A Casa do Dragão/ House of the Dragon E4 - Desejo e Tesão Como Símbolos de seus Personagens

Aos mais incautos, Game of Thrones sempre foi uma série de choque, seja pela violência, seja pelo sexo. São características que ajudaram a carregar a fama e o apelo da marca, tudo muito leniente, afinal, falamos de um período Medieval, fantasioso ou não. Fora a imagética e a retratação, frequentemente bastante eróticos, uma grande virtude da obra, entretanto, não está na gratuidade, mas sim no significado destas cenas, nesta opulência sexual, no esbanjar de corpos, bonitos ou não, desnudos em tela perante o coito. Uma narrativa que se justifica e manifesta sua grandeza através do prazer visual, mas também do desenvolvimento que vem junto consigo.

Em House of the Dragon, ainda somente arranhamos esse caos visto em Game of Thrones, mas espiritualmente ele segue lá. E no episódio 4, exibido na noite do dia 11 de Setembro, tivemos o primeiro exemplar de como uma grande obra consegue se aprofundar e oferecer significado atrás do que poderia ser simples exposição física.

São 3 cenas, diluídas em poucos minutos, duas delas intercaladas no que parece uma simultaneidade temporal, mas ainda assim oferecendo muito mais um jogo de simbolismo como intencional, por si só se caracterizando como uma montagem paralela. Enquanto vemos Alicent por um Plongée, pouco importa a figura de Viserys, expondo suas costas desfiguradas e pútridas. É o olhar contemplativo, monótono e soturno da Rainha que expressa toda a fúria calada por trás da consternação de seu papel, antes contestado pela Princesa Rhaenyra, mas também sua única forma de demonstrar poder naquela Sociedade e tempo. Sem o berço e privilégios da Princesa, a rebeldia não é uma opção, mas sim a submissão e aceitação da hierarquia. De seu ventre vem o baluarte para clamar território. Não diretamente, mas sempre por ela. O amor é descartável num mundo em que o útil se sobrepõe à felicidade. O jogo, afinal, é dos tronos. A dinâmica é o poder. 

Viserys, na contramão, apesar de ser o agente de ação em tal cena, jamais revela seu rosto, e o ato qual pratica tampouco lhe oferece imponência, somente asco e até pena perante a visão de seu corpo. Já incapaz de dar prazer, o ato sexual se ilustra como uma forma moribunda de revelar soberania. Num reino em que cada vez mais parecem lhe surgir obstáculos e algozes, a coroa se mostra cada vez mais figurativa. É um monarca que definha.

Já fora dos portões da fortaleza real, Daemon e Rhaenyra usufruem dos prazeres mundanos da ralé. O flerte entre ambos finalmente se confirma na penumbra de um bordel. O desejo de conquista e surpresa de Daemon, entretanto, são aplacados perante o fogo de Rhaenyra, tanto sexual quanto metaforicamente por sua personalidade crescentemente ígneos. Ele tenta a posicionar de costas, mas ela vira e busca o olhar. A ânsia de Daemon tropeça na firmeza da Princesa, e pela segunda vez na série, o personagem, tão brutal e selvagem em batalha, brocha. Um homem cheio de ambições, mas frustrado sempre que parece próximo de agarrá-los. É, também, o primeiro vislumbre da nova Rhaenyra. Rejeitando postulantes a marido por toda Westeros a desgosto de seu pai, ao contrário de Alicent (mas também por privilégios de sangue), ela não se sujeita, como encara, enfrenta e busca o papel ativo, independente das dinâmicas de gênero. Daemon não pôde lidar.

Criston Cole, do contrário, é o manipulado da equação seguinte da Rainha, ávida pelo que Daemon não pôde satisfazer. É ele quem cede aos caprichos de Rhaenyra, quando e onde ela quer, abandonando seu posto. 

São 3 cenas que, em uma produção inferior, nada poderiam oferecer fora a vaidade visual. Em A Casa do Dragão, o esmero técnico de transmitir o ardor e tesão que emanam da tela e seus personagem são veículos para desenvolver as dinâmicas de poder, personalidades e situações exibidas através do puro calor carnal. Duas cenas de sexo resumindo toda a série e seus personagens.

Pode ser um pequeno detalhe, mas um que engrandece a qualidade e carinho de um universo vasto e rico não somente textual, mas visualmente por trás de suas camadas. Uma boa história não basta. Deve-se saber contá-la. E hoje, House of the Dragon deu um exemplo disso. 

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