Gato de Botas 2: O Último Desejo (2022) - Crítica

Vivemos numa era do novo normal. Influenciados pela pandemia, variados elementos do cotidiano tiveram sua realidade alterados mais do que momentaneamente. Os efeitos disto no cinema como um todo ainda são desafiadores e uma incógnita após o público se mostrar bem adepto a um circuito alternativo de concomitância com o streaming, que já se torna um adestrador contemporâneo bem ferrenho do espectador comum. Seguimos no que parece inevitável, que é o cinema como um palco para eventos. Tal como shows, teatros. Não uma oferta semanal múltipla. Mas experiências únicas, sazonais e grandiosas. Onde fica o cinema de animação nisso?

Eternamente subestimado e relegado a um imaginário infantil, desde antes da pandemia, é um estilo que mitigava em competição com as opções vastas e infinitas em serviços como o youtube. Se nem mesmo a Pixar consegue a garantia do sucesso - muito pelo contrário -, acaba sendo uma via inevitável de rever esse método de produção e distribuição, para não entrarmos em debates mais complexos do porquê longas mais unidimensionais como o universo de Malvado Favorito segue sendo um dos únicos oásis financeiros das animações no cinema. 


Após anos de fracassos, críticos e monetários, a Dreamworks parece, finalmente, estar com um pé à frente da outrora maior rival no quesito, ao se render ao maior fenômeno animado dos últimos anos, o Aranhaverso. Barateando o custo e inovando estilisticamente o suficiente para se afastar da crescente saturação com o 3D realista que marca a animação Ocidental desde Toy Story, o estúdio já teve um sopro com Os Caras Malvados, e agora, em Gato de Botas 2, encontra a oportunidade perfeita para se lançar com mais ênfase no mercado, além de ressuscitar o interesse de sua maior franquia. 

Mas nem só de interesses de produtores vive a tardia sequência do felino lançado em Shrek, felizmente. Revertendo todas as previsões, esse O Último Desejo se mostra mais consciente, criativo e coeso em sua proposta do que mesmo a Pixar vem apresentando. 

Se a técnica pareceria somente uma surfada na onda da tendência recente, é bastante inteligente atribuir um tom fabulesco a uma obra dita como conto de fadas, e portanto, se Aranhaverso foi feito como que saído de HQs, Gato de Botas 2 é como vermos um livro do tom, aqueles infantis, que permeiam as prateleiras para crianças em livrarias.


Mas não quero me contradizer, afinal, não é por ser uma animação que o filme se torna infantil. Mas tampouco o contrário. Tal como Shrek e qualquer desenho que se preste, o charme e a sensação que gerou tamanho interesse e elogios à obra esta nesta pluralidade de camadas, já que diverte além do óbvio, sem subestimar seu público, além de oferecer referências e um texto rápido que ganha significados de acordo com a experiência do público. 

Gato de Botas 2 consegue aprofundar e explorar a mitologia de Shrek e fazer tudo que seu predecessor tropeçou, em de fato explorar o felino como um personagem, e não somente um arquétipo cômico e sedutor. A jornada espiritual e psicológica do mosqueteiro é complexa e envolvente, novamente, com tons subjetivos que vão criar identificação com alguns, e no mínimo empatia com quem tenha o privilégio de não passar por situações similares. 


São questões adultas sem jamais sair do reino do lúdico, com um trabalho talhado de acordo com o ritmo e o teor do momento, seja alterando a taxa de frames e até o aspecto da animação, se aproximando mais do 3D ou do desenho à mão por vezes, causando um estranhamento gostoso e impossível de não identificar, mesmo que não se explique. 

É uma espécie de road movie que sabe dosar a piada com a emoção, o frenesi com a contemplação, de modo que a ação não empolga somente pela arte e a direção, mas também pela profundidade dos sujeitos que cercam a tela. Nada ilustra mais isso que o antagonista do filme, o temível e sombrio lobo com voz de Wagner Moura, não ser somente um vilão, mas de fato um propulsor ao gato de botas. Não é uma história de sobrevivência, mas de aprendizado. 


A DreamWorks cria a perfeita fábula do Século XXI. Cheia de adrenalina e estímulos visuais, com cores chamativas e personagens magnéticos. Mas ao contrário dos vizinhos da Illumination, entende que o riso é somente temporário, não esquecendo sua origem, com uma narrativa inteligente, emotiva e cativante. O moralismo não precisa ser chato. E a diversão não precisa ser oca. 

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