Crítica- O Regresso(2015).
O Regresso/ The Revenant, dirigido por Alejandro González Iñárritu. |
Baseado em partes no livro homônimo de Michael Punk, a história é focada em Hugh Glass, um americano exilado entre os índios que serve de guia para um grupo de conterrâneos caçadores em um local pouco amistoso do país, que ainda atravessa conflitos com tribos de Sioux e Pawnees. Após ser atacado por um urso pardo fêmea, Glass é gravemente ferido e abandonado por seus companheiros. Após milagrosamente sobreviver, parte em busca de vingança contra aqueles que os deixaram covardemente para a morte.
Com um orçamento gigantesco ($135 milhões, muito acima da média do diretor. Birdman, por exemplo, custou $18 milhões), logo no início podemos observar a boa utilização do investimento. Se a escala épica não permitiu a Lubezki e Iñárritu orquestrarem mais um gigantesco plano-sequência, o artifício é pontualmente utilizado de maneira surreal. A sequência inicial é frenética e intensa, bela e de tirar o fôlego, não ditando o ritmo que teremos nas 2 horas e meio de projeção, mas revelando o ambiente tenso que acompanhará a trama. Todos os planos sequências acompanham momentos de extrema dificuldade, como lutas e perseguições. É alucinante acompanhar a fluidez e naturalidade que os supracitados diretor e diretor de fotografia conseguem passar, mesmo com a tamanha complexidade exigida.
Lubezki, aliás, me fez ponderar algo que achava incabível. Apesar de seu grande trabalho em Birdman e Gravidade, quando assisti Árvore da Vida, disse para mim mesmo que jamais veria algo filmado de maneira tão bela e sutil. Agora estou em dúvida. The Revenant é uma obra de arte, onde cada cena poderia facilmente ser emoldurada no Louvre. Não estou exagerando. A beleza com que filma as paisagens e as transforma em figuras com vida é assustadora. Soa contemplativo, mas não exagerado.
O infinito vazio. |
Que sua parceria com o cineasta mexicano perdure por muitos anos. Ambos transformam a região gélida em que se encontram os personagens em uma ambientação estonteante, sim, mas temível. Sua grandiosidade transmite uma desesperadora sensação de solidão e inquietação. O vazio e infinito branco que parecem engolir os pequenos homens, ínfimos e insignificantes em sua arrogância e selvageria.
Selvageria, sim, somos todos selvagens. Em uma simples e marcante cena, Glass observa uma alcateia de lobos cercar e atacar cruelmente um Bisão. Apesar da distinção de espécies, nós cometemos, à nossa maneira, as mesmas ações. Os homens que traem seu guia por egoísmo e covardia. Os franceses que exploram e abusam dos nativos. Os próprios índios, que tiveram sua terra tomada, roubam e matam para comercializar mercadorias. Em nosso instinto por sobrevivência, somos capazes de tudo. Somos lobos.
E nessa ambiciosa e crítica abordagem, é essencial o papel do 3º elemento dessa tríade abençoada: Leonardo DiCaprio. Talvez a atuação mais visceral de sua quase impecável carreira; o ator utiliza com esmero sua atuação corporal. Com poucas falas, seu personagem passa grande parte do longa debilitado e impossibilitado de falar, e é aí que Leo brilha. Sua expressão de angustia e impotência ao observar atos hediondos com pessoas que amava, sua perseverança ao não sucumbir às desfavoráveis condições que enfrentava, tudo isso é transmitido por sua rígida e impaciente postura, e principalmente, por seu olhar agonizante. É nos momentos de mudez, com uma respiração ofegante e pesada, que transmite toda a torrente de sentimentos que o consome após tudo que presenciou. E após isso, no lento recuperar de suas cordas vocais, sua voz soa calma e arrastada, mas soturna. Um agouro. Um homem que perdeu tudo e é movido pela vingança. Aproveitem os últimos dias para rirem da piada DiCaprio - Oscar, pois em menos de 2 meses, ela será obsoleta.
Contemplem o próximo ganhador do Oscar de melhor ator. |
Talvez sua sobrevivência possa parecer inverossímil às vezes (baseado em fatos reais, lembre-se), mas bastam alguns minutos de reflexão para logo lembrarmos de casos reais que muito parecem obras da mais criativa das ficções. 127 Horas, O Sobrevivente (com Christian Bale), o recente Evereste. São vários os exemplos tangíveis tão sedutoramente irreais quanto a história de Glass.
Will Poulter e Domhnall Gleeson, dois talentosos atores em ascensão, possuem uma passagem mais curta, mas importante, especialmente o primeiro. Já Tom Hardy é, infelizmente, construído de forma maniqueista. Toda sua caracterização logo deixa claro que estamos diante de um vilão, Aparência grotesca, remetendo literalmente a um monstro insensível. O talento de Hardy compensa em parte, como na sinistra modulação de sua voz, seca e vazia de solicitude, condizente com sua personalidade, mas fica a decepção de que com mais empenho, poderiam tê-lo desenvolvido melhor.
Toda a sofrência do personagem ressoa na trilha sonora composta por Ryichi Sakamoto, com a colaboração de Alva Noto e Bryce Dessner, que é competente e tímida para não tirar a atenção da tela, enquanto, concomitantemente, intensifica as reações que nelas são exibidas. O silêncio é outro componente fundamental para fortalecer a estrutura dramática do longa, como nas cenas de grande carga dramática ou que demandam uma tensão mais claustrofóbica, fechando a câmera no rosto dos atores.
Em seu término, estamos extenuados e sufocados, mas não por sua extensão, e sim pelo poder da imersão e atmosfera pesada proporcionada por seus realizadores, assim como o cineasta havia feito em Amores Brutos. Uma obra vertiginosa e estonteante, um desses filmes que surgem raramente, mas que quando o fazem, deixam sua marca.
Nota 10.
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