola para um estilo que se define, afinal, mesmo com décadas de trabalhos no cinema, a confiança atual não se expressa em experiência como cineasta principal. Leitch, desvencilhado do universo de Wick, parece ter se despojado da seriedade mais umbrosa do personagem e adotado uma caricatura cheia de humor, acidez e velocidade no ritmo e montagem, lembrando bastante a assinatura de Guy Ritchie. Tanto em Deadpool quanto Velozes, conseguiu imprimir melhor as produções deste humor irônico e negro para embalar a ação, aí também esvaziando a trama, mas beneficiado pelo pouco interesse coletivo na história de quem buscou esses filmes. Em Atômica, o roteiro adaptado dispensou uma elaboração pessoal do texto, justamente por isso potencializando o estilo de Leitch, certamente o mais similar que o diretor fez de Wick.

Se o cineasta gosta do eclético ou busca uma definição maior ao associarem seu nome a longas específicos, entretanto, Trem-Bala parte definitivamente para o espírito jocoso da ação, na contramão de Wick, que por mais absurdo que esteja se tornando nas sequências, nunca perdeu a sobriedade climática de seu mundo. Em seu novo filme, Leitch imediatamente nos situa num cenário caricato e brincalhão, através da figura de um Brad Pitt em sua persona mais desinibida e irreverente, discutindo ao telefone sobre terapia e zen. A trama, interligando diversos personagens bem cartunescos em uma plot bastante desvairada e diálogos rápidos ao modo Tarantino, é outra aproximação ao cinema de Ritchie, especialmente no começo de sua carreira, com a presença de Pitt remetendo diretamente a Snatch.

Desta forma, a ambientação japonesa é menos geográfica do que calcada em estereótipos para justificar e expandir um senso de surrealismo do que se passa em tela, quase tudo dentro do auto-referido Trem-bala. A lembrança ao cinema de Ritchie é gritante ao ponto de se questionar o plágio. Ainda mais com este voltando às origens em seus últimos títulos, após anos afastado em blockbusters sem personalidade. Entretanto, a abordagem de Leitch, que mira na autoironia e na imersão através do riso, com personagens sem desenvolvimento, mas com características fortes e marcantes - caricatas - esbarra na ineficiência para atravessar suas mais de duas horas reforçado seja no humor ou na ação. 

O resultado é como uma autoparódia ruim, algo como Waititi fez em seu último Thor, em que a falta de seriedade não serve mais como objetivo, mas sabotagem. Isso pois o excesso de tramas e personagens, bem como suas interações e as situações-limite orquestradas para gerar o máximo possível de pirotecnias em tela, são prejudicadas na montagem e filmagem, um grande avesso às coreografias elaboradas, realistas e bem ritmadas que tomou o cinema de ação desde o próprio Wick. É como se na disposição para construir sua própria marca além do filme que lhe lançou, Leitch retrocedesse e perdesse o principal valor que lhe valeu tal status na indústria. 

Assim, o que deveria ser uma experiência tresloucada e imersiva num sincretismo nipo-americano, é tão somente uma fita de potencial desperdiçado, cansativa no humor e aborrecida na ação, com um elenco irregular entre o afiado e o enfadonho. Um produto que parece mesmo de muita vaidade e pouca inspiração. 

2 comentários:

  1. Ufa, eu não estou louco. Tem gente que tá defendendo esse filme nível "melhores do ano". Eu vi e achei bem mais ou menos. O ato final empolga mais que o resto do filme, e sinto que isso é preocupante. Não me incomodei tanto com o humor, apesar de as vezes forçarem, mas me incomodei com os ganchos pra quebrar o clima "parado" do longa: Ora colocavam umas cenas de ação rápidas só pra dizer que tinha, ora colocavam umas cenas de pouca importância narrativa com uma música lá no alto pra despertar a empolgação do público. Eu gostei das tramas se interligando, mas foi cansativo o resultado. Se tivesse umas meia hora a menos o resultado teria sido muito melhor (ou menos pior).

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    1. Eu no geral ouvi comentários neutros ou negativos, poucos empolgados. O estilo da narrativa pode ser nova pra muita gente. Mas tendo referências tão melhores, fica evidente como é fraco o filme. Uma pena, esperava bastante.

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