Mortal Kombat (2021) - Crítica

O canal no youtube da HBO Go liberou, no começo dessa semana, os 7 minutos iniciais do novo longa de Mortal Kombat. Passado no Japão Medieval, mostra as origens de Scorpion e Sub-Zero, duas das mais lendárias figuras do panteão da franquia (e ambos falando seus idiomas nativos, japonês e chinês, respectivamente). Seu tom é sóbrio e sombrio, as coreografias bem orquestradas e humanamente possíveis, assim como a violência extrema e explícita. Serve de introdução para a história que virá a seguir, exalta os fãs por um respeito aos games, e imediatamente o afasta do estilo cartunesco e gamificado da película dos anos 90. Em suma, é um blockbuster moderno, levando a sério sua trama e personagens independente do quão absurdos estes são. 

O debate entre ser sério e assumir a galhofa de sua origem, porém, é um debate infrutífero. Depois de 2 longas tentando explorar uma pegada mais Lovecraftiana de horror existencial, Godzilla só recebeu um produto devidamente digno e divertido ao abraçar o cinematográfico puro. Do contrário, porém, o melhor Batman do cinema está na trilogia obscura de Nolan, talvez o precursor e disseminador desta busca obcecada pelo realismo atrás de tudo. Fato é, porém, que muitos blockbusters têm falhado justamente nesta escolha narrativa. A DC só se encontrou quando deixou de lado a composição fria de Snyder e adotou as cores vivas e os conceitos mágicos do seu universo. É preciso, acima de tudo, saber trabalhar com seu material. E o começo desse Mortal Kombat, até podemos dizer, parece um bom filme de artes marciais, com uma dignidade imperiosa fornecida pelos atores, o grandioso Hiroyuki Sanada (Scorpion), que sempre carrega suas interpretações de sabedoria e melancolia, e o ex-lutador Joe Taslim, bem encarnado no espírito impiedoso e brutal do soldado gelado. 

Mas talvez, e só talvez, você devesse se contentar com estes sete minutos e imaginá-lo como um bom curta da série, com produção decente e escolhas de casting conscientes. Pois os cerca de cem minutos posteriores traem quase toda a fidelidade e qualidade vistos aqui, em escolhas que conseguem unanimemente irritar tanto os fãs do material precursor, quanto quem só espera ver um bom filme. E a tentativa de manter uma estética discreta e um clima grave para tudo que acontece, tal como vimos em Batman x Superman ou Liga da Justiça (o Snydercut), não auxiliam muito a comoção de vermos tais personagens em tela.

Talvez, nos primórdios da produção, o diretor devesse ter percebido que quem melhor funcionava naquela dinâmica era o Kano de Josh Lawson, justamente o personagem mais debochado e despojado da produção, sem grandes ambições e objetivos, movido divertidamente por grana e uma impulsividade psicopata. Isso não o torna menos nem mais desenvolvido que os outros, cujo maior aprofundamento moral se dá por ter família (o velho artifício preguiçoso), e sim mais sincero e lúdico. São seus diálogos e jeitão hediondo que melhor soam verídicos e aproveitáveis, ao passo que a aura meditativa e o tom calmo de Liu Kang e Kung Lao ou a preocupação familiar de Cole são enfadonhos e, aliado a um terrível casting, enfraquecem os personagens, sendo estes clássicos queridos ou inventados inexplicavelmente pelo roteiro. 

Por sorte, Mortal Kombat é a adaptação de um jogo de lutinha, famoso justamente por isso, seus golpes e frases prontas. Logo, não teria como o filme perder muito tempo com enrolação, e então partir logo para uma pancadaria bem ensaiada e filmada. Não exatamente. Primeiramente, a plot é a própria antítese do título, uma busca pela extinção do torneio, mas se o significado literal das palavras ainda persiste pelos combates tenderem a ser, de fato, mortais, novamente esbarramos na busca pelo realismo freando o potencial cinematográfico e fantástico da obra. Ora, um personagem solta laser pelo olho, o outro cria bolas de fogo do éter, um invoca gelo mesmo na baixa umidade, outra tem asas e um é uma armadura veloz (?). Verossimilhança com o nosso mundo e seus limites é a última preoupação e exigência do público que vai atrás de Mortal Kombat, mas é o que o diretor disse ter buscado e pedido para os responsáveis pelas lutas. E elas são, deveras, bastante críveis. Mas lutas reais não são exatamente legais de ver. Quer dizer, tem gente que curte um MMA, mas por favor...Limitar humanamente os confrontos entre seres com poderes até ilustra alguns golpes bacanas, mas que logo tornam-se repetitivos ou brutos. E a contradição da resiliência destes logo expõe a frivolidade da escolha. Eles são humanos para bater, mas certamente de outra espécie para receber e resistir. 

O sepultamento fatídico desta opção se dá na trilha sonora genérica de Benjamin Wallfisch, que preenche as cenas como um prédio cinzento de arquitetura contemporânea, maximizando a falta de graça das coreografias. Quando o imponente e contagiante tema surge, já é tarde demais para animar e empolgar as batalhas.

26 anos separam o primeiro filme de Mortal Kombat deste reboot, e a única lição que o tempo trouxe regrediu o que já não era muito bom. Serve bastante de produto do nosso tempo e essa era de blockbusters pedantes, insossos e tão pasteurizados quanto seu excesso de CGI. Marvelizados. Em suma, a melhor adaptação de Mortal Kombat para as telas ainda é a que, na verdade, inspirou os jogos: Enter The Dragon. 

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