O Homem do Norte (2022) - Crítica

Desde sua estreia com o primoroso A Bruxa, em 2015, Eggers se destacou pela estética que conseguiu imprimir em suas idealizações, independente do enredo, com roteiros até simplistas em termo de história, mas nababescos na climatização, economizando no trabalho de câmera, mas o fazendo com eficácia e estrondo em transmitir suas intenções pelo poder da imagem e suas expressões além do texto. 

Em O Homem do Norte, Eggers faz seu filme mais acessível e comercial até aqui, com um orçamento digno de blockbuster, mas nem por isso abdica de seu estilo minimalista e autoral, e até por isso, coincidindo demandas do estúdio, seus princípios e uma necessidade maior de cativar o público comum em busca de lucros, o diretor enfrenta seu maior desafio em transformar o poder da imagem suficiente numa era em que grandes produções cada vez mais se apoiam na exposição textual e estrangulam a criatividade narrativa. 

Há de se considerar como The Northman, no original, foi vendido de maneira tão manipuladora que mesmo eu, íntimo do trabalho do diretor, esperava uma abordagem mais "popular" por parte do cineasta do que a que me foi imediatamente exposta no cinema, numa frontalidade visual e objetividade temática simples, porém carregadas de um estilo claramente típico de Eggers. Este é, a despeito do orçamento, um filme digno de seu realizador. 

Um dos motivos que devem ter atraído Eggers a Northman, aliás, é o folclore nórdico e suas possibilidades, visto seu fascínio pelo oculto e "paganismo" sobrenatural vistos tanto em A Bruxa quanto em O Farol, tudo por uma temática dúbia que mescla a discussão social implícita com a fantasia como narrativa estabelecida. É uma devoção apaixonada pelo próprio potencial do cinema, nesta óptica, inserindo a complexidade humana junto com suas crenças e filosofias para um resultado devastador e aterrorizante, quase que lovecraftiano.

Não que seja, igualmente, um exoticismo caricato ou até xenofóbico, pois jamais há uma perspectiva cristã na visão de Eggers, somente fascínio e interesse pelos atos, rituais e culturas menos disseminados popularmente nos EUA e países infiltrados por suas mídias. Em Northman, especialmente, a feitiçaria e brutalidade dos rituais potencializam a crueza e misticismo de uma obra, novamente, que não se contém no silêncio de seus personagens, mas na expressão pela mise-en-scène, seja na tela, seja na trilha não-diegética, mas apoiada em instrumentos, vocais e coros nórdicos que nos mergulham no tempo e espaço em tela. 

Eggers e seu diretor de fotografia, Jarin Blaschke, evitam os cortes e driblam as adversidades climáticas para gerar fluidez em planos-sequência que, como ensina o cinema, expandem a imersão na obra, algo ainda mais primordial numa história vertical, quase que numa missão só, com pouco espaço pra preâmbulos. Quando o faz, como no acréscimo da personagem de Anya Taylor-Joy, é justamente para desenvolver seu protagonista acima de uma besta selvagem, enriquecer o folclore temático do longa, além de carregar o drama da experiência que por vezes flerta com o contemplativo através da névoa ocultista de seu xamãs, feiticeiras e crenças preternaturais. 

Mesmo na brutalidade selvagem de suas cenas e da presença física intimidadora e indomável de Skarsgård, entretanto, Eggers não deixa de adornar a narrativa com uma linguagem de lendas e mitos que já fora visto em seus dois filmes anteriores, seja na fábula de O Farol, seja no folktale de A Bruxa. A acurácia histórica e simbólica Viking, ela mesma, não teria tanta necessidade, mas brindam a atmosferização e contexto temporal da fita. Nisto, mesmo seus caprichos pelo belo se explicam, distante do que poderia gerar acusações de glamourizar a violência. 


Northman, ao final de seus exuberantes e excitantes 137 minutos, é o resultado não somente de um assunto ou temática instigantes, mas de um diretor maduro, apaixonado e ousado que abrilhanta tudo em que toca, sendo o realizador aqui o grande trunfo, não sua inspiração. Um homem que entende a mídia que trabalha e o que quer atingir com ela, a despeito de seu gênero e história. O que, por si só, faz o cinema melhor numa era de crescente aridez. 

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