Pokémon Horizontes: Review

O choque de uma modificação do que era tão constante após mais de duas décadas e meia é sempre muito abrupto para se aceitar alegremente. O legado de Ash será eterno, e somente na imposição do novo é que percebemos, talvez, que uma mudança seja realmente bem-vinda e interessante. 

Não saberemos nunca, provavelmente, as razões desta nova direção do anime Pokémon sem Ash. Mercadológicas, certamente, mas quais exatamente? As adequações ao novo mundo, novas formas narrativas para gerações atuais, previamente adaptadas na própria jornada de Ash, até que se chegou um ponto em que parece ter encontrado um limite. Sua personalidade já foi bastante planificada, comportamento suavizado para se tornar mais inofensivo, mas não havia de fato um novo caminho para um objetivo inserido lá no começo da aventura. Até que ponto se pode descaracterizar alguém calcado somente na nostalgia? É um ato de respeito, acima de tudo, aposentar nosso lendário amigo e agora mestre Pokémon, ao menos por enquanto.

Mas este não é um post sobre Ash. Já o fiz. E sim para discutir, um pouco, a mudança imediata mais distinguível nesta nova etapa do anime de Pokémon. Liko, a adorável nova protagonista, apresenta ao menos uma similaridade clara na jornada do garoto de Pallet, que é a relação inicialmente conturbada com seu primeiro Pokémon, e isto acaba conversando bastante com a própria personalidade da personagem. E para por aí. Enquanto Ash sempre foi bastante unidimensional e direto em seu objetivo, somente aguardando a idade de iniciar a jornada, Liko entra num artifício narrativo clássico, que é a jornada do herói. Primeiramente reticente em adentrar uma aventura, a ela é imposta, por condições maiores, o núcleo do épico. As peças do tabuleiro começam a se apresentar, ainda sem papeis definidos, mas rabiscando os princípios do anime acerca do bem e mal e suas questões primordiais. 

A personalidade introvertida de Liko não é devidamente nova no anime, já que é um estereótipo bem usual na franquia em personagens femininas, como Lillie e Chloe, em um grau maior de semelhança nesta personalidade mais retraída e insegura, em busca de confiança e seu próprio caminho - ao contrário destas, porém, ela ama os Pokémon, no que acabam sendo até um refúgio de sua retração em relação ao mundo humano e suas demandas sociais. 

Enquanto a jornada de Ash foi quase que exclusivamente exterior, com uma evolução técnica e raros momentos de internalização de conflitos - e sempre relacionados a batalhas -, Liko já entra em nossa trama com um claro arco psicológico e emocional a se traçar. E nisto não falo em vencer a introspecção, o que infelizmente a mídia costuma retratar com um estigma negativo de inferioridade e com ares defeituosos, mas aprender a conviver e aceitar tais traços não como intimidadores, e sim somente diferentes e com suas próprias qualidades, encontrando seu próprio lugar no mundo com dúvidas e medos, naturalmente, porém sem se deixar derrotar por estes. Em suma, uma figura mais humana e menos arquetípica e simbólica. 

É uma jornada interior, algo até básico, mas pouco explorado no anime que conhecíamos até aqui. Já quanto à trama maior, Horizontes já deixou claro que, assim como Pokémon vinha arranhando nas últimas gerações, a dinâmica linear de ginásios é passado - de certa forma, parece que até as batalhas darão de vez lugar a um slice of life, novamente algo que se tornou mais frequente a partir de Sun & Moon. Se situar numa escola já evidencia isso, mas também não devemos viver na monotonia. Só espero que haja um equilíbrio inteligente entre o que seria um coming of age do amadurecimento da personagem, seus conflitos internos e sociais, com a aventura maior, que já surge meio megalomaníaca, o que sempre me deixa receoso. Há um grande charme em somente ver uma criança descobrir seu potencial, vencer seus medos, conquistar amizades e simplesmente explorar o mundo Pokémon, o grande clamor de fato da franquia - e o momento destes dois episódios que melhor expressa isso é a chegada ao dirigível, em que Liko conclui se deve confiar ou não no pessoal ao ver o bem-estar dos Pokémon locais. Um momento simples, singelo e belo, que também define nossa nova protagonista.


De resto, tudo seria redundante e teórico, um tanto chato e especulativo. Episódios semanais fillers como o anime se habituou ou o foco direto num arco maior? Haverá uma clara progressão cronológica ou novamente estaremos parados no tempo? É bastante agonizante, mas igualmente empolgante se ver num cenário de incógnita, mistério e expectativa com o futuro dessa querida franquia. 

Os primeiros passos foram dados, e neles, Pokémon Horizons conseguiu minha atenção. Pelos motivos certos. 

Nenhum comentário