Liga da Justiça: Snyder Cut (2021) - Crítica

É admirável, até emocionante, a paixão de Zack Snyder pelo que faz, assim como o universo que tentou construir pela DC. Se o fator financeiro sempre desponta na mente de nós, mortais desconfiados e pobretões, quando surge alguma polêmica de relançamentos e refilmagens em obras milionárias de Hollywood, o cineasta foi categórico em recusar pagamento para ter seu comentado corte final. Um filme, ruim ou bom, é o filho, o produto de uma equipe, mas principalmente, de seu diretor. E após a saída de Snyder durante as produções do original devido ao suicídio de sua filha, Joss Whedon reformulou toda a produção, bagunçando completamente o filme em um nítido conflito criativo de interesses. O resto é história, e eu acho muito bonito como elenco e fãs abraçaram o diretor em seus clamores pela versão imaculada que ele visionava. Porém, eu realmente não tinha nenhuma expectativa quanto a melhora no corte, pois o comando do DCU pelas mãos de Snyder se mostrou um completo desastre, e só com a saída dele que o universo cinematográfico da editora começou a se endireitar, sendo várias de suas assinaturas/vícios (os slows excessivos, o clima lúgubre) responsáveis pela baixa qualidade das produções, inclusive os piores momentos do longa que iniciou a retomada da franquia, em Mulher-Maravilha.

No entanto, a experiência terrível qual enfrentou em 2016, com certeza mudou muito a pessoa que Zack é, e consequentemente, seu trabalho. Zack Snyder's Justice League, no inglês, seu primeiro filme desde então, é descendente direto de tudo que parece ter o assolado desde então, o que significa uma alteração até mesmo da ideia primária que Zack tinha do projeto. 

A temática toda do filme envolve assuntos que cercam o luto, como a morte, a fé e as complicações familiares entre pais e filhos, ou a ausência destes. A principal modificação positiva do longa, inclusive, vem na história de Ciborgue, que ganha um tempo em tela digno que serve para humanizar um personagem tão negligenciado em 2017. É ele a figura que liga não somente várias pontas soltas, mas também o clima da obra através de sua origem. Assim como o Flash de Ezra Miller, completamente desconexo e irritante no original, tão célere quanto sua habilidade, e só não esquecível pelo quão detestável consegue ser. Sua jovialidade ainda destoa bastante do restante do time, já que mesmo Ciborgue, de idade parecida, atua em contraste pelo que viveu e como lida com isso. Há um resquício de humor marvelesco aqui, mas reduzido ao nível imposto por Whedon em busca da réplica dos seus Vingadores. Na dinâmica entre os personagens, é justamente a comicidade constrangedora e débil de Barry o elemento mais irregular das interações, servindo a um propósito de aliviar a tensão do filme, quando é sua intensidade dramática carregada que pela primeira vez casa bem com a atmosfera pesada e densa que Zack sempre quis embutir nos longas, mas forçando demais um visual descompassado com as tramas rasas e tolas. Neste ponto, há uma aproximação ingênua e fantástica com o cinema de Shyamalan, traçando uma veracidade cartunesca e sentimental para coincidir a fé com a esperança, mesmo no mais improvável dos casos, ou no mais escuro dos becos e mais temível dos confrontos.  

Ainda que sem requintar muito a trama em si, que afinal busca a ação como resolutividade, sendo, neste aspecto, mais como uma premissa estendida sem rebuscamento e corpo do que um grande texto, a formação do coletivo, que no filme de 2017 fora tão ridiculamente apressada e, portanto, enfraquecendo os protagonistas daquele mundo, e logo, todos seus conflitos, o foco em passados ou mesmo simples amostragens de uma vida fora de seu alter egos, converge para uma empatia compreensível tanto na relação da Liga e seus olhares, quanto nesta troca térmica com o espectador. 

Se Ciborgue e Barry recebem um grande acréscimo de tempo, Diana e Arthur se beneficiam da cronologia natural de seus longas solos lançados neste ínterim, tendo na memória do público suas personas formadas e solidificas, por mais que, no caso dele, o tempo aqui seja anterior ao que vimos no Aquaman de 2018. Ele é majoritariamente abastecido, mas também preenche dúvidas e enriquece aquela experiência, e isto só reforça o previsível e estúpido erro de planejamento da Warner em ter apressado o lançamento de Justice League para tentar rivalizar com a Marvel, matando assim a franquia por um bom tempo, e também tantas produções isoladas, necessitando de uma reconstrução que talvez até hoje eles ainda não saibam como fazer, e as cenas do epílogo ainda talvez deixem a possibilidade da sequência interligada com o que é visto aqui, quando toda a história parecia fadada a um esquecimento dentro do próprio universo do selo. 

É admirável que com os $70 milhões, Snyder tenha conseguido alterar toda uma estrutura que parecia catastroficamente imutável, modificando inclusive o compositor da trilha sonora, atenuando, mas ainda sem conseguir evitar completamente, o cenário apocalíptico completamente artificial e gamificado do clímax, assim como a falta de carisma do vilão, Steppenwolf, que apesar de ter alguma explicação de suas razões, não são suficientes para torná-lo um ser complexo e não somente um ditador unidimensional, algo que a Marvel tão bem trabalhou em Thanos. 

Ao fim, é bem fácil optar e estabelecer qual o Liga da Justiça definitivo, aquele que deve ser recomendado em caso de dúvida. É uma fita com suas falhas bem óbvias e imaturas, e isto era esperado, pois como supracitado, a mão de Snyder já tivera sua liberdade e não sucedeu bem na construção da franquia. É o fardo e tristeza da perda, aliás, que dão uma forma e um significado neste projeto, algo que provavelmente estava fora ou reduzido no roteiro de sua versão de 5 anos atrás, que provavelmente seria pior, mas ainda assim, mais coesa que a cacofonia de Whedon. 

Gostando ou não, é de se respeitar a determinação de Snyder, que concebe um filme tão pedido pelos fãs, mas também um grande desabafo dirigido a si mesmo. Os tão magníficos e divinos heróis da DC, algo que por muito os distancia de nós, são, finalmente, aproximados do mundano pela dor de seu idealizador. Uma obra estritamente parida em sua própria circunstância.  

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