Clube dos Vândalos (2023) - Crítica

Falar em cinema de desconstrução se aproxima demais de um pejorativismo e reducionismo antiartístico atualmente, quando tão banalizado foi o termo. Mas é difícil rejeitar tal significado nesta fita, "The Bikeriders", em tradução livre, Os Motociclistas, aqui utilizando o nome do grupo que protagoniza o filme. A obra de Nichols se inicia quase como uma ode ao movimento, certamente uma atitude que pegará os desavisados incautos. Como um clipe country saudoso. Nichols, entretanto, mesmo na fantasia, sempre buscou um certo realismo cínico, sem extraviar a beleza do que se estraga, com certo lamento por tal perda. 

Nisto, tanto sua filmografia quanto The Bikeriders, em questão, são um lamento nostálgico não sobre a queda de um grupo de motoqueiros, tampouco o lamento de uma América perdida. Mas sim a elegia do que nunca foi, o desejo do que poderia ser, ou é, dentro da cabeça de alguns, e um retrato micro da falência social de tantos grupos, ungidos num ideário masculino de agregação. 

O universo de Bikeriders é sedutor, e Nichols faz questão de já iniciar sua epopeia com tal idealismo idílico. A figura hedônica de Austin Butler, calado, misterioso, belo e livre, reforça isso. Como uma versão +18 de Conta Comigo, fugir da polícia, se envolver em brigas e fumar como uma chaminé são um comportamento de rebeldia, liberdade e masculinidade. Pois todo o conceito de um clube de motos, quanto mais um nos anos 60, é um encapsulado fetichista do macho alfa liberto. Sem verdadeiras obrigações, se integra para andar por ai fazendo pose sobre as esbeltas motos, amplificado pela manada do grupo, beber, fumar e paquerar como um selvagem. Clube para os desajustados, é difícil discordar de muitos que venham a fazer parte de tal alcunha. Não como rejeitados, mas como uma busca para justificar a discriminação. Não são poucos os comportamentos a serem reprovados. Quase como um desafio de Nichols para os maridos sorrirem sob o julgamento da parceira. No fim, somente um manual do homem moderno em busca de um primitivismo perdido. Somente teórico. Um escape imaginário e visual. A jaqueta de couro somente como vaidade, esvaziada de simbolismo. 

A intenção de Nichols em criar uma mística tão atraente até certo ponto é fatídica em reforçar a desolação dessa ideia somente como fantasia, e de curto prazo. A misoginia enrustida, a irresponsabilidade, as brigas e suas sequelas, da quase perda do pé até a morte, o preço do idealismo chega bem cedo a todos os envolvidos, num caminho de autodestruição até que não se sobra nada fora uma lembrança bem célere do que já foi. 

The Bikeriders não nega, entretanto, a camaradagem interna e os momentos de prazer atingidos da simplicidade. Os passeios com os companheiros, as risadas e jantas em acampamentos ao redor da fogueira e o vento batendo no rosto. Mas Nichols evita o culto de tal filosofia, atestando para o que poderia ser. Como a própria América, criando delinquentes através de famílias disfuncionais desassistidas, que leva ao futuro dos Vândalos, e a um ideário de masculinidade tóxica e bruta que trai o senso de liberdade por uma disputa incessante por ganância. Se dissipa qualquer propósito e começa a se perder na névoa como um sonho juvenil. 

Nisto, o personagem de Austin Butler é mesmo a figura messiânica de tal simbolismo. Charmoso, provocativo e completamente vazio. Sem ambições, desejos, somente o prazer da brisa e do sol batendo ao rosto. Não à toa, é um sonho perdido, apesar de sempre presente. A liberdade e a camaradagem tão fugidias num mundo em desintegração. Uma miragem como o sonho americano. 

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