A Delicadeza no Fim do Mundo - The Last of Us Episódio 3

O imaginário popular é permeado de certos valores e esquemas, a despeito da situação. E o extremo serve justamente para evidenciar isto numa situação de risco. É por isso que o amor está mais exposto e palpável quando limítrofe e não convencional. E não falo, aqui, somente de orientação, mas é claro que do apocalipse. A tragédia nos move, e a poesia se condiciona através da tristeza e do pesar. Há muito que a ficção, a narrativa, encontrou neste espaço um meio de funcionar, de cativar, envolver e se proliferar. De se fazer sentir. 

É fácil imaginar vários exemplos situados em situações como tal, que buscam a delicadeza em meio ao caos, quando os sensos estão mais extrapolados e, de fato, discernimos, em desespero, o importante do banal. É uma espécie de eterna tragédia humana esta busca incessante por algo que sempre está lá, e só valorizá-la, enfim, assim. Até por isto, a arte usa tanto deste meio. Ao final do recente "Don't Look Up", por exemplo que finda num melancólico e emotivo jantar no limiar do fim do mundo. Ou a comédia dramática "Procura-se um amigo para o fim do mundo", que gêneros à parte, já expressa no título essa negação da solidão. Não se busca a sobrevivência, o materialismo ou a experiência egocêntrica, mas a coletiva, o companheirismo. 

Vou passar o resto da vida citando Chris McCandless, de "Na Natureza Selvagem", por ser o caso mais mais popular e memorável disto, com sua célebre frase "A Felicidade Só é Real Quando Compartilhada". É curioso e cruel imaginar, entretanto, que ele precisou encontrar a solidão extrema e se ver no limiar do partir para perceber isto, e não quando decidiu abdicar de sua vida e abandonar toda sua família, até agressivamente. 

Em "The Last of Us", num cenário até genérico e saturado de apocalipse zumbi, o grande charme está no quanto nos importamos pelos personagens naquela situação, e não somente na gameplay como ação. Talvez no jogo isto seja mais unidimensional pela tensão de assumir a atividade da trama, mas como mídia audiovisual seriada, ou seja, passiva, acaba sendo imprescindível trazer a empatia justamente para qualificar o suspense. É por isto que o game atravessou o nicho e chamou gente como eu, que pouco de importa com este universo, para jogá-lo. Porém, ele não sobreviveria somente como adaptação apoiando-se na fidelidade, por mais que os gamers vão odiar isto, e este terceiro episódio serve, como autonomia criativa, um exemplar que fortalece os melhores pontos do jogo, como se liberta como plataforma multimídia, justamente ao lembrar esta máxima inigualável e eterna que enfrenta todas as eras da arte: a busca pelo companheirismo. 

É divertido escrever sobre retroativamente, quando recordo da carta de Bill "Eu odiava o mundo e fiquei feliz quando todo mundo morreu", justamente por perceber o esquema dessa contradição, algo similar ao supracitado Chris, assim como tenho certeza de que muita gente se identificaria com tal pensamento, ao menos de imediato. Toda conversa sobre o "e se" num apocalipse descamba por esvaziar livremente prateleiras de lojas e supermercados, ouvir música alta ou invadir mansões alheias. Mas até quando isto iria suprir um senso de propósito e satisfação? Não sabemos de fato, mas podemos conjecturar. 


Talvez, após os 4 anos, quando encontrou Frank enterrado, Bill já estivesse fadigado da solitude. O fato de ter feito uma armadilha para capturar algo vivo e não a escopeta anterior expõe isso. Ou foi somente sorte de não ter caído numa armadilha anterior? Seu olhar e estilo de vida paranoico são de um conspiracionista deslocado da realidade que parece ter sido bem isolado, a contragosto, numa era pré-pandemia. Se nascido hoje, talvez fosse um incel, um channer e afins. Mas vamos parar antes de traçar uma linha incontornável de antipatia.

Quando no lançamento da série, influencers privilegiados já comentaram e levantaram muita expectativa sobre o "3º episódio de TLOU". É natural se imaginar um episódio sangrento, absurdamente tenso, ou então a morte de Tess. Acaba sendo surpreendente este golpe vir justamente do mais calmo, humano e sensível meio possível. Mesmo na fantasia (ou algo assim, um sonho de cada um, acaba sendo também uma peça de fantasia idílica?). 

Mas só até percebermos que, para qualquer um que ainda não esteja preso na fase de Bill ao início da pandemia, a parceria, a compaixão, amizade ou romantismo, tornam qualquer atividade mais prazerosa, mesmo que esta possa ser executada sozinha. Algo que o próprio Joel vem redescobrindo com Ellie. Ouvir uma música, fazer uma refeição, tomar um vinho. Ou comer morangos. 

"I've had a lot of bad days."
"I've had bad days with you too."
"But I've had more good days with you than with anyone else."

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