Minamata (2020) - Crítica

A presença de Johnny Depp, para o bem e para o mal, é o que define a existência e repercussão desse Minamata, algo que prejudica não somente o filme, mas também o ator. É uma dicotomia, um dilema de produções de um país que se passam em outro, problema enfrentado frontalmente por Minamata, vivenciado no interior do Japão, mas falado quase todo em inglês - e filmado na Sérvia, viva a globalização. 

Por melhor intencionado que seja, porém, Minamata é um filme americano em sua essência e estrutura, algo expresso pelo protagonismo de Depp, cultivando sua aura, apesar do status de cult perdido e basicamente a única coisa que deve ter lhe associado a uma fita tão pequena, devido ao recente ostracismo por Hollywood pelos desacordos com Amber Heard. 

Isso prejudicou, então, o ator, que faz um bom trabalho desprezado por sua vida fora das telas, mas principalmente à história real que inspirou o filme, baseado na contaminação de décadas que os habitantes de Minamata sofreram pelos dejetos químicos descartados pela Chisso, empresa que move o comércio e emprego local, mas na contramão, lhes tira a vida. Incapazes de gerar comoção por eles mesmos, a comunidade busca o renomado fotógrafo W. Eugene Smith para trazer publicidade e atenção às vidas esquecidas da vila de pescadores. 


Por mais que pareça uma clara situação de "white savior", o contexto histórico ajuda a explicar um pouco a ignorância do governo japonês, ávido pela progressão tecnológica e comercial após séculos de atraso, assim como a fachada americana por se apresentar humanista e generosa, quando foram os próprios Estados Unidos os estimuladores desse capitalismo desenfreado no país nipônico. A contradição se apresenta no rosto cansado e no comportamento niilista e alcoólatra do Smith de Depp, que se espelha muito na vida do próprio ator, numa fase decadente da carreira, uma sombra de si mesmo enterrada em tantas escolhas duvidosas, porém ainda com o benefício de conquistas passadas que lhe permitem uma última empreitada, aceita mais por desespero financeiro do que empatia - o que também deixa pronto o arco de redenção tipicamente Ocidental, um dos aspectos que fazem desse, espiritualmente, um longa anglófono, apesar de se passar no Japão. 

A história factível não deixa de se misturar com artifícios narrativos por várias vezes, como seu romance surgido durante o trabalho com a local Aileen (porém, manipulado em tela quando na vida real terminou rapidamente em divórcio, ainda antes do lançamento da revista em que a trama de Minamata foi exposta ao Ocidente). Entretanto, se a arte imita a vida ou o contrário, é o próprio ocorrido real uma história de horror, por mais delicado que seja o olhar nas vítimas distorcidas, contaminas, algumas congenitamente, pelo mercúrio impregnado nos peixes pescados pela comunidade, dieta base possível por sua localização, ao mesmo tempo em que o conflito é pesado pela dependência econômica da maioria das famílias com a fábrica da Chisso. Uma tragédia do capitalismo, também retratada no recente "Dark Waters", estrelado por Mark Ruffalo e dirigido por Todd Haynes. 


O diretor Andrew Levitas, em meio ao texto que flerta com o melodramático, entretanto, mescla esses mecanismos extravagantes do cinema americano para cativar um público carente de estímulos com a introspecção sensível do cinema japonês, que afinal, é o meio para se respeitar e retratar as vítimas pelo crime que sofreram, tanto os mais conscientes quanto aqueles que vivem inertes e incapazes de sequer abrirem os olhos e serem autossuficientes pelo envenenamento de mercúrio, algo ainda mais revoltante pela história do país com as consequências nucleares - aí outra contradição do auxílio americano no presente - a intenção é soar o alarme ou meramente a vaidade e riqueza? 

Minamata serve muito bem como introdução a um capítulo obscuro e tenebroso da história do mundo, cercado de contradições narrativas que fazem uma boa ironia com as reais. É inevitável pensar que outro diretor, até outro ator - não por talento, mas por comportamento - trariam mais luz ao filme, ao mesmo tempo em que ele só ganha atenção por sua "indicação" à nova categoria do Oscar, a #FanFavorite, esta possível pela comoção dos indignados fãs de Depp. É, também, infelizmente uma distração por sua persona polêmica. Porém, se busca atrair simpatia por alguns métodos tipicamente "cinematográficos" de envolver seus personagens, não deixa de também saber como respeitá-los e igualmente edificar a atitude japonesa de resolver seus próprios problemas, se não sozinhos pela vista grossa de um governo que até hoje pretere a saúde de seus habitantes pela tecnocracia e um desenvolvimento robusto e frenético - não à toa, existe um termo japonês para se referir especificamente à morte por excesso de trabalho, o karoshi


Talvez não seja o meio ideal de ser exposto a um momento tão importante e triste - também repetitivo - do comportamento humano, mas ainda é um exemplar do poder do cinema em contar as mais improváveis e necessárias histórias. Mais do que Johnny Depp, um romance ou empresários, Minamata é um conto de pessoas que até hoje sofrem por ação e negligência de seus próprios pares, e merece ser descoberto como tal. 

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